domingo, 29 de janeiro de 2012

Preso No Elevador

Ele ouviu um estrondo. Viu o teto desmoronando. E correu pra dentro do elevador pra tentar se proteger. Mas não se lembra de mais nada do que aconteceu. Ele deve ter ficado alguns segundos, desacordado. Então tentou o botão de emergência, e nada. Quando viu uma bota em cima do elevador. Senhor, eu tô aqui no sexto andar! Era um bombeiro que respondeu: amigo, você não tá no sexto andar, não, você tá no primeiro! Quando ele foi retirado do elevador, descobriu que o prédio em que tava havia caído. O homem olhou o cenário de guerra, e foi a primeira vez que alguém agradeceu ter ficado preso num elevador. Ele saiu andando entre os escombros. Ileso.

domingo, 22 de janeiro de 2012

Dez Por Cento

Eu pego a nota e digo: amigo, tem coisa demais aqui. Ele com aquela cara de tédio, boceja. O quê? Eu digo: esses dez contos, por exemplo? Ele: dos músicos, mas é opcional, se não quiser não paga. Então respondo motivado pela falta de respeito e por meu pãodurismo. Não quero pagar. O outro me diz: eu quero pagar os músicos. Então fico com aquela cara de pão duro. Embora o corporativismo sempre fale mais alto. Tudo bem. Depois pergunto, e esses outros dez contos? Ele diz: é do garçom. Eu me lembro que os taxistas nunca tem troco, e que os garçons e os músicos nem sempre recebem esses dez por cento.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

O Dia De Lixo

Ele chega do trabalho suado. senta no sofá e puxa uma cerveja. O irmão pergunta: como é que tá a rua? Ele responde: cheia de lixo!  Depois pendura a camisa de gari nas costas da cadeira. E percebe que na tevê é um jogo sem importância. Parte do calor desce com o suor do rosto. Ele ouve uma gritaria e vai até a janela pra ver o que é. Não é nada demais. Apenas alguns moleques de férias batendo bola. Um senhora enrugada desce a rua conduzindo, ou sendo conduzida por um poodle tosa e banho. Em uma das mãos ela segura uma sacola. Antes de olhar a lua, ele vê que a velha joga o saco na árvore do vizinho da frente. Ele diz: fiadaputa! É um sussurro para si próprio. E se vira para o irmão e pergunta: esses putos aqui jogam o lixo fora do dia do recolhimento? O irmão não diz nada, como se aquilo não fosse importante, e continua olhando para o jogo. Ele pensa que talvez aquela velha pense que o lixo não é dela. Ou que é algo do qual tenha que se livrar. E que simplesmente não deixar o lixo em sua casa, resolva o problema. Mas ele pensa que aquilo não é só um problema de quem recolhe o lixo. E que talvez ela acredite que há alguma diferença entre a rua e a sua casa. Fiadaputa!

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Ascensorista De Elevador

Ele estava cansado de dizer: sobe e desce. E de subir e descer com gente que não conhecia ou não gostava naquele elevador no prédio público do centro da cidade. Então pensou que talvez apertar um botão fosse um trabalho digno que precisava ser feito. Mas depois disse a si mesmo: conversa fiada! Ninguém precisa de ninguém para apertar um maldito botão. E pensou também que aquela era uma profissão que podia ser exterminada como tantas outras. E por mais que precisasse da grana, se continuasse ali, ele estaria subjugando a sua própria inteligência. E estava cansado de ouvir sobre a rodada de domingo, o tempo, os filhos dos outros; suas esposas, doenças e faculdades.  E resolveu abandonar o posto, antes que a perua pedisse “o décimo!”. Mas ainda deu tempo de dar bom dia ao porteiro, que olhou para o seu rosto sem saber o que dizer. E saiu com as mãos nos bolsos assobiando um tema da novela das nove.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Faroeste Caboclo

Naqueles dias Douglas andava feliz pelo conjunto. E todo mundo olhava para ele com uma admiração invejosa. Inclusive os moleques que deram uma trégua nas desavenças. Nem ser o perna de pau da pelada podia embaçar a sua imagem. E quando se via o moleque em pé na esquina ou e em qualquer calçada estufando o peito, ninguém pensava que ele fosse metido. Apenas que estava gozando os louros da fama. Talvez algum desavisado da rua pudesse perguntar: porque que o Douglas tá tão metido? E nós tivemos que engolir aquela marra dele durante séculos. Mas até hoje quando fica bêbado ele começa com a mesma ladainha: hei, lembra de quando eu decorei a letra de Faroeste Caboclo? Hein, lembra? Ele foi o primeiro maluco a decorar aqueles nove minutos de versos. É como se ele fosse um dos autores da letra. E ele fala do Renato Russo com uma intimidade que parece um parente próximo. E no dia da morte do saudoso poeta, ele chorou um Rio Amazonas inteiro.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Dostoiévski Vs. Sidney Sheldon

Eu não tinha dinheiro para comprar livros. Nem passagem de ida e volta para ir a uma biblioteca melhor. Então querendo ou não, aquele era o acervo que eu tinha disponível. Ainda não tava metido a besta, e não conhecia nenhum pseudo-intelectual para me dizer quais autores deveriam ser lidos. Então eu podia ler Dostoiévski num dia e no outro Sidney Sheldon. E na minha cabeça tudo era literatura e tudo era bom. Livro era livro. Hoje eu talvez não leia o Sheldon pensando que ele é limitado. E não alimente uma nostalgia obsessiva em relação a Dostoiévski, por exemplo. Mas tanto o Sheldon quanto o Dostoiévski cumpriram o seu propósito. E tenho certeza, de que o que me fez aceitar a simplicidade e a subjetividade, deve ter sido começar a ler com o coração tão limpinho. Sem preconceitos.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Homem Na Estrada

Brou tava com o irmão numa estrada de Brasília quando ouviu pela primeira vez aquela música dos Racionais Mc`s, Homem Na Estrada. Ele perguntou ao irmão que dirigia: De quem é essa música? E depois disso o irmão deu uma fita cassete dos Racionais para o Brou que a levou pro Rio. Uma fita dessas que esses otários de hoje em dia não sabem usar. A história é narrada por um preso da época da chacina. Quando Brou chegou a Penha, escreveu toda a letra da música com a ajuda do toca fitas. Ele levara quase dois dias para escrever aquele número enorme de frases. Um amigo mais chegado pediu a letra: qual é Brou, me empresta aí pra eu copiar? Brou emprestou e ele guardou no bolso. Quando Brou foi cobrar a letra, o amigo chamou à mãe a janela e perguntou a ele olhando para a senhora: Brou, aquilo não é uma letra de uma música? E Brou respondeu: sim, por quê? E a mãe logo o cortou dizendo: vocês combinaram isso! Só depois com a família reunida que a sobrinha cantou a música para a tia. Um homem na estrada recomeça a sua vida... Mas aí era tarde. A mãe já havia chorado pensando que o filho era bandido, e que recebia cartas da cadeia. Pois ela havia encontrado uma delas quando foi lavar sua roupa.