sexta-feira, 8 de julho de 2016

Nelson Rodrigues - A Mentira.

Lúcia vai arrumar o inferno naquela casa. A descrição da menina de Nelson Rodrigues nesse livro é tão viva, que enquanto se lê é quase possível ouvi-la respirar, ou sentir a sua brancura lívida... Ele é um mestre dos personagens, através de pequenos gestos, diálogos e atitudes. Lúcia é um desses casos. Ela é uma heroína de Nelson. Assim como Silene, de Asfalto Selvagem, ou qualquer outra, talvez Glorinha, ela é mais uma de suas personagens cínicas, e vilãs sem igual da literatura, e ao mesmo tempo heroínas. Mais uma Bonitinha, mas Ordinária.  Os personagens de Nelson são encurralados entre o lema do prazer arrebatador, e incontrolável, e a culpa incutida em seu íntimo, e o quê os outros vão dizer. O quê os vizinhos irão pensar. O Doutor Godofredo diz que Lúcia está grávida. Dona Ana vai ter de contar ao marido. Lúcia tem duas irmãs. Dora, e Isabel que tem maior participação no drama. Toda a família vai morar na Barra da Tijuca. É vontade da mãe que deseja cuidar das filhas. Então a casa acolhe as filhas com os genros, e essa caçula. Que é a obsessão do pai, que é Doutor coisíssima nenhuma. É apenas um título que imputou a si mesmo. Quando vem a notícia, a mulher quer saber, filho de quem? Todos querem saber, mas filho de quem? A menina não nega, Lúcia começa a fazer um jogo psicológico com todos, e a manipular a história do filho. O pai em sua fúria, odiosa, de quem detesta as outras filhas, e ama somente a essa como deixa bem claro, mostra toda a sua fraqueza no episodio. Culpa a mulher pela “desgraça” da filha, e consequentemente da família. Quando ele descarrega na esposa que seu amor por aquela filha, é de um longe um amor maior do que ele sente por ela, que ele diz sentir amor nenhum, e pelas outras filhas. Isabel, essa que aparece como esposa de três dos cunhados em situações diferentes, diz ter herdado uma úlcera por causa do pai. O pai em sua fúria acaba com a mulher, que Nelson diz ser pusilânime, com fraqueza de caráter, ou sem caráter, que nunca enfrentara o marido. A mulher dona Ana diz ao marido que Lúcia não é sua filha. Lembra-se daquela viagem a Curitiba. Lúcia veio depois de todo mundo. Era uma filha temporã. Ninguém acreditou quando Lúcia veio. Pois dona Ana já ia com idade avançada para engravidar. O homem insiste, diz que não tem ciúmes nem nada. Mas foi o Cláudio. Um amigo de Doutor Maciel já falecido. Um homem fraco, e com aspecto de doente. muitas vezes esse personagem do homem doente que ninguém dá nada por ele vai aparecer na obra de Nelson Rodrigues, vitima de um romantismo de uma mulher que sonha com um príncipe encantado, e que contrariando a todos, podendo escolher a quem quiser, algumas vezes opta pelo mais fragilizado, aquele que aparentemente não oferece perigo, e traz a tristeza no olhar, como se esse gesto elevasse a mulher, como se com aquele homem tudo fosse permitido, e com o canalha não. Lógico que na obra de Nelson existem muitas mulheres obcecadas por esse canalha. A história que se desenrola num ritmo alucinante e sem tempo para um suspiro. Leva a revelação de que o namorado de Lúcia, quem ela gosta? Como eles perguntam a ela o tempo inteiro você tem de gostar de alguém? Um filho não aparece assim, do nada. Eles nunca se referem ao ato, como se a simples menção fosse imoral. Mesmo que o escritor se sentisse pressionado, a escrever dessa forma por causa da moral vigente, a minha interpretação é que nesse caso, era isso mesmo que ele queria sublinhar, quem ela gosta, e não com quem ela “dormiu”, “deitou”, ou qualquer outro eufemismo. O namorado de Lúcia é o paralítico da casa ao lado. Nesse caso, ele é o inválido. Como dizem. Mas agora. Lúcia tem certeza de que o filho é dele. Mas ela não conta. O paralítico que odeia a todos e se odeia. Nonô. Diz a Lúcia que ela esteve com ele por pena. E ele insiste que todas as mulheres são iguais. Ele não aceita de forma alguma que a menina o tenha desejado. Ele tem dezenove. Ela tem catorze. Quando a mãe diz que ela é apenas uma criança. Uma das irmãs grita criança coisa nenhuma! Lúcia se fecha e aterroriza a todos com o seu cinismo. Menos o pai que insiste em sua defesa. Depois que a mulher diz ao pai que Lúcia não é sua filha. Tudo muda. É a mulher que lê seus pensamentos. E que o chama de monstro. Diz que sabe muito bem o que ele está tramando com aquela viagem para ficar sozinho com a filha. O argumento é que eles têm que tirar a filha dali. Para que não vire um escândalo e para que ninguém fique sabendo. A mulher percebe a manobra do marido, que agora não tem de encarar o incesto pela frente, assim como o ato de Lúcia mexe com a imaginação do pai, ele destroça com a dos genros, e com um deles em especial, Aparício, Marido de Isabel, a irmã da úlcera. Então se a menina fez isso, o quê mais ela poderia fazer, o velho como é tratado no diálogo dos genros que são excelentes, em seu cinismo, arma uma trama de que a velha está pirando, vendo se aproximar o dia da viagem Dona Ana tentar matar o marido. Que diz que a mulher está enlouquecendo, e faz de tudo para levá-la a um hospício, no quê a mulher jura ao marido que ele será morto pelo pai do filho de sua filha, o paralítico se derrama ao saber da gravidez, e de que a menina vai viajar, ela diz que tudo que fez foi por pena. Ela inventa uma mentira para o pai. Que a pressiona, com a praga de dona Ana na cabeça. Ela inventa uma história que na festa que aconteceu na casa de Nonô, num casamento, ela havia bebido e que não sabia quem fizera aquilo com ela. O pai que tanto insistira no nome do namorado, parece se resignar com aquela mentira. Que não dá a ele a obrigação de ter de saber quem é o pai, e que pode viver agora para cuidar da sua “filha” adorada. Que dona Ana diz, a única que não é a sua filha. Aparício, o genro, começa a pirar, se encontra com a garota. E sabendo da história toda que a esposa conta para ele dentro do quarto. Ele intercepta Lúcia que se despedira do vizinho na rua. Nonô. E diz a ela que ele é o pai da criança. e dizem sua loucura se declara apaixonado. Ela ameaça contar ao pai. Ele propõe a fuga. A menina parece gostar do assédio. Aquele era o genro que ela mais gostava. Aparício segue para cima do velho. E o ameaça. Ele confessa tudo. Diz que está apaixonado e enfrenta o velho. Ele diz, nós somos rivais! E dispara quatro tiros no velho. E diz. O que dona Ana não conseguiu fazer eu faço. Um amigo chamado Telêmaco tentou avisar a Aparício que o Doutor Godofredo estava louco. Aquela semana em que Lúcia fora se consultar com ele, o doutor havia dito que uma senhora de oitenta anos estava grávida, e uma menina de oito anos também. Era oito ou oitenta. O velho estava pirado. Aparício que gritava por Lúcia na cadeia. Ao saber da boca do outro que ela não era uma mulher feita. Como em muitos momentos os personagens se referem à Lúcia com a sua posição após o ato consumado. Em sua decepção de que ela não era apenas uma menina, Aparício mete uma bala na cabeça.

quinta-feira, 7 de julho de 2016

John Fante, Charles Bukowski, Henry Miller e Louis-Ferdinand Céline!

eu li Pergunte Ao Pó por causa de uma introdução de Bukowski. eu não gostava de Bukowski porque a maior parte das pessoas que lêem Bukowski não entendem a sua literatura. então elas pensam que Bukowski é apenas sexual e alcoólico. e os cátedras moralistas se aproveitam disso para censurar Bukowski. embora não se encontre Bukowski nos sebos nem nas bibliotecas. pois está sempre esgotado. de Bukowski só se encontra livros novos e mesmo assim não é fácil. de segunda mão é mais através da internet. mas caiu essa introdução de Bukowski sobre John Fante em minhas mãos. Eu li os romances de Fante. não os contos. os romances. eu gosto de romances com Arturo Bandini. Eu sou Arturo Bandini! eu já gritei. quem leu esses livros e não gritou essa frase? Eu li Pergunte Ao Pó num sábado de tarde ensolarado. depois li Bunker-Hill, e Espere A Primavera, Bandini. Rumo A Los Angeles, esse último foi o primeiro que ele escreveu, e que só apareceu após sua morte. permaneceu inédito enquanto Fante esteve vivo (Assim como Diário de Um Jornalista Bêbado de Hunter Thompson que é maravilhoso.) o livro mostra o antes de Bandini. ele ainda em casa não conseguindo se enquadrar. depois disso eu li Bukowski. todos os romances de Bukowski. não li poesia porque não é meu o forte. quanto aos romances, contos, crônicas, eu li tudo. e depois que senti os mesmo engulhos daquela mulher que vomitou ao ter uma relação sexual com Bukowski, o vômito havia curado a ressaca, e eu estava livre. ele não me assustava mais. é a mesma sensação libertária que eu tive ao ler o Henry Miller. bem mais erudito que Bukowski, é claro. mais profundo. Henry Miller o memorialista. gosto dos livros de viagem. do Big-Sur... de tudo! Não li apenas algum ensaio e o livro sobre o palhaço. Amo Big-Sur, o livro sobre a Grécia, o Colosso de Marússia, e lógico a trilogia, a Crucificação Encarnada. Todos que eu li. Câncer, Capricórnio, Sexo, Clichy. Primavera Negra. Os Livros da Minha Vida, com esse livro Henry Miller me ensinou a ler. A Crucificação Encarnada é a libertação, como quando ele diz que um homem para chegar ao paraíso tem que chegar ao inferno primeiro. é uma catarse ler Henry Miller. ele rompe todas as barreiras morais, filosóficas, toda essa ladainha mentirosa que os autômatos conseguem manter junto com os seus senhores feudais através dos tempos. Henry Miller não deixa pedra sobre pedra. Sábio... Miller escreveu um texto aos oitenta anos em que dizia que a vida não era boa, nem má, nem uma coisa, nem outra. ele admirava o estilo de vida de Picasso. e se dizia um adolescente. Eu li os livros de Miller  na sequência. li aqueles livros crus do começo. Moloc. Crazy Cook. que não foram lançados em vida. Henry Miller é uma paixão antiga que encontrei na biblioteca por acaso. eu vi que o distrito que ele descrevia era igual ao distrito que eu vivia tanto tempo depois. assim como Bukowski encontrou John Fante. Já o Céline que é o pai de todos eles, inclusive influenciou os beats, que foram também influenciados pelo misantropo Salinger? os quais eu fui a procura. Bukowski falava sobre Céline. em um de seus livros. Céline é um personagem. no Pulp. creio que fosse seu escritor preferido. e lendo uma introdução sobre o livro Viagem Ao Fundo Da Noite, eu li que Henry Miller havia reescrito Trópico de Câncer, após ler esse livro. eu li. e cheguei a conclusão de que o grande autor era Céline. Céline não escreveu tanto como Nelson Rodrigues, por exemplo. mas esse livro é o melhor livro que sobre o ser humano. é um livro sobre a guerra. eu duvido que exista um romance que me agrade mais. se descobrir eu anuncio. o velho Céline ficou louco na guerra. assim como o meu avô que não podia ouvir barulho de bomba. mas ele continuou vivendo e escrevendo. com todas as perturbações. será que ele teve a Síndrome de Estocolmo? era neurótico de guerra. eu li Viagem Ao Fim da Noite. Morte A Crédito.que realmente é tão bom quanto Viagem como as pessoas juravam. existem escritores que escreveram mais que Céline. mas poucos alcançaram a velocidade da fala e do pensamento como Céline conseguiu. e que desnuda o mundo para qualquer incauto. ele nos conheceu profundamente. ele sabe que estamos mentindo. como ele diz em Morte A Crédito, ah, minhas inclinações...não li Norte. graças a Deus! ainda falta um belo livro de Céline... vou ter o prazer de ler uma página por dia. como tenho feito com o Lapa de Luis Martins.  outro escritor injustiçado. por esses mesmos motivos. censura moral. inveja. panela. e o cacete a quatro! mas um conselho que dou, acho que se não tivesse lido Viagem primeiro, eu não teria viajado no Morte! Eu já li Marcel Proust que é um escultor de catedrais da palavra que amo. li Flaubert, Kafka, Dostoiévski, Machado, mas nada no mundo nada me toca tanto, e tão profundamente quanto esse famigerado Céline. é uma pena que o seu nome tenha sido associado ao nazismo. é uma pena que as pessoas não entendam a loucura da guerra. o meu avô não podia ouvir barulho de bomba. uma vez falei sobre Céline e ouvi uma pergunta. ele num era nazista? que pena. a força da literatura dele é de poucos. ele põe o ser humano em seu devido lugar. embora os puritanos. os atrasados. as pessoas comuns. normais. os burros. os carentes de inteligência, de imaginação. de sensibilidade. os insensíveis. os chatos. os caretas. os janotas. que são a maioria esmagadora do planeta, não entendam que é libertador. assim como entrar num trem fantasma. e no final dele, novamente, poder respirar, e ver a luz do dia. é uma pena que não entendam que assim como Cristo, o Henry Miller de a Crucificação Encarnada sofre por você. Céline ouvia barulhos. e escrevia. devia ter insônia e tudo. ele foi o maior pacifista que existiu. o escritor que escreveu sobre a guerra e a odiou mais profundamente. e um dos que mais sofreu com ela. por isso ele me impressiona. ele foi para o inferno e escreveu sobre ele. e através de sua leitura, podemos purificar nossos pecados, e nos ver sem ilusão. límpidos e claros como água. como num espelho. eles não oferecem o fim dos sofrimentos. esses escritores cruéis e realistas. assim como Nelson Rodrigues (outro injustiçado em alguns momentos), e que assim como Bukowski, que é um poço de desejos e que sucumbe a todos eles... . através da saturação nos mostram o caminho para sossegar os instintos por alguns instantes. eles não nos vendem o fim do sofrimento e sim o fim das ilusões quanto ao ser humano. ou melhor, quanto a si mesmo!

quarta-feira, 13 de abril de 2016

A Praça...

no começo havia aquele espaço vazio. e um dos caras que estava no bar em frente jogando cartas, e bebendo deve ter dito. a prefeitura deixou aquele espaço vazio. aquele espaço vazio fica no entroncamento das ruas. então eles decidiram. vamos fazer as mesas, e as cadeiras de cimento. a gente faz uma vaquinha na rua. alguém deve ter dito. fechou! e lá estava a mesa. os banquinhos que sempre exibiam a sua utilidade. ou era o descanso no trajeto dos que vinham com as bolsas de supermercado. e a natureza colaborou enchendo as arvores, e deixando uma sombrinha. quando chovia parte do pessoal improvisava uma lona. até que alguém deu a ideia de que eles fizessem uma cobertura. e novamente eles se cotizaram para tal. e aí apareceu a cobertura. e começaram os churrascos comunitários, pois boa parte daqueles moradores eram criados na área. ou moravam ali fazia algum tempo. então alguém deu a ideia. porque a gente não faz uma churrasqueira. da churrasqueira nasceu o pagode improvisado. e do pagode improvisado nasceu o bloco. e a festinha do dia das crianças. e a festinha junina. e sempre que eu passo por ali, eu me lembro que aquela pracinha era apenas um espaço vazio.

domingo, 13 de março de 2016

Você Conhece Daniel Panão?



Assim como as suas rimas a história de Daniel Panão é sinuosa. Às vezes quebrada. Às vezes acelerada. Sentado ali naquela cama de solteiro ele me explicava. É um bagulho estudado. Pensado. Não é algo que eu fiz, assim, não... De qualquer jeito... Panão gesticula como se conseguisse guiar as palavras com as mãos, o que parece ser a vontade expressa em seus olhos. Quando dá aquela risada zombeteira. Daniel Panão está com uma camisa do N.W.A. Daniel Panão é o cara que canta com o Daniel Shadow. Aquele maluco naquele programa do Canal Show Livre que está no YouTube, de boné e de óculos escuros. E que é apresentado pelo Clemente do Inocentes. Paralelo a isso ele mantém seu trabalho solo. Daniel Shadow era do Cartel MC´s. Durante a conversa com Panão perguntei sobre algumas frases... Sobre algumas frases que eu havia conseguido captar ouvindo sua música. Mas hoje quando abri a música Você Que Faz Versos, no YouTube, Daniel Panão em parceria com DJ Erick Skratch. Desisti. Fiquei com a impressão de que todas as frases eram memoráveis, e que seria uma injustiça escolher uma. Você Que Faz Versos é aquela letra que se sustenta no papel. Não precisa de ninguém que segure a folha no ar. O refrão da música cita um trecho extraído do Poema, E Agora, José? Daniel Panão tocou teclado numa banda cover do Pink Floyd, e assim como muitos músicos aprendeu música na igreja. No caso dele numa igreja batista na Penha. Onde tocou teclado e flauta durante parte de sua adolescência. Panão se envolveu com a vida errada. E assim como inúmeros cantores de rap. Saiu da vida errada. E voltou para o rap. Daniel Panão, carioca nascido no Grajaú, e cria da Penha, morou dos 11 aos dezoito anos na zona noroeste de BH. Daniel Panão passou um tempo zanzando nas ruas do centro de BH. Simplesmente para gravar, ele afirma. Nada do quê eu vivi foi por necessidade... Fiz porque eu tava maluco! Panão dormiu no sofá de um, e de outro, igual ao líder do Nirvana. Tudo por causa da música. Música essa que ele me diz, tudo é música! Para ajudar em casa Panão trabalhou numa lanchonete famosa. Trabalhou numa torcida do Vasco. Time do seu coração. Trabalhou. E trabalhou. Ele trabalhou para ajudar a mãe, e uma época simplesmente deixou o rap de lado. Até que veio o convite de Daniel Shadow. Panão voltou para a música. Ele que trabalhou como camelô na Praça Sete em BH. Assim como o dramaturgo Plínio Marcos Panão trabalhou com o quê pôde. E nessas idas, e vindas. Entre um trabalho e outro. Panão trabalhou no estúdio de rap. E apresentou um programa numa radio comunitária da Lapa, Madame Satã. E assim como Geraldo Pereira, que dizem ter morrido em consequência de uma briga com o famoso travesti que dá nome a radio, Panão caminhou por aquelas ruas com a música na cabeça. Ele era frequentador assíduo de um evento chamado Reciclando Pensamentos, que acontecia na Fundição Progresso semanalmente, e que acabou por causa de um incêndio no local. Mas as chamas não puderam apagar os laços que Panão havia estreitado com o rap. Panão começou a cantar rap influenciado por um amigo de BH, Brow, que colocava um CD de bases para rolar em sua casa, e improvisava.  Tudo movido a altas doses de suco de tomate. E assim como Brow outro incentivador foi o amigo Minhoca. Amizade das ruas. Dos moleques que andavam de skate. Sua “família de rua”, os Kamikaze Crew de BH. O seu irmão Diedro, Pelão, emprestou um CD do Jigaboo a Panão... Pronto. Daniel ia se divertir. O amigo Brow, que morreu assassinado em 2014, deixou para sempre a lembrança daquele dia na mente de Panão. No dia em que Panão rimou a primeira vez... Passou minutos rimando sem parar. E era a primeira vez que rimava! Lá foi ele no dia seguinte comprar um CD de bases. Desde então, parece que toda vez que a vida aponta um caminho é em direção à música. Panão me diz. Eu canto rap. Rap é música! Quando a gente levanta Panão me pergunta: tem um careta? Eu queria perguntar a ele sobre a tatuagem... Mas esqueci. Digo que não. Caminhando na Penha Daniel Panão já deu autógrafo até para adolescente de igreja que gosta de rap. Embora outras pessoas olhem desconfiadas, ele me diz, saí de madrugada, de dia em casa, pensam que é vagabundo... Eu me lembro das frases de um dos seus amigos. EAZY CDA. Na música Somos. “Nosso ofício é visto para os de fora como esquisito. Mas a largada já foi dada. Não tem volta. Não ligo. Vou indo. Seguindo. Erguido firme no destino. Aonde iremos chegar já se tornou um detalhe mínimo!” Panão só tem aqueles quatro sons que estão na internet. Ele diz que está pensando... Ele quase não grava nada. Demora a gravar. Mostra pouca coisa. Fica desconfiado. “Todo Rapper que escreve, fará livros também” Disse Sabotage. Mas esse não é o desejo de nosso amigo. Ele diz, não gosto de escrever! Eu já ouvi isso da boca de alguns escritores. Daniel Panão está de mudança. Não vai mais morar na Penha. Pena. É a música... Eu me despeço de Panão que mergulha na noite das nossas ruas tortuosas, e de nossas calçadas quebradas, que mais parecem estacionamentos... Panão some ao virar a esquina. É a música... Eu penso.
fotos: Sergio Vinicius.



sábado, 30 de janeiro de 2016

Ela Conversava Com as Plantas...

Ela conversava com as plantas
Ela falava com toda a confiança
Ela parecia enluarada
Mas as plantas nunca lhe disseram nada
E ninguém conseguia explicar
O que ela queria dizer
Se é que ela dizia alguma coisa
Que as plantas conseguissem entender...
Um dia eu perguntei as plantas
Se e a gente incomodava indo ali no jardim
Mas pelo que deu para perceber
As plantas só fizeram rir de mim
Só fizeram rir de mim
As plantas só fizeram rir de mim
Só fizeram rir de mim
As plantas só fizeram rir de mim
Ela conversava com o gato
Que nunca falou mal de nenhum rato
Que sempre a ouviu com paciência
Durante toda aquela convivência
Ele também nunca comentou nada
Ele sumia quase toda a madrugada
E um dia eu perguntei a ele
Se a gente não atrapalhava a vida dele
Ele me disse que eu não era nada dele!
E que nem ela era da família dele...
Ele me disse que eu não era nada dele!
E que nem ela era da família dele...

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

O Veneno da Natureza...

Nem toda fruta que se come tem sabor
Nem toda flor que se cheira tem odor
Nem toda fruta que se come tem semente
Nem toda flor que se cheira a gente sente
Nem toda fruta que se come é madura
Nem toda planta que se cheira é da pura
Nem toda a planta que se planta tem raiz
E nem tudo aquilo que se fala a gente diz
Nem toda casca diz quem é o alimento
Nem toda terra que se pisa é firmamento
Nem todo alimento tá próprio pra consumo
Nem toda bosta de vaca é pra insumo
Nem todo o interior tem o ar puro
Nem todo fruto que está verde está duro
Nem todo animal está pronto pro abate
E nem toda erva que se planta é erva mate
Nem tudo na natureza é uma beleza
Eu conheço o veneno da natureza
Nem todo o solo fértil é arado
Nem todo bife do bom é bem passado
Nem toda vaca louca é para o matadouro
Nem toda serra pelada vale ouro
Nem toda terra boa é adubada
Nem toda cratera saliente é apertada
Nem todo boi que eu conheço usa chifre
E nem todo gado de esquife é bom pra bife
Nem toda praia está imprópria para banho
Nem toda erva maldita leva cânhamo
Nem todo pica pau é amarelo
Nem todo chá de boldo é chá de cogumelo
Nem toda planta que se planta é pra queimar
Nem toda natureza é pra se preservar
Nem todo animal está em extinção
E nem todo veneno é pra incineração
Nem tudo na natureza é uma beleza
Eu conheço o veneno da natureza

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

A Cidade...

A cidade segue o seu rumo secreto
Existe algo que não funciona nem por um decreto
A cidade segue o seu ritmo diurno
A cidade segue o seu ritmo noturno
Eu não sei quem acelera de verdade.
Se é ela ou se sou eu.
Tem fiança quem atropela
E morte! Quem morreu?
A cidade se une em prol da sua crença
Desmorona em sua desavença
Na cidade tem quem manda
E quem é mandado
A cidade tem vítima
Não tem culpado
A cidade tem multa
A cidade tem tarifa
A cidade tem pedágio
A cidade tem rifa
A cidade tem ladeira
Cidade é marginal
Cidade tem velocidade
Cidade tem perimetral
A cidade tem defeito
A cidade tem excesso
Na cidade há quem veja
E quem não chegue perto!