Você está olhando para o seu filho no retrovisor. O moleque é o capeta e ele vai enfiar o Ben 10 nos cornos da menina. Você se antecipa a jogada como um bom atacante de futebol. Ele é igual a você quando batia nas criancinhas, a tua mãe diz. Mas foda-se, você era responsabilidade dela e do seu pai nessa época. Então você grita: não faz isso com a tua irmã! Ele recua. Volta com mais força. A menina abre um bocão que ocupa todo o espelho. Parece que vai te engolir. O seu marido enfiou a cara no jornal, e é como se qualquer coisa que aconteça fora daquelas páginas não seja de sua responsabilidade. O príncipe encantado da sua adolescência não está falando com você. E talvez seja por causa dos filhos, como se você os tivesse feito, sozinha, ou como se o que existe de errado com eles fosse justamente herança do teu DNA. Você quer perguntar se ele quer dirigir. Mas essa não será uma boa pergunta, já que pelos cálculos dele, os seus vinte minutos de atraso procurando as tralhas das crianças fez toda a diferença. Vinte minutos antes não havia engarrafamento algum. Você não se imaginou com trinta e poucos anos parada num engarrafamento com um príncipe que está virando um sapo com uma barriga enorme de chopp. Não era essa a viagem dos sonhos com o seu carro novo. Ficar parada durante horas junto de uma porção de gente que você não conhece. E depois levar mais meia hora procurando um local para estacionar. Para chegar numa casa lotada de parentes fofoqueiros, querendo saber quanto você está ganhando e jogando na sua cara o fracasso que você é e que sua prima... bom deixa pra lá. Mas vai ter água salobra. Fila para o banheiro. Falta de silêncio, e de privacidade. Você queria estar em casa comendo aquela pizza caseira e bebendo vinho. Quem sabe baixar um vídeo. Mas toda a família vai! Não podemos fazer desfeita... Você vai abrir a porta e começar a gritar. Feliz Dia da Independência. Mas que nada, vamos tentar de novo. Você não vai fazer isso. Maldito dia da Independência... você diz entredentes.
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