Eu dei um pinote e caí sentado na Avenida Rio Branco. Quase fui pisoteado pela cavalaria do governo. Nunca vi a Rio Branco tão cheia. Florida. Nem naquela palhaçada de caras pintadas em que imberbe ainda em calças curtas servi de "massa de manobra" a interesses alheios. Mas isso é uma outra história. Eram velhos, crianças e todo tipo de gente que se possa imaginar. O centro da cidade parecia ter de volta os dias de glória da Revolta da Vacina. Os ônibus se encontravam virados. Os trens foram quebrados. Lojas saqueadas. Não restou nem a iluminação pública. Molotov. Lacrimogênio. Pedra. Ninguém entrava no buraco do metrô. E era um mundaréu de gente saindo pronto para atacar qualquer coisa que se movesse, e que direta ou indiretamente estivesse compactuando com a proibição do governo. Os bancos que não fecharam as suas portas foram apedrejados e os cacos eram recolhidos pelo asfalto. Pela primeira vez na vida senti um orgulho intenso de ser brasileiro. Mais do que na copa do mundo. Agora tudo ia mudar. Nós íamos ter educação, cultura e saúde. Era só isso que eu queria. Nem precisava de segurança. A paz viria depois. Quando o casco da pata de um cavalo ia descer sobre o meu corpo. A minha mina me acordou. Acorda. Tá tendo algum pesadelo?
quarta-feira, 25 de abril de 2012
domingo, 22 de abril de 2012
Professor Idiota
Ela me disse: o meu professor me
disse que eu tenho que ler um livro. Eu disse: qual? E ela: o tal Machado de
Assis. E eu perguntei: que livro? E ela: O Alienista. E eu pensei no perfil
dela. Quinze anos. Só escuta proibidão. Média de leitura de zero livro por ano.
Vocabulário "limitado". Ou seja: o português falado pela maioria do povo
brasileiro. E mal sabe ler ou escrever apesar de estar num sei em qual série do
ensino fundamental. Não que ela não fosse se apaixonar por Machado de Assis. Como eu me apaixonei. Mas esse professor é um idiota ou é o quê?
sábado, 14 de abril de 2012
Guimba, Bituca, Beata e Bagana
A gente tava na Praça Camões. A minha mina sentada num banco. Um frio de cinco abaixo de zero. A gente tava mamando um garrafão de vinho barato. A única coisa que sobrou da crise em
Portugal. O único remédio pra que a ossatura não congelasse. Eu assistia o cara
enrolar o baseado. A policia do outro lado da rua também. Não senti saudade do
Brasil. Quando o vagabundo disse: lá no Rio beata é guimba. Eu disse: é, mas
beata é mais estranho que guimba. E o outro: em São Paulo beata é bituca. E continuou:
guimba, bituca, beata e bagana, quatro senhoras solteironas...
sexta-feira, 6 de abril de 2012
Ronald McDonald e a Carne de Cordeiro
Ronald Mcdonald deu uma golada
no uísque. E disse: vamo. Pra aturar essas crianças só assim! E andando torto ele
desceu a escada. Igual ao Paul McCartney naquele clipe dos Beatles. A criançada
logo começou a gritar. Ele ignorou a todas elas. O diretor veio mostrar a folha
com a frase. E disse: você só tem que dizer isso. Ronald leu e respondeu: carne
de cordeiro, não! O diretor perguntou: você tá louco?! Ele repetiu: carne de
cordeiro, não! Isso eu não faço. Coloca outro bicho. Se fosse vaca, boi, qualquer
coisa. Mas cordeiro não, pera lá! E tem a lã e aquela coisa toda. O diretor
ficou possesso. Os óculos caíram pelo nariz, e o homem gritou: tirem esse maluco
daqui! Ronald me chamou: vamo. E nós saímos pela calçada. Ainda olhei pra ele
na esperança que a gente fosse voltar. Aquele sonho que eu tinha de conhecer os
Estados Unidos se esvaiu por causa de um capricho dele. Um molecote de óculos, de
mãos dadas com a mãe, novinha, bonitinha, sorriu para o palhaço. Ronald pegou o
seu nariz e enfiou no do menino que ficou feliz. E em contrapartida tomou a
Coca-Cola das mãos do miúdo que nem ligou. Ele me deu uma golada. E foi o
melhor gole que eu dei na minha vida. Estava um sol bonito, e nós descemos
aquela rua do Leblon que te dá uma sensação de que você não está no Brasil. E
que pode ser em qualquer lugar do mundo. Inclusive na França. Que eu não
conheço, mas que tenho vontade de conhecer.
quarta-feira, 4 de abril de 2012
Quem Comeu a Velha?
Quem comeu a velha? Essa foi à pergunta que o meu
tio PM fez na sala. Todo mundo gelou. Era óbvio que ninguém sabia. Ele estava
com a pistola na mão. E queria saber quem manteve relações sexuais com a minha
avó de oitenta e tantos anos que estava grávida. O meu primo gordinho disse com
a voz trêmula: não sei... E me deu uma vontade de rir insuportável. Eu tive que
respirar, e olhar para o chão. Mas a risada começava a surgir no estômago. Ele
virou para a própria mãe: quem foi mamãe? Fala! E ela: não vou falar, já disse
que não falo, eu gosto dele! E o tio: seus filhos da puta, incompetentes! Vocês
deixam a avó de vocês, sozinha! Bando de vagabundos maconheiros! A vontade de
rir estava aumentando. E eu ficava imaginando se quando a minha vó teve o
primeiro filho na primeira metade do século passado, também havia tido esse
drama. Quem comeu a velha? Todo mundo tremendo cada vez mais. O tio com a
pistola em punho disse indignado: quem é que vai cuidar dessa criança, meu
deus! Nessa hora mais risos foram abafados. E eu me lembrei de que quando a
minha irmã adolescente ficou grávida, a pergunta foi à mesma. Mas pedi: posso
ir fazer xixi? E o riso de todo mundo ameaçou sair. Quando o meu primo gordinho
disse: ela ainda pode abortar... Houve um catatau de risos. E foi então que o
tio PM se revoltou: eu sou contra o aborto! E começou a disparar para o alto.
Não sei como todo mundo conseguiu passar junto por aquela porta tão estreita.
sexta-feira, 30 de março de 2012
Quando Mataram o Meu Irmão Mais Velho
Eu tava no banheiro mijando. Não aguentava mais esperar na
sala. Quando começou a gritaria. Foi insuportável. A mulher gritou muito. Eu
ouvi os estalidos secos. E fiquei paralisado lá dentro. Desesperado. De repente
ouvi a porta bater, e os passos apressados na escada. Quando consegui sair, o
AP tava todo arreganhado. Ela me olhava sentada no assoalho, com um choro agudo, e
quase inaudível. Pelo rastro de sangue no quarto em direção à janela, eu já
sabia o que havia acontecido. Desci as escadas, e vi o corpo sem vida, com as
pessoas olhando em volta. Fui saindo de fininho me arrastando até o ponto de ônibus. E
rezando pra ninguém me chamar. E o meu corpo ficou tão pesado, que ainda hoje tenho
a impressão que continuo naquele lugar.
terça-feira, 20 de março de 2012
A Invenção de Santos Dumont
Ele tinha uma porção de aviões. Era obcecado por aeronaves.
Juninho tinha uma coleção inteira. A mãe dizia: Juninho é louco por aeroplanos...
Esse menino vai ser piloto! E todo mundo só dava a invenção de Santos Dumont
para o moleque. No aniversário, dia das crianças e natal. Juninho ainda ia
fazer cinco anos, e mal sabia falar. Mas era capaz de soletrar o nome de todo modelo que via no céu. Um dia antes de dormir ele perguntou a mãe: cadê a vovó e o vovô?A mãe
disse: o avião levou os dois pra casa deles. No dia seguinte, quando Juninho
acordou, a primeira coisa que ele fez foi deitar abaixo a estante com a coleção
de aviõezinhos. A mãe perguntou: porque
você fez isso, meu filho? E ele disse: porque o avião leva embora todo mundo que eu gosto!
Assinar:
Postagens (Atom)