Passei trinta anos preso. Isso foi antes das
visitas íntimas, computador doméstico, telefone celular e o cacete a quatro que
vocês têm hoje me dia. Quando fui preso o Escadinha ainda não sonhava bater
carteira ou Comando Vermelho havia sido fundado. Saí da colônia penal pela
porta da frente numa época em que a Lapa ainda era local de malandro decadente,
e não parque turístico de playboy. Antes do crack. A gente só fumava uma erva
do norte, e o pó era uma novidade no mercado. O chefe da boca tinha um trinta e
oito cano longo. Ninguém no morro podia fumar na frente de criança, pois era
falta de respeito. Enquanto caminhava em direção a qualquer lugar, eu só
pensava numa palavra: mulher. Peguei todas as minhas economias de pequenos
serviços prestados à comunidade carcerária, e parei para tomar uns tragos com
uma menina da Praça Mauá, vulgo Cinderela, ela parecia aquela menina, Brigitte
Bardot. Quando acordei estava nu deitado numa sarjeta da Rua do Ouvidor, e perguntei
ao policial: “Cadê a Cinderela?” Ele me respondeu: “Se foi com a carruagem.”
Desde então sou conhecido por esse vulgo de Roupinol, e o golpe ficou com a
alcunha de Boa-Noite, Cinderela...
quarta-feira, 2 de maio de 2012
Roupinol ou Boa-Noite, Cinderela...
terça-feira, 1 de maio de 2012
Ainda Bem Que Eu Sou América!
Eu tava em frente a drogaria esperando a minha mina adquirir algum analgésico. Quando vi uma família toda com camisa do Flamengo. Pai, mãe e filha. Havia um cidadão próximo a mim com a mesma camisa vermelha e preta, e com um riso de cumplicidade para a garotinha. Observei que nesse dia existiam muitos flamenguistas na rua. Quando um gaiato perguntou ao cidadão: o Flamengo jogou ontem? ele respondeu: não. É que o Vasco foi vice de novo, e nós estamos felizes. Ele devolveu: ainda bem que eu sou América!
Um dia desses ao ver o irmão de um amigo surgir na sala perguntei a ele: qual é o teu time? Ele respondeu: o meu time é América. Eu disse: não me lembro desse time, não... Ele irritado me respondeu: ah, mas você lembra sim, você vai lembrar... lembra de quando vocês precisaram de um campo pra treinar ano retrasado? Que vocês tavam sofrendo? Claro que você lembra!
Na rua ouvi um cara de uma barraquinha de doces gritar para um velhote. Aquele campo lá vai ser leiloado! Ele respondeu: O América não tem dívida não. Quem tem dívida é o Flamengo, o Fluminense, o Botafogo...
segunda-feira, 30 de abril de 2012
Autor de Periferia é o Cacete!
A gente foi naquela bagaça de debate. E enquanto o apresentador falava ele ficou resmungando ao meu lado. Autor de periferia é o cacete! Autor é autor. Ninguém diz que um autor que nasceu em área nobre é autor de área nobre. Essa porra parece um prêmio de consolação do tipo: ah, que bonitinho! os pretinhos pobres sabem escrever... Eles falam sobre a realidade deles. É só sobre isso que eles sabem escrever. Eu posso escrever sobre a vida de um Extraterrestre se eu quiser. E não é porque a gente é envolvido com rap, que essa é a nossa literatura. O Chico Buarque é autor de MPB? E de mais a mais, o termo periferia no caso do Rio não é adequado, pois a periferia é longe do centro. Ele continuou com aqueles comentários ácidos. E a gente mora no subúrbio, que eles nem sabem definir direito. Uma favela na zona sul do Rio é periferia cara pálida? Toma cuidado com essas definições preconceituosas. O apresentador pigarreou. Ele se calou. E eu fiquei pensando no que ele disse.
quinta-feira, 26 de abril de 2012
A Cura da Depressão
Eu tenho uma depressão terrível. Mas que já foi pior numa época em que eu dizia: vou me jogar da ponte Rio-Niterói! Ou então dormia e chorava o dia inteiro. Hoje não. Agora eu tomo um remédio chamado Paroxetina. Que é uma espécie de pílula da felicidade. E fumo uma ervinha recomendada por um médico que não quer se identificar. De vez em quando converso com deus. E minha oração sempre começa assim, se o senhor existe, e se está me ouvindo, me dá uma força aí! A depressão é a doença mais justa que existe. Assim como os suicidas têm razão, na opinião de quem vive num lugar equilibrado como esse planeta. Mas sempre que estou deprimido e ansioso, que é o meu estado normal, eu ligo o som e começo a arrumar a casa. Igual a minha falecida mãe fazia, sempre ouvindo Roberto Carlos. E aos poucos vou apaziguando. Pois viver é a coisa mais maravilhosa que existe. Não sei por qual motivo. Então a palavra que eu mais uso no meu dia a dia é: foda-se.
quarta-feira, 25 de abril de 2012
A Proibição da Cerveja
Eu dei um pinote e caí sentado na Avenida Rio Branco. Quase fui pisoteado pela cavalaria do governo. Nunca vi a Rio Branco tão cheia. Florida. Nem naquela palhaçada de caras pintadas em que imberbe ainda em calças curtas servi de "massa de manobra" a interesses alheios. Mas isso é uma outra história. Eram velhos, crianças e todo tipo de gente que se possa imaginar. O centro da cidade parecia ter de volta os dias de glória da Revolta da Vacina. Os ônibus se encontravam virados. Os trens foram quebrados. Lojas saqueadas. Não restou nem a iluminação pública. Molotov. Lacrimogênio. Pedra. Ninguém entrava no buraco do metrô. E era um mundaréu de gente saindo pronto para atacar qualquer coisa que se movesse, e que direta ou indiretamente estivesse compactuando com a proibição do governo. Os bancos que não fecharam as suas portas foram apedrejados e os cacos eram recolhidos pelo asfalto. Pela primeira vez na vida senti um orgulho intenso de ser brasileiro. Mais do que na copa do mundo. Agora tudo ia mudar. Nós íamos ter educação, cultura e saúde. Era só isso que eu queria. Nem precisava de segurança. A paz viria depois. Quando o casco da pata de um cavalo ia descer sobre o meu corpo. A minha mina me acordou. Acorda. Tá tendo algum pesadelo?
domingo, 22 de abril de 2012
Professor Idiota
Ela me disse: o meu professor me
disse que eu tenho que ler um livro. Eu disse: qual? E ela: o tal Machado de
Assis. E eu perguntei: que livro? E ela: O Alienista. E eu pensei no perfil
dela. Quinze anos. Só escuta proibidão. Média de leitura de zero livro por ano.
Vocabulário "limitado". Ou seja: o português falado pela maioria do povo
brasileiro. E mal sabe ler ou escrever apesar de estar num sei em qual série do
ensino fundamental. Não que ela não fosse se apaixonar por Machado de Assis. Como eu me apaixonei. Mas esse professor é um idiota ou é o quê?
sábado, 14 de abril de 2012
Guimba, Bituca, Beata e Bagana
A gente tava na Praça Camões. A minha mina sentada num banco. Um frio de cinco abaixo de zero. A gente tava mamando um garrafão de vinho barato. A única coisa que sobrou da crise em
Portugal. O único remédio pra que a ossatura não congelasse. Eu assistia o cara
enrolar o baseado. A policia do outro lado da rua também. Não senti saudade do
Brasil. Quando o vagabundo disse: lá no Rio beata é guimba. Eu disse: é, mas
beata é mais estranho que guimba. E o outro: em São Paulo beata é bituca. E continuou:
guimba, bituca, beata e bagana, quatro senhoras solteironas...
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