Ela chegou à festa com aquela saia que mesmo para os padrões dos tempos em que as mulheres são essenciais para a política central do ocidente, num tempo em que o que é bonito é para ser mostrado, num tempo em que posar nua é sinônimo de trabalho, e de eu sou independente, mas você paga a conta. A saia era um escândalo. A tia chegou abafando e logo pegou no colo o menino ainda em trajes de pagão. Alguns homens engoliram em seco como de costume. E disseram em pensamento: gostosa! Num tom que dava a entender que isso era uma ofensa. E as mulheres, despeitadas ou não, diziam: que saia! Algumas olhavam mais com admiração do que inveja. Daquele mesmo jeito que alguns homens olham. A tia pegou o aniversariante no colo e fez todas as firulas possíveis para que todos vissem o seu útero. Agachou, pulou, e sentou de perna aberta. Falou praticamente com todos os homens acompanhados da festinha de um ano. Com aqueles com quem tinha, e que não tinha intimidade. Alguns ficaram até com medo de se levantar da mesa, para não sofrer um achaque íntimo. Naquele dia metade dos casais que foram à festa dormiram brigados. A outra metade comentou o acontecimento. O aniversariante dormiu no colo da tia entre dois belos melões. A tia dormiu feliz da vida em sua cama de solteira. E lá vêm as festas de final de ano. Boa sorte a todos!
sexta-feira, 5 de outubro de 2012
quarta-feira, 3 de outubro de 2012
Avenida Brasil
Aeroporto. Tiro. Carro na contramão. Falsa blitz. Pedra arremessada de cima da passarela. Engarrafamento. Tiroteio. Xingamento. Foda-se. Vai tomar no cu todo mundo. Calor pra caralho. Mendigo andarilho. Criança abandonada vendendo bala no ônibus. Ônibus lotado. Duas horas parado. Pardal. Atraso. Garrafa de plástico arremessada pela janela. Alagamento. Intransitável. Bandalha. Mixórdia. Pedinte. Vendedor ambulante. Pregação. Isopor com cerveja. Boca perto da pista. Maconha palha. Propina. Motel pra trepada com colega de trabalho na hora do almoço. Travesti se prostituindo em ruazinha transversal. Propagandas. Forró. Falsas propagandas. Palavras de ordem. Utopia. Hospital público lotado. Escola de nível médio para trabalhadores que sonham. Pedofilia. Necrofilia. Turismo sexual. Cachorro vira-lata com o pelo caindo. Idoso. Deprimente. ONG corrupta. Barracos amontoados. Pichação. Falta de privacidade. Lixo cobrindo bueiro. Arrancada. Atropelamento. Estresse patético. McDonald`s. Habib`s. RJ TV. Wagner Montes. Frentistas com celulite. Batidas. Ausência de riqueza. Ausência de beleza. Pobreza sistemática. Corrupção impregnada. Omissão. Atitude duvidosa. Falta de amor próprio. Ilusão constante. Otimismo arcaico. Pessimismo. Artista mimado. Carro tocando pagode com ar condicionado. Gênio incompreendido. Lixão cenográfico. E não aparece um tufão pra acabar com isso tudo.
quarta-feira, 26 de setembro de 2012
12h25min
Ele não ouve mais a professora. Já guardou o material. Olha o relógio. 12h20min. O sinal toca. É o primeiro a sair. Corre. Ignora os gritos de pera aí! Atravessa o portão. Passa por um carro de polícia. Correndo. Sem medo. Hoje Não. Tô com pressa. Quase pisa na mercadoria de um vendedor ambulante. Atravessa com o sinal aberto. Quase é vítima de atropelamento em frente ao shopping. Buzinas. Mais buzinas. Não ajuda uma velhinha atravessar a rua. Quase derruba uma velhinha na saída do supermercado. Corre. E corre de novo. Passa por seu avô jogando baralho na praça. Não dá a mínima. Corre. A menina vem com duas amigas conversando tranquilamente. Descendo a ladeira. Ele está ofegante. Ela diz: deu tempo? Ele diz: sim. Um filete de suor escorre das suas têmporas. Ela dá um beijinho seco nos lábios. Ele segue em silêncio ouvindo a conversa das amigas. Ela pergunta: tudo bem? Ele diz: sim. Ela sente a mão dele suada. Ele olha o relógio da praça. 12h25min.
domingo, 23 de setembro de 2012
A UPA Da Penha Não Funciona...
A UPA da Penha não funciona.
quarta-feira, 19 de setembro de 2012
Vila Mimosa
Cheiro de
cerveja envelhecida. Odor ocre. Perfume da Avon. Vinho barato. Cigarro mata
rato. Quartinho apertado. Maquininha de música. Funk proibido. Forró de
teclado. Som alto. Tatuagem de cadeia. Fininho de cadeia. Pó. Talagada. Olhos
vermelhos. Pernas bambas. Polícia. Bandido. Milícia. Taxista. Dinheiro no
sutiã. Em nome do pai do filho e do espírito santo feito com o pagamento.
Cabelo pintado de louro com tinta vagabunda. Balangandãs. Badulaques.
Balacobaco. Imagem de São Jorge. Ogum. Camisinha no cestinho de lixo. Creme de
farmácia. Higiene. Falta de higiene. Competição. Sinuca. Fliperama antigo.
Camelô vendendo bala halls. Bijuterias. Se lava ali na pia. Tem uma toalhinha
aqui. Agentes de saúde distribuindo preservativos. Evangélicos apontando o
caminho. Guia de macumba. Menores. Maiores. Virgens. Broxas. Aposentados.
Peões. Dia de pagamento. Angu. Vaca atolada. Churrasquinho de gato. Playboys
entediados. Intelectuais em busca do povo. Arruaceiro arrastado para a rua mais
próxima para levar uma coça. Sexo. Foda. Programa. Trepada. Amor, vamos fazer
um amorzinho gostoso? Esculachos. Briga. Pagou ou não pagou? Gozou rápido!
Demorou a gozar... Halitose. Cabelo cheiroso. Pau ensebado. Felação. Gritos
artificias. Me fode! Tentativa de strip-tease. Homem cheiroso. Homem carinhoso.
Homem estúpido. Peito caído. Bunda durinha. Coxa marcada. Celulite. Rosto
encarquilhado. Rostinho de boneca. Bunda grande. Bunda pequena. Peito grande.
Peito pequeno. Só não uso camisinha com o meu marido! Declarações de amor.
Casamento. Chupar o pau dos outros por tabela. Com beijo na boca é mais caro.
Sem beijo na boca, então. Só beijo o meu marido na boca! Anal é mais caro. Dói.
O teu pau é muito grande. Ai. Ui. Coloca devagar. Vou trocar de posição. Mal
humor. Bom humor. Alegria histérica. Chão sujo. Perdeu a linha. Sono. Ressaca.
Esquinas da Rua Ceará. Cearenses. Mineiros. Cariocas. Enfim, Brasil.
sexta-feira, 14 de setembro de 2012
Dezesseis Anos e Um Mês
Ela só tem dezesseis anos. E tem um filho com um mês. A sala está cheia. O neném não vai com a cara de nenhum dos presentes. A mãe põe ele no colo de um tio alto, e de óculos, e diz: vai com o tio. Ele segura o menino por alguns segundos. O neném tem dificuldades para fazer virar a cabeça. Mas ele faz isso. Parece que perdeu alguma coisa. Olha desolado para as paredes brancas da sala. E de repente dá um grito. Faz um barulho parecido com um ai. O tio balança o neném. Ele dá outro grito. Ouve a voz da mãe perguntando o que foi, e percorre todo o caminho com os olhos até chegar a ela. O tio diz: acho que ele quer ir no teu colo. E devolve o embrulho para a mãe que diz: as vezes ele estranha... O tio diz: ele não gosta de ficar no alto? Você vai ficar sentada com ele? E a mãe: sim. Ela continua. Mas eu não fico em pé com ele, não! E agora o neném está em silêncio e com os olhos arregalados. Ele não fica em pé com o tio. Mas fica sentado com a mãe. Ele é apenas um cotoco de gente, mas como toda gente já sabe o que quer. E o tio pensa que esta é a sua maneira de dizer. Não é a mamãe!
quinta-feira, 13 de setembro de 2012
Netfobia
Estou com medo que o meu computador seja invadido e as minhas ideias plagiadas. Estou com medo de não ter mais direito a um segredo. De não ter mais direito a uma intimidade. Tenho medo que você esteja me filmando agora, neste momento. Tenho medo que você saiba onde eu estou e tenha todos os meus dados. Tenho medo de ser filmado nu, ou no próprio ato sexual, ou até quem sabe tocando uma, como se não tivesse mais direito a fantasia, e as paredes a partir de agora tivessem realmente ouvidos, e ouvissem até a minha respiração. Tenho medo que me filmem dando uma cagada em um local proibido. Ou de ser preso antes de aliviar a bexiga. Ou de ser filmado tirando uma meleca do nariz, e passando na sola no tênis, e isso virar um hit no YouTube. Quem não deve não teme. Mas eu devo muito. Não quero viver em rede, embora eu já me veja enrolado nela igual um caranguejo, lutando para me desvencilhar. Não quero ser um número, como previu o apocalipse, neste mundo de dígitos e bits. Não quero ter um milhão de amigos virtuais. Não quero ser gravado dando uma opinião que não daria publicamente para não magoar as pessoas. Como se a preservação, o cinismo, a fofoca, ou a hipocrisia não fossem inerentes ao ser humano. Tenho medo de me tornar um viral sem conteúdo. Tenho medo que as minhas músicas sejam jogadas no meio de um milhão de outras músicas que são escutadas em aparelhos pequeninos para se ouvir durante alguns dias. Tenho medo que as minhas músicas sejam ouvidas fora do contexto. Tenho medo de que os meus textos se tornam mais textos empilhados na internet. Tenho medo de não ter mais tempo para a leitura de livros de outro tempo. Tenho medo de não poder ouvir mais os discos. Tenho medo de não ter tempo para admirar um quadro, ou de não ter tempo para o ócio e a divagação. Tenho medo de deixar de ser eu, e fazer parte de um grupo e ficar repetindo as coisas que os outros dizem. Tenho medo de circular por aí em remixado. E que mais do que ganhar dinheiro com isso, eu não tenha direito a autoria. Como eu já vi imagens que captei na televisão e só pude dizer: fui eu que fiz isso! Como já ouvi versões de coisas minhas. Tenho medo, e sei que tudo isso está acontecendo, e que não vai parar de acontecer. Como se a gente não tivesse direito de optar, ir ou não ir à praia de nudismo. Só que dessa vez o que será despido, serão os nossos espíritos. Eu tenho medo de mais do que perder a minha essência no meio desse bolo doido, é de não me reconhecer como tal. Como quem eu sou! A privacidade está com os dias contados e eu não vou saber lidar com isso. Talvez eu fuja para uma ilha. Fique barbudo. E invente uma nova doença. Netfobia.
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