eu pergunto a minha mina. você viu um furgão lá fora? digo olhando pelo canto da cortina. ela diz: deve ser a CIA atrás de você... ela abre a janela, que calor aqui... que cheiro ruim! tudo fechado. eu me jogo no chão e ponho a mão em frente a boca como fazem os jogadores tentando evitar a leitura labial. falo por sussurros. devem existir escutas por toda a casa.... ponho o telefone no ouvido e ouço um chiado ao fundo. ela me diz: você tá delirando! eu digo: tô cercado! os meus companheiros me abandonaram... ela diz: é impressão sua, amor. eles me boicotaram. disseram que eu sou um dissidente. entrei para a lista de traidores. ou será que eu sou apenas um capital dissidente? não sei! não rolou nem um sentimento de classe. consideração racial ou algo que o valha. disseram que sou uma ameaça. falo por códigos. sinais. driblo. não posso ser muito explícito para que não me descubram. passo na rua. alguém diz: esse cara com essa mulher de cabelo vermelho, não sei não! eu me escondo no supermercado. a câmera do supermercado me persegue. eles sabem que envio mensagens secretas. sou censurado. torturado. quero ir exilado para a França, Estados Unidos, Inglaterra. eles vigiam os meus passos. o meu vizinho me espreita do olho mágico na madrugada. alguém diz: é um artista do bairro que sequelou. outro diz: incapaz de fazer mal a uma formiga! alguém diz: tem de se relacionar. eu digo: sou tímido. o rapaz que recolhe o lixo faz sinal para alguém quando eu passo. o mesmo acontece com o cara falando no orelhão. o entregador de flores parece me apontar. mas um passarinho me traz notícias de campo da fronte. do campo de batalha. onde sempre há algo novo. ele me diz: você foi citado. eu digo: sério? ele diz: sério, num relatório da ONU! Obama tá na tua cola, malandro! eu digo: mentira! ele diz: eu lá sou homem de jogar conversa fora, rapaz!? tem caroço neste angu.... e eu vou descobrir o que é. ele reforça: aí, tem! eu digo: já avisaste ao Joaquim Barbosa? ele diz: sim. mas não mija fora do penico, não, rapaz, se não a coisa esquenta pro teu lado! vai sobrar pra mim, e não há quem te tire de lá! eu pergunto: batata? ele diz: batatíssima! eu digo: você vai me ajudar. ele diz: eu sou bem relacionado no jet set, como você sabe. vou ver o que posso fazer por você. mas não prometo nada! ele pigarreia, e diz: mas por enquanto segura a tua onda, que a tua batata tá assando! a minha mina diz: elas têm alucinações. e amigos imaginários. (e inimigos também, ela pensa). eu digo: amor, é verdade, o meu amigo intelectual, ele não cresce! ele nunca cresce! permanece do mesmo tamanho. com a mesma idade, desde que eu o conheci!
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