domingo, 13 de novembro de 2011
Bob Marley Desconhecido
Nós
andamos uma hora de ônibus. Trinta minutos a pé. Um tempinho para beber água e
ir ao banheiro. Ou seja, duas horas. Tudo para ver aquele que para a gente é um
herói, e pro mundo um completo desconhecido. Imagina um fã de reggae
conhecer alguém a altura de Bob Marley? era mais ou menos isso. Ele nos recebeu
na varanda. Parecia ansioso. Não conseguia se concentrar. O olhar sempre
perdido entre a tevê e o que estava dizendo. Num momento lá se levantou
para pegar o isqueiro, e seu amigo disse: ele não tá legal. Briga de família, coisa
de dinheiro... troço chato! Não parecia em nada com aquele cara que nós vimos pulando no palco. Era como se a porra de um gênio, tivesse preocupações
cotidianas demais. Infelizmente, verdade. Ele havia brigado com os irmãos. Um
treco desses. E isso me deixou deprimido. Aquele cara tinha que ficar sentado fazendo música, e não se preocupando com picuinhas.
Isso é para gente que não sabe a direção de sua vida. Quando nos levantamos, ele
disse: gostei de vocês. Por favor. Voltem novamente. É muito bom
conhecer alguém que gosta do que a gente faz. Quando pisamos a calçada, ela
me disse: tomara que ele fique bem. E eu completei: tomara. E ela: se
pudesse eu pagava esse cara pra ele só fazer música!
sexta-feira, 11 de novembro de 2011
Mas Continuo Doido...
Ele vende carro pra caramba.
Tem maior lábia. Não terminou o ginásio, mas lê o jornal O Globo para conversar
com os clientes. Já roubou som de carro, fumou e cheirou. Hoje fuma tabaco, toma
uma antes do almoço e outra depois do expediente. Batuca Jorge Aragão no
volante enquanto fala comigo. Ele se veste bem e comenta do perfume: conhece
esse? Antigamente saía fantasiado no Cacique de Ramos. Cumprimenta todo mundo
na rua. Toca pandeiro, e joga aquela pelada quinta à noite. Domingo vai com a "preta" e o filho na casa da cunhada, que faz o feijão do jeito que ele gosta.
Joga na maquininha, no bicho, tem sorte em tudo, até nas cartas. Além de ser
perito na sinuca. De maneira que já vi a rapaziada do morro abandonar a mesa
para não jogar com ele; que entre um pagode e outro, diz: larguei a vida doida,
mas continuo doido.
sábado, 5 de novembro de 2011
A Invasão
Ninguém morreu na porra daquela invasão, não morreu um moleque lá da área... Um
moleque da favela! Nenhum deles. Quando começou o tiroteio todo mundo foi pra
casa. Da entoca entra no beco e dá um assobio. Alguém abre a porta. Nós conhece a favela, né? Quem morreu era de fora. Os moleques de outras favelas, que
não conheciam o morro, e que ficaram perdidos. Eu vi dois deles... De moto... Os olhos
arregalados... Esses eu ajudei a fugir. Mas a maioria morreu. E
foi diferente dos números da televisão, é claro. Lá em cima do morro tava
cheiro de carniça. De tanta gente morta. Os porcos comeram tudo. Mas tiveram
uns que fugiram. Ele solta a fumaça e continua: eu saí tranqüilo. Não olhei nem
pra trás. Fui embora.
quarta-feira, 2 de novembro de 2011
Poodles
A menina mergulha na lata de lixo. O moleque espera.
Deve ter alguma coisa que preste ali. Tudo é lixo naquele lugar. Um cenário de
guerra, com homens mutilados e cadeiras de rodas. Ele assiste a cena de dentro
do ônibus. Tem uniforme, crachá, carteira assinada, e um tasco de um baseado
dentro do bolso. Não dá nem pra dar onda, ele pensa. Blitz. Um policial sobe no
lotação. Quando vê o cachimbinho de crack, sujo e enferrujado do moleque, ele diz
ao policial: aquele menor tem um cachimbo. O policial responde: não te
perguntei nada! Ele se cala. Depois diz: o Brasil não vai melhorar, eu tenho
certeza que o Brasil não vai melhorar... Quem disser isso tá mentindo. O Brasil
vai explodir e nós vamos morrer aqui dentro. Ele diz isso olhando para os
outros passageiros que se assustam. O policial ignora dessa vez. Depois ele se
lembra do poodle e fala: eu queria ser uma porcaria de um poodle. Alguém já viu
como essas madames cuidam deles? Eles têm até sapatinhos para não pisar no
chão. Eu queria ser a droga de um poodle daqueles. O policial diz: você quer
calar a porra dessa boca?! Um dos policiais revista a mochila de um homem que
subiu naquele ponto, e que vai perder 50 reais daqui a pouco. A menina saiu do
lixo e disse para o menino: nada! O motorista dá a partida. E ele diz
baixinho... Um poodle... A droga de um poodle!
sexta-feira, 28 de outubro de 2011
Porquês Inúteis
Seu Zé era um velho que tinha um bar com fliper na praça. Todo
mundo que jogava ali morreu de tiro. Quando meu pai me pegava lá dentro enchia o
meu saquinho. O Seu Zé andava de motinha com as mercadorias amarradas. E ele
mesmo dizia: essa mer... cadoria! As vezes eu pagava e dizia: obrigado. E ele:
você quer brigar comigo, rapaz?! E no dia em que o moleque disse: esse lugar
não tem nada, que lugar amaldiçoado! Ele Respondeu: vira essa boca pra lá,
rapaz! O Seu Zé levava as palavras ao pé da letra. E ele é tão presente com o
seu cuidado com elas, que eu estava aqui escrevendo, e me lembrei dele ao
perceber esse bando de porquês inúteis.
sexta-feira, 21 de outubro de 2011
A Vida Literária
Ele olhou para a tela do computador. Talvez tenha tido um “bloqueio
criativo”, como dizem àqueles escritores que nunca tem o que dizer. E o papel
que não é papel ou a folha que não é folha, em branco, na tela. E pensou. Pro diabo!
Não sou obrigado a escrever essas porcarias... Pegou uma música que não saía da
cabeça, e saiu assobiando. Viu a pichação de parede. A sujeira dos garis. A fumaça
que os carros soltam com a expiração. Os camelôs repletos de DVDs piratas. A criança
com cara e uniforme de escola pública. O solzinho que há dias não dava as caras.
E pensou. A vida continua literária.
terça-feira, 18 de outubro de 2011
Como Se Samuel, Fosse Eduardo
Eduardo chamou Samuel. Samuel. Vamos à outra rua? A outra rua é a
rua paralela a rua de paralelepípedo em que eles moram. Samuel disse: não.
Eduardo disse: tá. Samuel não quis ir não sabe nem por que, se sua mãe nem
estava lá. Mas simplesmente não quis brincar. Preferiu assistir desenho.
Eduardo atravessou aquele corredor imenso, e cheio de casinhas, que dá para
outra rua. A senhora que estava no tanque viu Eduardo passando. Se o corredor
estivesse cheio, talvez ele parasse para conversar com as outras crianças. Mas
àquela hora estava vazio. Ninguém havia chegado da escola, ainda. O caminhão.
Samuel só ouvia falar daquele caminhão. Ele ainda ia ouvir falar muito daquele
caminhão, que nunca viu. E talvez crescesse, e o caminhão, quem sabe. A mãe de
Samuel ao chegar do trabalho abraçou o filho e beijou de maneira que ele nunca
viu. E depois ela o puxou para aquela casinha do corredor ao lado, em que
Eduardo vivia com a mãe e o pai. Samuel teve que contar a ida de Eduardo a sua
casa mil vezes. E nunca esqueceu a maneira como a mãe de Eduardo o abraço e
beijou. Como se Samuel, fosse Eduardo.
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