sexta-feira, 2 de setembro de 2011
O Livro
Eu comprei o livro. O meu irmão mais novo quis ler. E disse a namorada:
leia também. A mãe da menina leu o livro nas tardes em que não tinha o quê
fazer. Embora fosse um livro adolescente. A menina que agora era ex-namorada do
meu irmão, quando se mudou teve que doar os livros para a biblioteca pública
por falta de espaço em casa. Um menino que fazia o trabalho de escola tirou o
livro da estante. Gostou da capa e do resumo, e fez uma ficha na biblioteca
para pegar o livro emprestado. A irmã dele começou a ler o livro. Eu comprei o
livro novamente num sebo do centro da cidade.
segunda-feira, 29 de agosto de 2011
Tendenciosa
Ela subiu me
olhando. Não pude acreditar. Roleta e trocador. Fiquei sem graça. Tentei
disfarçar. Uma senhora com setenta anos ou mais. Ela pagou a passagem e eu
pensei. É óbvio demais que pare aqui na minha frente. Não teria coragem. Ela
irá sentir-se envergonhada. Mas eu tava enganado. No momento em que acabei de
tirar a biografia de um dos escritores que mais gosto da mochila, ela encostou.
OK. Levantei e dei o lugar. Ela: obrigado. E se ofereceu para segurar a minha
bolsa. Grato. Sei que se estivesse em pé, provavelmente ninguém iria segurar
nada. Na minha cidade é assim. Mas se ela andasse mais um pouco teria outra
pessoa. Qualquer um com menos de sessenta anos daria lugar a ela. Achei a escolha...
Tendenciosa.
quinta-feira, 25 de agosto de 2011
Favela Ocupada
Favela ocupada. Ele tava parado em frente a sua casa. Acabou de fumar. Veio um soldado e disse: pô aí tu num tem um baseado desse pra me arrumar, não? Ele gelou. Mas falou: tenho. Entrou em casa rapidamente. O soldado esperando. Ele suava com medo de que fosse uma armação. Mas se fosse não teria jeito mesmo. Era melhor arriscar. Entrou em casa e pegou um baseado. Deu para o soldado que falou: com todo respeito, sem querer abusar, não tem uma seda aí não, irmão? Tenho. Ele entrou em casa de novo. Saiu com a seda. Deu para o soldado. O soldado falou: valeu... E saiu andando. Ele respirou. Alívio.
segunda-feira, 22 de agosto de 2011
O Apontador Que Caiu No Chão
Eu tenho uma vida desgraçada. Simplesmente não gosto de estudar. E
por isso a tia da escola me odeia. O meu pai deu o fora com outra mulher e a
minha mãe ameaça tacar fogo na casa. Com meus irmãos e comigo dentro. A mãe de
um amiguinho paga a minha caixa escolar e me sinto humilhado por isso e pelas
roupas dadas. Odeio essa bolsa de couro velha que não combina com um menino que
devia ter uma mochila. Não sei se odeio andar maltrapilho. Acho que não. Odeio
mais ser achincalhado. Virar chacota por esse motivo. Não tenho videogame.
Lá em casa nós vendemos garrafas para comer ovo. Estou enjoado de ovo. E de angu também. Naquele quintal só se come
angu. Às vezes eu penso. Será que eu vou ser um adulto amargurado? Não. Acho que não. Pois quando eu voei para pegar o apontador que caiu no chão e devolvi
a menina, eu me senti o menino mais feliz do mundo. E ainda escrevi um conto
curto sobre isso.
quinta-feira, 18 de agosto de 2011
A Beleza Previsível De Cristina Kirchner
Ele sentou no bar e pediu um café. Depois tirou um cigarro e foi para a
porta do boteco. Começou a jogar fumaça na cara dos transeuntes. Eu tinha lido
todos aqueles livros e o que não me faltava era assunto. Queria falar da
importância daquilo tudo. Mas ele ouve essa falácia todo dia. Quando ela
chegou, ele disse: hum. E ela: bom dia... Ela era uma mulher no auge dos seus cinquenta anos, com uma beleza previsível e cara de âncora do jornal da noite.
Ele foi muito educado. Ela exibiu a mesma classe que tem Cristina kirchner. E num gesto de enfermaria segurou
o braço trêmulo do escritor. Eles pararam um táxi. O carro partiu. Eu olhei
para as nuvens de cafeína e nicotina que subiam. O preto no balcão olhando minha
cara perguntou: você sabe quem ele é? E respondi: eu sei quem ele é.
segunda-feira, 15 de agosto de 2011
João Banana
Naquela casa tudo é velho. O
ventilador com hélices de alumínio. O vídeo cassete. Os móveis. A tinta das
paredes. O fogão enorme. A geladeira. Inclusive o velho gorducho com bochechas
rosadas que ouve ópera numa vitrola e apoia os pés num banquinho. E todas as
histórias. Ele limpa a garganta e com a sua voz mais áspera diz:
Antigamente o sujeito entrava num lugar e pedia: me dá uma média com pão e manteiga. Hoje em dia não tem mais isso (o autor discorda). Antigamente o sujeito entrava numa mercearia, pegava um tomate e saia comendo. Hoje em dia não tem mais isso. Antigamente não existia droga. O único cara que fumava maconha aqui era um tal de João Banana. Foi o primeiro maconheiro que vi. Ele ficava dentro do bar, mas só fumava escondido. Hoje em dia está tudo mudado...
Quando disse isso o fiquei imaginado ainda de calças curtas, olhando esse tal de João Banana palitando os dentes todo de branco parado em frente ao bar, e pensando como ele ia esconder a erva do diabo. Como eles diziam. Antigamente.
Antigamente o sujeito entrava num lugar e pedia: me dá uma média com pão e manteiga. Hoje em dia não tem mais isso (o autor discorda). Antigamente o sujeito entrava numa mercearia, pegava um tomate e saia comendo. Hoje em dia não tem mais isso. Antigamente não existia droga. O único cara que fumava maconha aqui era um tal de João Banana. Foi o primeiro maconheiro que vi. Ele ficava dentro do bar, mas só fumava escondido. Hoje em dia está tudo mudado...
Quando disse isso o fiquei imaginado ainda de calças curtas, olhando esse tal de João Banana palitando os dentes todo de branco parado em frente ao bar, e pensando como ele ia esconder a erva do diabo. Como eles diziam. Antigamente.
sexta-feira, 12 de agosto de 2011
Casal Excêntrico
Ele disse: vamos cair fora dessa escola. Ela disse: é mesmo,
esses professores não tem nada para nos dizer, talvez lá fora exista algo mais
interessante. Ele parou em frente a uma floricultura. O vendedor não viu nada
demais nos dois. Ele disse: hei cara, você pode me dar uma flor para a minha
gata? O vendedor da floricultura pensou que uma flor não faria falta. E que
eles eram um casal tão bonitinho... Pensou igual uma bicha afetada. Logo após
eles entraram numa livraria. Os seguranças da livraria que sempre perseguem os
negros como se nós negros só roubássemos livros; não deram a mínima para o
casal excêntrico de mãos dadas. Eles entraram. Foram as prateleiras. E nada de
interessante por lá, também. Apenas clássicos sem fôlego e empolados. Best Sellers.
E vencedores de prêmios sem importância. Queriam alguma coisa que os sacudisse. Mas isso está em falta. Quando os dois saíram da livraria, toda a cidade procurava por eles. Os seus rostos estavam nas tevês e
nos jornais. Pegos. Na manhã seguinte ele leu com dificuldade o jornal que
dizia: menino e menina de seis anos fogem de escola particular mais cara da
cidade.
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