ontem eu me lembrei de você meu amigo Henry. de quando você descia a rua gingando e sempre trazia uma carta na manga. você se virava e me dizia, hei, man! está com sede? eu dizia. estou. você me perguntava. quer tomar Coca-Cola? eu olhava para a cantina da escola, e dizia. mas eu não tenho dinheiro. e você me dizia, eu perguntei se queria beber Coca-Cola. não perguntei se tinha dinheiro. você via alguém sentado no pátio com a Coca as suas costas. alguém cujo pai devia dar mesada, e daqui a pouco você aparecia com uma Coca-Cola. e matava a nossa sede. e a gente dizia, amo muito tudo isso! eu me lembro quando você se deitava no chão se fingindo de morto. enquanto eu e os moleques da rua acendíamos uma vela ao lado do seu corpo. e te cobríamos com jornal. você com os pés para fora do jornal... a gente adorava quando vinha uma daquelas senhoras, olhava e dizia, coitado, que pena dessa mãe! elas acreditavam que era apenas mais um daquela época que havia sido morto. e a gente caia na gargalhada. eu me lembro que quando a aula estava chata, você entrava na secretaria para roubar as carteirinhas, enquanto eu sempre o mais medroso e o mais covarde, apenas vigiava. você pegava de volta, a minha carteirinha e as sua já com a presença carimbada em azul. e a gente caia fora. ou pela porta da frente. ou pulando o muro. e estávamos livres! livres! eu me lembro de quando não havia dinheiro para comprar fichas de fliperama, e você dava um jeito. para tudo que fosse verdadeiramente importante você dava um jeito. eu me lembro de você travando as bolas do totó. ou virando a mesa para que a ficha caísse. ou pegando um pedaço de arame. para tudo você tinha uma solução. até quando aquele cara mais forte que todos nós resolveu nos bater... e você veio com aquela. eu me lembrei de você meu amigo Henry! e me lembrei de como nós éramos inteligentes naquela época, criativos, espontâneos. quando a mentirinha chamada sociedade não conseguia nos ludibriar com a sua aparência sã. mas você sumiu no mundo... e a gente acaba "crescendo", e ganhando essa aparência de "saudável". de sensato. e temos de sufocar tudo aquilo que cala fundo em nosso coração. pois os clichês quase sempre são verdadeiros e temos de fingir que não acreditamos mais em nada daquilo. e que tudo que pensávamos era coisa de gente inocente. como se toda aquela rebeldia utópica não fosse verdadeira. aí nós temos que fingir, que acreditamos em toda essa mentira. em todo esse circo que os homens criaram. para que a gente possa se parecer com os idiotas.
segunda-feira, 14 de setembro de 2015
sexta-feira, 11 de setembro de 2015
Qual é a Contrapartida do Artista?
o seu trabalho.
o que o artista faz para contribuir com a sociedade?
o seu trabalho.
assim como,
o médico, o professor, o gari...
segunda-feira, 7 de setembro de 2015
O Pai da Menina do Vídeo que Vazou na Internet...
a menina está deitada na cama. ela acabou de descobrir que o seu corpo está exposto por toda a internet. todo mundo acordou podendo ver seu corpo na rede mundial de computadores. em cada parte do globo que existisse um mínimo equipamento que se conectasse a internet poderiam ver seu copo. ele agora era de domínio público. a intimidade que ela tanto tentara preservar, até a sua noite de núpcias com o namorado. como ele, dizia. estava em toda a rede mundial de computadores. ela queria ser descolada como uma daquelas mulheres que exibiam os seus corpos em revista sem o menor constrangimento, talvez não fossem ligar para nada daquilo. ela não era uma mulher posando ganhando milhões para tirar a roupa. não. ela havia tirado a roupa para o namorado. e não ia depois de aquilo dar entrevista, ou subir para a cobertura de um prédio. ela teria de encarar as pessoas no dia a dia. na escola. na rua. os vizinhos. o ataque havia começado. quando ela abriu o seu Facebook, já havia mensagens sobre o seu peitinho. Suzana só tinha uma certeza. ela iria dar um jeito de se matar o mais rápido possível. agora ela não entendia porque o pai viera até ali. porque ele não a deixava sozinha. ela estava com a cabeça embaixo do travesseiro de tanta vergonha que sentia. o pai sentou a cama, e ela sabia que ele iria contemporizar. e tentar dizer alguma coisa que desestimulasse uma atitude mais drástica. Jorge sabia que era jogo perdido tentar chamar atenção da filha. o pior de tudo já havia acontecido. quando ele se dirigiu a ela, e disse, Suzana, ela disse, eu tenho vergonha de você. a voz de Suzana parecia saída de um túmulo. de um buraco muito escuro. Jorge disse, pior do que isso, eu fiz abandonando você ainda criança. Jorge continuou. sabe Suzana, o quê você fez, está feito. e você vai sofrer as consequências do quê fez. agora, eu te pergunto. quem nesse mundo todo, de bilhões de pessoas, que vai assistir a esse vídeo ou a essa foto. quem deles se preocupa verdadeiramente com você. quem deles já te perguntou algum dia, como você estava se sentindo, ou te ofereceu alguma coisa. ou mudou de opinião por algo que você disse ou pensou. você é apenas uma Suzana. existem milhões de Suzana. você vai se matar, por isso? mas e as pessoas da escola da minha família. o pai disse, filha. a gente se muda. faz o que for. mas a vida irá continuar. e a partir de agora esse vídeo faz parte da sua história. não para te lembrar que cometeu um erro. mas sim, que a vida continua. pois ela sempre continua, independente de você.
sábado, 29 de agosto de 2015
Sherazade...
a senhora diz detrás do balcão. vai começar a minha novela, a Sherazade! para de ficar para lá e para cá com esse controle! o velho com o controle na mão diz a Dilma. você foi trabalhar de bicicleta, Dilma? um cliente está encostado num balcão com uma cerveja esquentando a sua frente. num daqueles botecos debaixo do viaduto. o velho continua, ela engarrafou tudo. ela foi de bicicleta. mas levou carros com ela. e ainda atraiu a atenção dos curiosos. o cliente sorri. o velho continua. não vai de Bike, Dilma! não tem ciclovia! alguns presidentes vão trabalhar de metrô porque em seus respectivos países dá pra fazer isso. coitada da Dilma que tem que pedalar num canteiro. cuidado Dilma, para que não apareça o filho do Eike Batista derrapando, e te jogando longe! ou o filho do Pitanguy subindo na calçada de repente numa numa rua tranquila. ou o filho de alguém que nunca vai ser preso porque tem dinheiro. e cuidado para que os ladrões de bicicleta não roubem a sua bike. cuidado com as facadas por todo o país. seja por nosso machismo. ou por nossa agressividade. que não é associada a imagem melíflua que o nosso turismo sexual criou. quem não vai sorrir com uma gorjeta em dólar, ou em euro, Dilma? mesmo depois de ter devorado uma de nossas criancinhas. ou uma de nossas lindas "meninas", e nossos lindos "meninos". o cliente diz para descontrair. mas esse Pitanguy é velho! acho que ele vai substituir o Niemeyer! a mulher diz. a Dilma emagreceu. ah, ele emagreceu sim... emagreceu, e muito! agora se foi por stresse. ou para se manter a forma... é o preço do poder! começa a Sherazade. e todos olham vidrados para a tevê.
Prometeu Acorrentado...
O menino dorme sozinho num dos quartos do segundo andar da casa grande, e branca. dorme é uma forma de dizer. pois aquela noite será tão longa quanto as outras. O menino teme o mico que se encontra preso a árvore. ele ouve o guinchar ensurdecedor do mico durante o dia. o medo agora é a enorme aranha na parede. ou melhor, a sombra enorme da aranha. de manhã, com a chegada da luz do dia. o medo se desvanece.
sábado, 22 de agosto de 2015
A Fita Do Noel...
o maluco do trabalho que havia me emprestado a fita do Cartola, também me emprestou uma fita do Noel. eu pus os pés no ônibus. paguei a passagem. dei boa noite ao cobrador. fiquei no último assento alto. na janela. o maluco que era para me cobrir havia faltado. então tive de ficar até tarde no trabalho. sem ganhar hora extra. puxei o walkman. dei o play. não acreditava que estava ouvindo aquelas raridades na voz do próprio. não havia internet aquela época. subiram dois malucos pela frente. com isopor. como se fossem vender alguma coisa. o quê estava com o isopor puxou um trinta e oito enferrujado lá de dentro. eu ia tirando sorrateiramente a fita. quando ele disse, passa essa porra pra cá! eu ia dizer, amigo... ele fez a aquela cara de filme americano. e disse. eu estouro seus miolos! joguei a fita dentro do isopor. o walkman era emprestado. também.
A Fita do Cartola...
um maluco do trabalho havia me emprestado a fita do Cartola. um maluco que tocava bandolim. branco, e de óculos. infelizmente não lembro o nome dele. alvoraçado eu abri a porta. joguei a mochila no sofá. a minha mãe estava na cozinha. dei um beijo em seu rosto. ela perguntou, vai onde? terraço! subi às pressas a escadinha de ferro em forma de caracol. tateei o interruptor no escuro. na luz, achei a tomada. abri o compartimento da toca fitas. joguei a fita. e quando explodiu a introdução da primeira música, O Mundo É Um Moinho. as lágrimas escorreram com a mesma velocidade com que cheguei. chorei copiosamente. não chorava por nenhum motivo especial. não era por causa da humanidade, que se mantinha firme em seu propósito lento, e gradual de autodestruição. não chorava por nenhum motivo em particular. e sim, porque havia músicas como aquela... ou a dança dos pássaros no céu. de manhã. olhando a janela. durante o primeiro café. sempre conto a mesma história. pois mesmo em silêncio... aquela introdução me vem à cabeça.
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