quarta-feira, 26 de setembro de 2012

12h25min

Ele não ouve mais a professora. Já guardou o material. Olha o relógio. 12h20min. O sinal toca. É o primeiro a sair. Corre. Ignora os gritos de pera aí! Atravessa o portão. Passa por um carro de polícia. Correndo. Sem medo. Hoje Não. Tô com pressa. Quase pisa na mercadoria de um vendedor ambulante. Atravessa com o sinal aberto. Quase é vítima de atropelamento em frente ao shopping. Buzinas. Mais buzinas. Não ajuda uma velhinha atravessar a rua. Quase derruba uma velhinha na saída do supermercado. Corre. E corre de novo. Passa por seu avô jogando baralho na praça. Não dá a mínima. Corre. A menina vem com duas amigas conversando tranquilamente. Descendo a ladeira. Ele está ofegante. Ela diz: deu tempo? Ele diz: sim. Um filete de suor escorre das suas têmporas. Ela dá um beijinho seco nos lábios. Ele segue em silêncio ouvindo a conversa das amigas. Ela pergunta: tudo bem? Ele diz: sim. Ela sente a mão dele suada. Ele olha o relógio da praça. 12h25min.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Vila Mimosa

Cheiro de cerveja envelhecida. Odor ocre. Perfume da Avon. Vinho barato. Cigarro mata rato. Quartinho apertado. Maquininha de música. Funk proibido. Forró de teclado. Som alto. Tatuagem de cadeia. Fininho de cadeia. Pó. Talagada. Olhos vermelhos. Pernas bambas. Polícia. Bandido. Milícia. Taxista. Dinheiro no sutiã. Em nome do pai do filho e do espírito santo feito com o pagamento. Cabelo pintado de louro com tinta vagabunda. Balangandãs. Badulaques. Balacobaco. Imagem de São Jorge. Ogum. Camisinha no cestinho de lixo. Creme de farmácia. Higiene. Falta de higiene. Competição. Sinuca. Fliperama antigo. Camelô vendendo bala halls. Bijuterias. Se lava ali na pia. Tem uma toalhinha aqui. Agentes de saúde distribuindo preservativos. Evangélicos apontando o caminho. Guia de macumba. Menores. Maiores. Virgens. Broxas. Aposentados. Peões. Dia de pagamento. Angu. Vaca atolada. Churrasquinho de gato. Playboys entediados. Intelectuais em busca do povo. Arruaceiro arrastado para a rua mais próxima para levar uma coça. Sexo. Foda. Programa. Trepada. Amor, vamos fazer um amorzinho gostoso? Esculachos. Briga. Pagou ou não pagou? Gozou rápido! Demorou a gozar... Halitose. Cabelo cheiroso. Pau ensebado. Felação. Gritos artificias. Me fode! Tentativa de strip-tease. Homem cheiroso. Homem carinhoso. Homem estúpido. Peito caído. Bunda durinha. Coxa marcada. Celulite. Rosto encarquilhado. Rostinho de boneca. Bunda grande. Bunda pequena. Peito grande. Peito pequeno. Só não uso camisinha com o meu marido! Declarações de amor. Casamento. Chupar o pau dos outros por tabela. Com beijo na boca é mais caro. Sem beijo na boca, então. Só beijo o meu marido na boca! Anal é mais caro. Dói. O teu pau é muito grande. Ai. Ui. Coloca devagar. Vou trocar de posição. Mal humor. Bom humor. Alegria histérica. Chão sujo. Perdeu a linha. Sono. Ressaca. Esquinas da Rua Ceará. Cearenses. Mineiros. Cariocas. Enfim, Brasil.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Dezesseis Anos e Um Mês

Ela só tem dezesseis anos. E tem um filho com um mês. A sala está cheia. O neném não vai com a cara de nenhum dos presentes. A mãe põe ele no colo de um tio alto, e de óculos, e diz: vai com o tio. Ele segura o menino por alguns segundos. O neném tem dificuldades para fazer virar a cabeça. Mas ele faz isso. Parece que perdeu alguma coisa. Olha desolado para as paredes brancas da sala. E de repente dá um grito. Faz um barulho parecido com um ai. O tio balança o neném. Ele dá outro grito. Ouve a voz da mãe perguntando o que foi, e percorre todo o caminho com os olhos até chegar a ela. O tio diz: acho que ele quer ir no teu colo. E devolve o embrulho para a mãe que diz: as vezes ele estranha... O tio diz: ele não gosta de ficar no alto? Você vai ficar sentada com ele? E a mãe: sim. Ela continua. Mas eu não fico em pé com ele, não! E agora o neném está em silêncio e com os olhos arregalados. Ele não fica em pé com o tio. Mas fica sentado com a mãe. Ele é apenas um cotoco de gente, mas como toda gente já sabe o que quer. E o tio pensa que esta é a sua maneira de dizer. Não é a mamãe! 

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Netfobia

Estou com medo que o meu computador seja invadido e as minhas ideias plagiadas. Estou com medo de não ter mais direito a um segredo. De não ter mais direito a uma intimidade. Tenho medo que você esteja me filmando agora, neste momento. Tenho medo que você saiba onde eu estou e tenha todos os meus dados. Tenho medo de ser filmado nu, ou no próprio ato sexual, ou até quem sabe tocando uma, como se não tivesse mais direito a fantasia, e as paredes a partir de agora tivessem realmente ouvidos, e ouvissem até a minha respiração. Tenho medo que me filmem dando uma cagada em um local proibido. Ou de ser preso antes de aliviar a bexiga. Ou de ser filmado tirando uma meleca do nariz, e passando na sola no tênis, e isso virar um hit no YouTube. Quem não deve não teme. Mas eu devo muito. Não quero viver em rede, embora eu já me veja enrolado nela igual um caranguejo, lutando para me desvencilhar. Não quero ser um número, como previu o apocalipse, neste mundo de dígitos e bits. Não quero ter um milhão de amigos virtuais. Não quero ser gravado dando uma opinião que não daria publicamente para não magoar as pessoas. Como se a preservação, o cinismo, a fofoca, ou a hipocrisia não fossem inerentes ao ser humano. Tenho medo de me tornar um viral sem conteúdo. Tenho medo que as minhas músicas sejam jogadas no meio de um milhão de outras músicas que são escutadas em aparelhos pequeninos para se ouvir durante alguns dias. Tenho medo que as minhas músicas sejam ouvidas fora do contexto. Tenho medo de que os meus textos se tornam mais textos empilhados na internet. Tenho medo de não ter mais tempo para a leitura de livros de outro tempo. Tenho medo de não poder ouvir mais os discos. Tenho medo de não ter tempo para admirar um quadro, ou de não ter tempo para o ócio e a divagação. Tenho medo de deixar de ser eu, e fazer parte de um grupo e ficar repetindo as coisas que os outros dizem. Tenho medo de circular por aí em remixado. E que mais do que ganhar dinheiro com isso, eu não tenha direito a autoria. Como eu já vi imagens que captei na televisão e só pude dizer: fui eu que fiz isso! Como já ouvi versões de coisas minhas. Tenho medo, e sei que tudo isso está acontecendo, e que não vai parar de acontecer. Como se a gente não tivesse direito de optar, ir ou não ir à praia de nudismo. Só que dessa vez o que será despido, serão os nossos espíritos. Eu tenho medo de mais do que perder a minha essência no meio desse bolo doido, é de não me reconhecer como tal. Como quem eu sou! A privacidade está com os dias contados e eu não vou saber lidar com isso. Talvez eu fuja para uma ilha. Fique barbudo. E invente uma nova doença. Netfobia.

domingo, 9 de setembro de 2012

Câmera Não Escolhe Quem Filmar!

Ele mastigou duas aspirinas e as engoliu. Sempre fazia isso quando estava com enxaqueca. Nunca ficou provada a eficácia daquilo que a vovozinha que morreu com 100 anos havia lhe ensinado. A saudade da avó o levou a sentir saudade daquela primeira desova. Ele se lembra de ter carregado o corpo por um local ermo até a beira do lago. O mais velho naquela época o havia ensinado a carregar o corpo, e disse: é como carregar sacos de batatas! E essa saudade o levou a sentir saudades de quando podiam levar sacos de lixo pretos e enormes dentro da viatura. Ultimamente até com o kit vela vinham implicando. Uma arma e uma peteca de pó para quem bancasse o engraçadinho com aquele discurso de que eu sou cidadão. Ou de que por alguma espécie de escolha do destino, aparecesse na hora em que as coisas estavam acontecendo. Quando alguém pediu a ele que se levantasse, ele se lembrou daquele jogador de futebol flagrado com o travesti. E de um comentário na internet. Câmera não escolhe quem filmar! E elas também filmam policiais, ele pensou enquanto ouvia a  sentença da boca do juiz.

sábado, 8 de setembro de 2012

Assassinatos

Ele foi chamado no portão da casa da namorada para ajudar a carregar um sofá. Na esquina levou uma porção de tiros. Estava devendo. Ele havia acabado de sair da cadeia depois de amargar uma pena de quase sete anos por roubo. Foi até a padaria com o sobrinho. Queria comer algo. A mãe disse, não vá. Mandaram o sobrinho correr. O menino correu. Ele foi assassinado ali na esquina em frente a padaria durante o dia. Estava devendo. Ele apareceu numa vala. Dizem que estava viciado em crack. E que morreu de overdose. Estava devendo. Ela sumiu e apareceu numa vala. Cheia de tiros. O que chamou a atenção era o fato de ser uma mulher já com certa idade e cheia de filhos. Dizem que era viciada. Estava devendo. Ele jogava bola e fazia uma linha de passe bonita. Foi espancado até a morte a madeiradas. Dizem que saiu com a mulher de um bandido. Estava devendo. Disseram pra gente, ele tá na lista. Eu fiquei com medo de ir embora da festa com ele que foi espancado até a morte. E ainda passaram com o carro por cima do corpo dele. Estava devendo. Ele foi fuzilado, e junto dele um moleque de dezesseis anos que não tinha com o troço. Ele estava devendo. Dizem que moleque não,  moleque não estava devendo.