domingo, 13 de março de 2016

Você Conhece Daniel Panão?



Assim como as suas rimas a história de Daniel Panão é sinuosa. Às vezes quebrada. Às vezes acelerada. Sentado ali naquela cama de solteiro ele me explicava. É um bagulho estudado. Pensado. Não é algo que eu fiz, assim, não... De qualquer jeito... Panão gesticula como se conseguisse guiar as palavras com as mãos, o que parece ser a vontade expressa em seus olhos. Quando dá aquela risada zombeteira. Daniel Panão está com uma camisa do N.W.A. Daniel Panão é o cara que canta com o Daniel Shadow. Aquele maluco naquele programa do Canal Show Livre que está no YouTube, de boné e de óculos escuros. E que é apresentado pelo Clemente do Inocentes. Paralelo a isso ele mantém seu trabalho solo. Daniel Shadow era do Cartel MC´s. Durante a conversa com Panão perguntei sobre algumas frases... Sobre algumas frases que eu havia conseguido captar ouvindo sua música. Mas hoje quando abri a música Você Que Faz Versos, no YouTube, Daniel Panão em parceria com DJ Erick Skratch. Desisti. Fiquei com a impressão de que todas as frases eram memoráveis, e que seria uma injustiça escolher uma. Você Que Faz Versos é aquela letra que se sustenta no papel. Não precisa de ninguém que segure a folha no ar. O refrão da música cita um trecho extraído do Poema, E Agora, José? Daniel Panão tocou teclado numa banda cover do Pink Floyd, e assim como muitos músicos aprendeu música na igreja. No caso dele numa igreja batista na Penha. Onde tocou teclado e flauta durante parte de sua adolescência. Panão se envolveu com a vida errada. E assim como inúmeros cantores de rap. Saiu da vida errada. E voltou para o rap. Daniel Panão, carioca nascido no Grajaú, e cria da Penha, morou dos 11 aos dezoito anos na zona noroeste de BH. Daniel Panão passou um tempo zanzando nas ruas do centro de BH. Simplesmente para gravar, ele afirma. Nada do quê eu vivi foi por necessidade... Fiz porque eu tava maluco! Panão dormiu no sofá de um, e de outro, igual ao líder do Nirvana. Tudo por causa da música. Música essa que ele me diz, tudo é música! Para ajudar em casa Panão trabalhou numa lanchonete famosa. Trabalhou numa torcida do Vasco. Time do seu coração. Trabalhou. E trabalhou. Ele trabalhou para ajudar a mãe, e uma época simplesmente deixou o rap de lado. Até que veio o convite de Daniel Shadow. Panão voltou para a música. Ele que trabalhou como camelô na Praça Sete em BH. Assim como o dramaturgo Plínio Marcos Panão trabalhou com o quê pôde. E nessas idas, e vindas. Entre um trabalho e outro. Panão trabalhou no estúdio de rap. E apresentou um programa numa radio comunitária da Lapa, Madame Satã. E assim como Geraldo Pereira, que dizem ter morrido em consequência de uma briga com o famoso travesti que dá nome a radio, Panão caminhou por aquelas ruas com a música na cabeça. Ele era frequentador assíduo de um evento chamado Reciclando Pensamentos, que acontecia na Fundição Progresso semanalmente, e que acabou por causa de um incêndio no local. Mas as chamas não puderam apagar os laços que Panão havia estreitado com o rap. Panão começou a cantar rap influenciado por um amigo de BH, Brow, que colocava um CD de bases para rolar em sua casa, e improvisava.  Tudo movido a altas doses de suco de tomate. E assim como Brow outro incentivador foi o amigo Minhoca. Amizade das ruas. Dos moleques que andavam de skate. Sua “família de rua”, os Kamikaze Crew de BH. O seu irmão Diedro, Pelão, emprestou um CD do Jigaboo a Panão... Pronto. Daniel ia se divertir. O amigo Brow, que morreu assassinado em 2014, deixou para sempre a lembrança daquele dia na mente de Panão. No dia em que Panão rimou a primeira vez... Passou minutos rimando sem parar. E era a primeira vez que rimava! Lá foi ele no dia seguinte comprar um CD de bases. Desde então, parece que toda vez que a vida aponta um caminho é em direção à música. Panão me diz. Eu canto rap. Rap é música! Quando a gente levanta Panão me pergunta: tem um careta? Eu queria perguntar a ele sobre a tatuagem... Mas esqueci. Digo que não. Caminhando na Penha Daniel Panão já deu autógrafo até para adolescente de igreja que gosta de rap. Embora outras pessoas olhem desconfiadas, ele me diz, saí de madrugada, de dia em casa, pensam que é vagabundo... Eu me lembro das frases de um dos seus amigos. EAZY CDA. Na música Somos. “Nosso ofício é visto para os de fora como esquisito. Mas a largada já foi dada. Não tem volta. Não ligo. Vou indo. Seguindo. Erguido firme no destino. Aonde iremos chegar já se tornou um detalhe mínimo!” Panão só tem aqueles quatro sons que estão na internet. Ele diz que está pensando... Ele quase não grava nada. Demora a gravar. Mostra pouca coisa. Fica desconfiado. “Todo Rapper que escreve, fará livros também” Disse Sabotage. Mas esse não é o desejo de nosso amigo. Ele diz, não gosto de escrever! Eu já ouvi isso da boca de alguns escritores. Daniel Panão está de mudança. Não vai mais morar na Penha. Pena. É a música... Eu me despeço de Panão que mergulha na noite das nossas ruas tortuosas, e de nossas calçadas quebradas, que mais parecem estacionamentos... Panão some ao virar a esquina. É a música... Eu penso.
fotos: Sergio Vinicius.



sábado, 30 de janeiro de 2016

Ela Conversava Com as Plantas...

Ela conversava com as plantas
Ela falava com toda a confiança
Ela parecia enluarada
Mas as plantas nunca lhe disseram nada
E ninguém conseguia explicar
O que ela queria dizer
Se é que ela dizia alguma coisa
Que as plantas conseguissem entender...
Um dia eu perguntei as plantas
Se e a gente incomodava indo ali no jardim
Mas pelo que deu para perceber
As plantas só fizeram rir de mim
Só fizeram rir de mim
As plantas só fizeram rir de mim
Só fizeram rir de mim
As plantas só fizeram rir de mim
Ela conversava com o gato
Que nunca falou mal de nenhum rato
Que sempre a ouviu com paciência
Durante toda aquela convivência
Ele também nunca comentou nada
Ele sumia quase toda a madrugada
E um dia eu perguntei a ele
Se a gente não atrapalhava a vida dele
Ele me disse que eu não era nada dele!
E que nem ela era da família dele...
Ele me disse que eu não era nada dele!
E que nem ela era da família dele...

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

O Veneno da Natureza...

Nem toda fruta que se come tem sabor
Nem toda flor que se cheira tem odor
Nem toda fruta que se come tem semente
Nem toda flor que se cheira a gente sente
Nem toda fruta que se come é madura
Nem toda planta que se cheira é da pura
Nem toda a planta que se planta tem raiz
E nem tudo aquilo que se fala a gente diz
Nem toda casca diz quem é o alimento
Nem toda terra que se pisa é firmamento
Nem todo alimento tá próprio pra consumo
Nem toda bosta de vaca é pra insumo
Nem todo o interior tem o ar puro
Nem todo fruto que está verde está duro
Nem todo animal está pronto pro abate
E nem toda erva que se planta é erva mate
Nem tudo na natureza é uma beleza
Eu conheço o veneno da natureza
Nem todo o solo fértil é arado
Nem todo bife do bom é bem passado
Nem toda vaca louca é para o matadouro
Nem toda serra pelada vale ouro
Nem toda terra boa é adubada
Nem toda cratera saliente é apertada
Nem todo boi que eu conheço usa chifre
E nem todo gado de esquife é bom pra bife
Nem toda praia está imprópria para banho
Nem toda erva maldita leva cânhamo
Nem todo pica pau é amarelo
Nem todo chá de boldo é chá de cogumelo
Nem toda planta que se planta é pra queimar
Nem toda natureza é pra se preservar
Nem todo animal está em extinção
E nem todo veneno é pra incineração
Nem tudo na natureza é uma beleza
Eu conheço o veneno da natureza

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

A Cidade...

A cidade segue o seu rumo secreto
Existe algo que não funciona nem por um decreto
A cidade segue o seu ritmo diurno
A cidade segue o seu ritmo noturno
Eu não sei quem acelera de verdade.
Se é ela ou se sou eu.
Tem fiança quem atropela
E morte! Quem morreu?
A cidade se une em prol da sua crença
Desmorona em sua desavença
Na cidade tem quem manda
E quem é mandado
A cidade tem vítima
Não tem culpado
A cidade tem multa
A cidade tem tarifa
A cidade tem pedágio
A cidade tem rifa
A cidade tem ladeira
Cidade é marginal
Cidade tem velocidade
Cidade tem perimetral
A cidade tem defeito
A cidade tem excesso
Na cidade há quem veja
E quem não chegue perto!

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Três Minutos Naquela Rua...

esse preto que tá em pé tá com uma touca bordada. verde, amarela e vermelha. ele deve ter uns cinquenta anos ou mais. tá grisalho, mas parece o rosto de um menino no corpo de um homem. ele diz pro outro. mosquito maldito! o governo esconde os números... olha quantas mulheres grávidas... o outro sentado no meio fio pergunta... será que vamos ser dizimados? os outros não respondem. ignoram o seu comentário. passa uma menina branca magrinha de cabelo pintado de azul com uma camisa do Ramones. do outro lado da rua tem um bar, e dentro do bar três malucos. eles dançam ouvindo Vida Loka Parte Dois na máquina de música. eles dançam, e fazem cara feia olhando em direção ao outro lado da rua onde estão os outros três malucos. eles dançam como se tivessem fazendo uma apresentação para eles... Mas os malucos parecem impassíveis. eles estão com os olhos vermelhos de tanto pegar sol. sobe uma fumaça da churrasqueira. eles ficam encobertos pela fumaça que sobe da churrasqueira. esse cara mais velho tá com os dois dedos frente à boca. como se segurasse uma caneta. mas, não há nada ali... ele só está prendendo o ar. com as mãos. passam duas meninas conversando. uma delas pergunta: você já foi assaltada? ela vai dizer que não. acho que por causa da minha cor... o outro pergunta. vocês vieram de trem? Infelizmente... ele responde. viemos esmagados num vagão da SuperVia. porque não vieram de ônibus? você só tem essas duas opções? ele responde com outra pergunta. passa um moleque olhando para o chão. o cara que tá sentado no meio-fio pergunta. hei, moleque! tá procurando o quê? o moleque não responde. o outro diz. ele deve ter perdido alguma coisa. passa um cara correndo. o cara que está no meio fio grita. se eu pudesse gritar eu gritava. mamães: não deixem seus filhos na rua! o mais velho diz. qual é maluco tá ficando doido! quando explodem as sirenes... de bombeiro. e todo mundo que está na rua corre. para ver o quê é.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

A Rua...

De dentro do boteco vem o som da maquininha
Sentado no caixote, esperando uma quentinha
Um de cadeira de roda, outro de muleta.
Sentado no alambrado ou encostado na mureta
Mosquito no nariz derramado de plantão
Tem quem passe a vida toda procurando algo no chão
Mal tempo, clima tenso, rotina, levanta a blusa!
Tem velho, tem menina, porque todo mundo usa!
Ficha na maquininha, pilha no radinho.
Faz fila, abre a visão, não atrapalha o caminho.
Vagando ou andando sob o efeito zumbi
Deita-se não descansa quando cai é pra dormir
Sente o aroma da de galo vem guiado pelo cheiro
Mete a boca no gargalo desce o ralo do banheiro
Correndo e se debatendo com um tica nervoso
Tremendo se mordendo tipo um cão raivoso
Onde se vê mendigo ou cachorro faminto
Não há dama de honra cavalheiro distinto
O quê você vê na tevê ou então na internet
É o quê ali se vê e nunca se esquece
Faz rolo barganha, ganha qualquer dinheiro.
Na barraquinha tem bala, copinho d´água e isqueiro.
Na rua da vala, da linha ou do valão.
Na rua do campinho, da escadinha, ou do lixão.
Alguns são mortos e outros vivem encarcerados
Existem os que desistem e os que vivem mutilados
Seus complexos, neuroses, suas depressões.
Sujeito a divagações que apavoram os corações
Esperando o fim da guerra, dentro do mundo moderno.
Nesse cantinho da Terra, Rio de Janeiro, um inferno!
Naquela rua têm uns tipo psicótico
Naquela rua tem uns tipo neurótico (paranoico)
Naquela rua tem uns tipo eufórico
É lógico! É lógico!
De onde você é? Quem é você? Onde você mora?
O quê faz aqui? Passeando a essa hora?
Não vem mandado, ninguém passa batido.
Pra chegar ao farmacêutico tem que ter olho clínico
De dia o tempo fecha a noite brilha feito sol
Medida de segurança, por favor, pisca o farol.
Onde não tem ONG, nem igreja, nem estado.
Onde a vala é negra e os impostos são cobrados
Onde não tem padre, pai de santo, ou pastor.
Ansiolítico vicia na neblina do vapor
O círculo vicioso se ainda está vivo
Se dirige a farmácia toma um antidepressivo
Tem tido ansiedade sudorese uma dose
Joga na celulose não morrer de overdose
Na hora do recreio no intervalo da escola
Em busca de uma dola dentro daquela sacola
Na hora do almoço com uniforme do trabalho
Maltrapilho, esmolando, parecendo um espantalho
Na rua do sofrimento, ou na rua da amargura.
Dá soco, leva chute, toma tiro, leva dura.
Referendo, votação, maioridade penal.
Injeção letal, para a pena capital.
Sem a instituição da reabilitação
Masmorra, calabouço, cadeia ou prisão.
O quê não há em casa procura em outro lugar
Um beco sem saída para se chamar de lar
Cuide de você mesmo, não conte com o governo.
Se for bala perdida vai ter flor no teu enterro
A previsão é de mal tempo e de muito sofrimento
A esperança floresce, mas carece de exemplo.
Naquela rua têm uns tipo psicótico
Naquela rua tem uns tipo neurótico (paranoico)
Naquela rua tem uns tipo eufórico
É lógico! É lógico!

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Eu, Christiane F, e David Bowie...

tudo começou com Christiane. pois havia em sua casa dois álbuns do Bowie. o mesmo álbum. que nós ficamos ouvindo a tarde inteira enquanto elas se arrumavam. antes de irmos a Sound. isso foi antes de Christiane conhecer Detlef. eu deixava o disco rolar. e sempre que a agulha chegava ao final do disco. eu me encaminhava até o aparelho. pegava a agulha. e a levava ao início do disco. eu não queria que aquele disco parasse. Babsi veio até a porta e me mostrou a blusa, ela perguntou, gostou? balancei a cabeça dizendo que sim. ela disse na direção do quarto. Christiane, acho que ele gostou mais do Bowie! Christiane, gritou de volta. num te disse que todo mundo gosta, Babsi! eu disse a Babsi. igual dizem os críticos de jornal. ele possui uma sonoridade própria. ela entortou a boca como as mulheres fazem quando nós fazemos um comentário irrelevante. e voltou para o quarto. continuei sacudindo o pé esquerdo. em cima do joelho direito. nós fumamos um. e ficamos chapados ouvindo música. eu pensava naquele cara viciado em heroína que havia vendido sua coleção do Bowie. e sentia pena dele não poder mais ouvir o David Bowie.