naquele dia eu tinha ido à escola. não lembro se a professora havia pedido para comprar o livro. a "tia" como se dizia naquela época. não sei se foi a tia Cristina ou a tia Nelli, e também não me lembro se nós tivemos que comprar ou se a professora deu o tal livro. mas a questão era que embora minha vida escolar tenha sido um desastre. mais por culpa da escola. eu tinha insônia naquela época. depois que a mãe do último moleque o colocava para dentro, eu entrava. era sempre o último a entrar. eu morava na casa da minha avó. não era neto criado por avó. entrava e comia um pão ou dois que o meu tio que trabalhava na padaria trazia. tomava um café e ia dormir. naquela época havia a extinta TV Manchete que encerrava suas transmissões dia de semana com filmes nacionais. películas maravilhosas que são de uma época em que o cinema nacional não tinha dinheiro. antes disso havia o Documento Verdade, documentários que mostravam a realidade, e que eram impróprios para uma criança da minha idade. Assim como os filmes. mas graças a Deus a minha avó já estava dormindo. eu assistia às atrizes das novelas nuas, os galãs xingando palavrão. aassisti Pixote, Macunaíma, Barra Pesada, Beijo na Boca, Lúcio Flávio O Passageiro da Agonia, Rio Babilônia e etc. só para citar alguns. no fim da programação diária entrava o sinal sonoro. blábláblá estamos encerrando nossas transmissões. o início era com hino nacional. eu sou da época em que entrava aquele cartaz da censura da ditadura, camarada. Foi numa noite dessas, que eu não conseguia dormir, e que eu li um livro durante à madrugada inteira. Nunca mais a minha insônia teve o mesmo impacto. Nunca mais a minha vida foi a mesma. Como dizem.