domingo, 7 de outubro de 2012

Dia de Eleição no Subúrbio

Dia de rever os amigos de infância. Pois eles sempre voltam para almoçar em família na casa da mãe que continua morando na mesma casinha que irá morar pelos próximos cem anos se deus quiser. Dia de saber que o cara mais inteligente da turma não ficou rico. E que aquela menina pela qual você era apaixonado acabou se casando com aquele mané, e que hoje ela está gorda e que traz três filhos na bagagem. Bem feito pra ela. Dia de ouvir na fila para votar que todos os políticos são safados. Dia de pensar em quem vota nesses políticos safados. Dia de no final da tarde olhar aqueles carros lotados voltando para outros bairros distantes, e de entrar no ônibus cheio de crianças e bolsas. Mas ninguém deve ligar muito para saber quem foi eleito. 

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

De Saia Curta e Salto Alto

Ela chegou à festa com aquela saia que mesmo para os padrões dos tempos em que as mulheres são essenciais para a política central do ocidente, num tempo em que o que é bonito é para ser mostrado, num tempo em que posar nua é sinônimo de trabalho, e de eu sou independente, mas você paga a conta. A saia era um escândalo. A tia chegou abafando e logo pegou no colo o menino ainda em trajes de pagão. Alguns homens engoliram em seco como de costume. E disseram em pensamento: gostosa! Num tom que dava a entender que isso era uma ofensa. E as mulheres, despeitadas ou não, diziam: que saia! Algumas olhavam mais com admiração do que inveja. Daquele mesmo jeito que alguns homens olham. A tia pegou o aniversariante no colo e fez todas as firulas possíveis para que todos vissem o seu útero. Agachou, pulou, e sentou de perna aberta. Falou praticamente com todos os homens acompanhados da festinha de um ano. Com aqueles com quem tinha, e que não tinha intimidade. Alguns ficaram até com medo de se levantar da mesa, para não sofrer um achaque íntimo. Naquele dia metade dos casais que foram à festa dormiram brigados. A outra metade comentou o acontecimento. O aniversariante dormiu no colo da tia entre dois belos melões. A tia dormiu feliz da vida em sua cama de solteira. E lá vêm as festas de final de ano. Boa sorte a todos!

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Avenida Brasil

Aeroporto. Tiro. Carro na contramão. Falsa blitz. Pedra arremessada de cima da passarela. Engarrafamento. Tiroteio. Xingamento. Foda-se. Vai tomar no cu todo mundo. Calor pra caralho. Mendigo andarilho. Criança abandonada vendendo bala no ônibus. Ônibus lotado. Duas horas parado. Pardal. Atraso. Garrafa de plástico arremessada pela janela. Alagamento. Intransitável. Bandalha. Mixórdia. Pedinte. Vendedor ambulante. Pregação. Isopor com cerveja. Boca perto da pista. Maconha palha. Propina. Motel pra trepada com colega de trabalho na hora do almoço. Travesti se prostituindo em ruazinha transversal. Propagandas. Forró. Falsas propagandas. Palavras de ordem. Utopia. Hospital público lotado. Escola de nível médio para trabalhadores que sonham. Pedofilia. Necrofilia. Turismo sexual. Cachorro vira-lata com o pelo caindo. Idoso. Deprimente. ONG corrupta. Barracos amontoados. Pichação. Falta de privacidade. Lixo cobrindo bueiro. Arrancada. Atropelamento. Estresse patético. McDonald`s. Habib`s. RJ TV. Wagner Montes. Frentistas com celulite. Batidas. Ausência de riqueza. Ausência de beleza. Pobreza sistemática. Corrupção impregnada. Omissão. Atitude duvidosa. Falta de amor próprio. Ilusão constante. Otimismo arcaico. Pessimismo. Artista mimado. Carro tocando pagode com ar condicionado. Gênio incompreendido. Lixão cenográfico. E não aparece um tufão pra acabar com isso tudo.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

12h25min

Ele não ouve mais a professora. Já guardou o material. Olha o relógio. 12h20min. O sinal toca. É o primeiro a sair. Corre. Ignora os gritos de pera aí! Atravessa o portão. Passa por um carro de polícia. Correndo. Sem medo. Hoje Não. Tô com pressa. Quase pisa na mercadoria de um vendedor ambulante. Atravessa com o sinal aberto. Quase é vítima de atropelamento em frente ao shopping. Buzinas. Mais buzinas. Não ajuda uma velhinha atravessar a rua. Quase derruba uma velhinha na saída do supermercado. Corre. E corre de novo. Passa por seu avô jogando baralho na praça. Não dá a mínima. Corre. A menina vem com duas amigas conversando tranquilamente. Descendo a ladeira. Ele está ofegante. Ela diz: deu tempo? Ele diz: sim. Um filete de suor escorre das suas têmporas. Ela dá um beijinho seco nos lábios. Ele segue em silêncio ouvindo a conversa das amigas. Ela pergunta: tudo bem? Ele diz: sim. Ela sente a mão dele suada. Ele olha o relógio da praça. 12h25min.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Vila Mimosa

Cheiro de cerveja envelhecida. Odor ocre. Perfume da Avon. Vinho barato. Cigarro mata rato. Quartinho apertado. Maquininha de música. Funk proibido. Forró de teclado. Som alto. Tatuagem de cadeia. Fininho de cadeia. Pó. Talagada. Olhos vermelhos. Pernas bambas. Polícia. Bandido. Milícia. Taxista. Dinheiro no sutiã. Em nome do pai do filho e do espírito santo feito com o pagamento. Cabelo pintado de louro com tinta vagabunda. Balangandãs. Badulaques. Balacobaco. Imagem de São Jorge. Ogum. Camisinha no cestinho de lixo. Creme de farmácia. Higiene. Falta de higiene. Competição. Sinuca. Fliperama antigo. Camelô vendendo bala halls. Bijuterias. Se lava ali na pia. Tem uma toalhinha aqui. Agentes de saúde distribuindo preservativos. Evangélicos apontando o caminho. Guia de macumba. Menores. Maiores. Virgens. Broxas. Aposentados. Peões. Dia de pagamento. Angu. Vaca atolada. Churrasquinho de gato. Playboys entediados. Intelectuais em busca do povo. Arruaceiro arrastado para a rua mais próxima para levar uma coça. Sexo. Foda. Programa. Trepada. Amor, vamos fazer um amorzinho gostoso? Esculachos. Briga. Pagou ou não pagou? Gozou rápido! Demorou a gozar... Halitose. Cabelo cheiroso. Pau ensebado. Felação. Gritos artificias. Me fode! Tentativa de strip-tease. Homem cheiroso. Homem carinhoso. Homem estúpido. Peito caído. Bunda durinha. Coxa marcada. Celulite. Rosto encarquilhado. Rostinho de boneca. Bunda grande. Bunda pequena. Peito grande. Peito pequeno. Só não uso camisinha com o meu marido! Declarações de amor. Casamento. Chupar o pau dos outros por tabela. Com beijo na boca é mais caro. Sem beijo na boca, então. Só beijo o meu marido na boca! Anal é mais caro. Dói. O teu pau é muito grande. Ai. Ui. Coloca devagar. Vou trocar de posição. Mal humor. Bom humor. Alegria histérica. Chão sujo. Perdeu a linha. Sono. Ressaca. Esquinas da Rua Ceará. Cearenses. Mineiros. Cariocas. Enfim, Brasil.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Dezesseis Anos e Um Mês

Ela só tem dezesseis anos. E tem um filho com um mês. A sala está cheia. O neném não vai com a cara de nenhum dos presentes. A mãe põe ele no colo de um tio alto, e de óculos, e diz: vai com o tio. Ele segura o menino por alguns segundos. O neném tem dificuldades para fazer virar a cabeça. Mas ele faz isso. Parece que perdeu alguma coisa. Olha desolado para as paredes brancas da sala. E de repente dá um grito. Faz um barulho parecido com um ai. O tio balança o neném. Ele dá outro grito. Ouve a voz da mãe perguntando o que foi, e percorre todo o caminho com os olhos até chegar a ela. O tio diz: acho que ele quer ir no teu colo. E devolve o embrulho para a mãe que diz: as vezes ele estranha... O tio diz: ele não gosta de ficar no alto? Você vai ficar sentada com ele? E a mãe: sim. Ela continua. Mas eu não fico em pé com ele, não! E agora o neném está em silêncio e com os olhos arregalados. Ele não fica em pé com o tio. Mas fica sentado com a mãe. Ele é apenas um cotoco de gente, mas como toda gente já sabe o que quer. E o tio pensa que esta é a sua maneira de dizer. Não é a mamãe!