domingo, 22 de janeiro de 2012
Dez Por Cento
Eu pego a nota e digo: amigo, tem coisa demais aqui. Ele com aquela cara de tédio, boceja. O quê? Eu digo: esses dez contos, por exemplo? Ele: dos músicos, mas é opcional, se não quiser não paga. Então respondo motivado pela falta de respeito e por meu pãodurismo. Não quero pagar. O outro me diz: eu quero pagar os músicos. Então fico com aquela cara de pão duro. Embora o corporativismo sempre fale mais alto. Tudo bem. Depois pergunto, e esses outros dez contos? Ele diz: é do garçom. Eu me lembro que os taxistas nunca tem troco, e que os garçons e os músicos nem sempre recebem esses dez por cento.
quinta-feira, 12 de janeiro de 2012
O Dia De Lixo
Ele chega do trabalho suado. senta no sofá e puxa uma cerveja. O irmão pergunta: como é que tá a rua? Ele responde: cheia de lixo! Depois pendura a camisa de gari nas costas da cadeira. E percebe que na tevê é um jogo sem importância. Parte do calor desce com o suor do rosto. Ele ouve uma gritaria e vai até a janela pra ver o que é. Não é nada demais. Apenas alguns moleques de férias batendo bola. Um senhora enrugada desce a rua conduzindo, ou sendo conduzida por um poodle tosa e banho. Em uma das mãos ela segura uma sacola. Antes de olhar a lua, ele vê que a velha joga o saco na árvore do vizinho da frente. Ele diz: fiadaputa! É um sussurro para si próprio. E se vira para o irmão e pergunta: esses putos aqui jogam o lixo fora do dia do recolhimento? O irmão não diz nada, como se aquilo não fosse importante, e continua olhando para o jogo. Ele pensa que talvez aquela velha pense que o lixo não é dela. Ou que é algo do qual tenha que se livrar. E que simplesmente não deixar o lixo em sua casa, resolva o problema. Mas ele pensa que aquilo não é só um problema de quem recolhe o lixo. E que talvez ela acredite que há alguma diferença entre a rua e a sua casa. Fiadaputa!
sexta-feira, 6 de janeiro de 2012
Ascensorista De Elevador
Ele estava cansado de dizer: sobe e desce. E de subir e descer com gente
que não conhecia ou não gostava naquele elevador no prédio público do centro da
cidade. Então pensou que talvez apertar um botão fosse um trabalho digno que
precisava ser feito. Mas depois disse a si mesmo: conversa fiada! Ninguém
precisa de ninguém para apertar um maldito botão. E pensou também que aquela era
uma profissão que podia ser exterminada como tantas outras. E por mais que
precisasse da grana, se continuasse ali, ele estaria subjugando a sua própria
inteligência. E estava cansado de ouvir sobre a rodada de domingo, o tempo, os
filhos dos outros; suas esposas, doenças e faculdades. E resolveu abandonar o posto, antes que a
perua pedisse “o décimo!”. Mas ainda deu tempo de dar bom dia ao porteiro, que olhou
para o seu rosto sem saber o que dizer. E saiu com as mãos nos bolsos
assobiando um tema da novela das nove.
quinta-feira, 29 de dezembro de 2011
Faroeste Caboclo
Naqueles dias Douglas andava feliz pelo conjunto. E todo mundo
olhava para ele com uma admiração invejosa. Inclusive os moleques que deram uma
trégua nas desavenças. Nem ser o perna de pau da pelada podia embaçar a sua imagem.
E quando se via o moleque em pé na esquina ou e em qualquer calçada estufando o
peito, ninguém pensava que ele fosse metido. Apenas que estava gozando os
louros da fama. Talvez algum desavisado da rua pudesse perguntar: porque que o Douglas
tá tão metido? E nós tivemos que engolir aquela marra dele durante séculos. Mas
até hoje quando fica bêbado ele começa com a mesma ladainha: hei, lembra de
quando eu decorei a letra de Faroeste Caboclo? Hein, lembra? Ele foi o primeiro
maluco a decorar aqueles nove minutos de versos. É como se ele fosse um dos
autores da letra. E ele fala do Renato Russo com uma intimidade que parece um parente
próximo. E no dia da morte do saudoso poeta, ele chorou um Rio Amazonas inteiro.
quinta-feira, 22 de dezembro de 2011
Dostoiévski Vs. Sidney Sheldon
Eu não tinha dinheiro para comprar livros. Nem passagem de ida e
volta para ir a uma biblioteca melhor. Então querendo ou não, aquele era o
acervo que eu tinha disponível. Ainda não tava metido a besta, e não conhecia
nenhum pseudo-intelectual para me dizer quais autores deveriam ser lidos. Então
eu podia ler Dostoiévski num dia e no outro Sidney Sheldon. E na minha cabeça
tudo era literatura e tudo era bom. Livro era livro. Hoje eu talvez não leia o Sheldon
pensando que ele é limitado. E não alimente uma nostalgia obsessiva em relação
a Dostoiévski, por exemplo. Mas tanto o Sheldon quanto o Dostoiévski cumpriram o seu propósito. E tenho certeza, de que o que me fez aceitar a
simplicidade e a subjetividade, deve ter sido começar a ler com o coração tão
limpinho. Sem preconceitos.
quinta-feira, 15 de dezembro de 2011
Homem Na Estrada
Brou tava com o irmão numa estrada de Brasília quando ouviu pela
primeira vez aquela música dos Racionais Mc`s, Homem Na Estrada. Ele perguntou
ao irmão que dirigia: De quem é essa música? E depois disso o irmão deu uma
fita cassete dos Racionais para o Brou que a levou pro Rio. Uma fita dessas que
esses otários de hoje em dia não sabem usar. A história é narrada por um preso
da época da chacina. Quando Brou chegou a Penha, escreveu toda a letra da
música com a ajuda do toca fitas. Ele levara quase dois dias para escrever
aquele número enorme de frases. Um amigo mais chegado pediu a letra: qual é Brou,
me empresta aí pra eu copiar? Brou emprestou e ele guardou no bolso. Quando Brou
foi cobrar a letra, o amigo chamou à mãe a janela e perguntou a ele olhando
para a senhora: Brou, aquilo não é uma letra de uma música? E Brou respondeu:
sim, por quê? E a mãe logo o cortou dizendo: vocês combinaram isso! Só depois
com a família reunida que a sobrinha cantou a música para a tia. Um homem na
estrada recomeça a sua vida... Mas aí era tarde. A mãe já havia chorado
pensando que o filho era bandido, e que recebia cartas da cadeia. Pois ela havia
encontrado uma delas quando foi lavar sua roupa.
domingo, 11 de dezembro de 2011
O Dia Em Que Samuel Nasceu
Samuel nasceu num sábado. E fazia um solzinho desses que teima aparecer. Ele pensa que
sábado é melhor que domingo. Pois no domingo a gente só pensa em acordar cedo
na segunda-feira. E teve bandinha de música e tudo. Um tio policial militar
trouxe a bandinha. Embora Samuel tenha medo de polícia, atualmente. Ele nasceu
naquele hospital que fica numa ladeira próxima a sua casa. Samuel não se lembra
da enfermeira. Nem do médico ou de como eles eram. E olha que o seu nome é uma
homenagem ao médico que o puxou cá pra fora. Mas sempre que sente cheiro de
éter e ele vê paredes brancas se lembra do hospital. E diz isso a mãe que
responde dizendo: é mesmo... você se lembra do dia em que nasceu? Nossa que
menino inteligente!
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