segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Bad Company

Ele tava no meio dos moleques. Todos eles à-toa e de cabeça raspada. O pai disse: se continuar andando com essa gente. Esse menino vai dar pro quê não presta. E não é que deu. Um tempo depois tava na boquinha da rua de baixo. Era o único limpinho entre os sujinhos. Crackudos. O pai desesperado o mandou para São Paulo morar com a mãe. Ele saia para trabalhar e voltava sempre no mesmo horário. Mas tinha dinheiro demais para um assalariado. Um dia o padrasto desconfiou dele e o seguiu. Ele quebrou para dentro de uma quebrada. Flagrante. Contava um patacão de dinheiro em frente ao boteco. Então a mãe decidiu enviá-lo para morar com a irmã na Alemanha. Ele veio visitar a família um ano depois. Todo mundo feliz. Almoço de domingo. Tudo bem. Quando foi embarcar a polícia federal apareceu. Um quilo da pasta base de cocaína camuflada em fundos falsos.  O pai viu o rosto do filho no Jornal Nacional e vaticinou: são as más companhias.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Vinte Anos De Sua Vida

Ele está com diabetes. Sabe que vai morrer. Outro dia o surpreendi comendo uma lata de marrom glacê. Eu disse a ele: você vai morrer! Tá pensando que não, mas vai morrer! Isso foi quase uma ameaça. Ele não tá nem aí. Tá ficando cego. Caiu no meio da rua recentemente. Eu o levo para apostar nos cavalos. Já bebeu. Já fumou. Já cheirou e comeu tudo que queria. Inclusive mulheres, ele diz. Andou viajando em navios da marinha mercante durante um tempo. E fala: a minha pica é internacional! No que eu digo: agora que você tá ficando cego, todo mundo vai comer o teu rabo! Ele ri e me diz que só não consegue parar com o cigarro. Lamenta. Parei de cheirar, mas não consigo parar de fumar. Ele me olha sério e fala: se piorar, eu meto uma bala na minha fuça. Tem uma no ferro esperando por mim. Não vou dar trabalho pra ninguém. Fui eu mesmo que criei isso, ele conclui. Eu penso que viveu tudo o que podia em vinte anos de sua vida.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Serendipitoso

Quando eu pergunto a ele: E aí, como tá? Ele diz: tudo bem como sempre. O cara já foi preso, e quando conta sobre a cadeia é sempre de maneira engraçada. Mesmo ao falar da surra que o apagou durante dias. Ele passou um tempo na solitária onde deixava a comida azeda para os ratos, e comia o resto para que não cismassem com a sua refeição ou com ele.  Tem pouco mais de trinta anos. Nunca perguntei por que foi preso. Provavelmente por tráfico.  Realmente não acredito que faria mal a alguém se não fosse para se defender. Um dia me disse: eu não sei andar na cidade direito, sempre vivi dentro de favela. Enrola mais um cigarro e fuma tranquilamente sentado num caixote. Tem uma barraca de frutas na feira da favela, e talvez seja a pessoa mais tranquila que conheço. Mora num quartinho minúsculo. Não tem os dentes da frente. E diz: volta aí pra trocar idéia. Não me impressiono com as suas histórias. E sim com o fato de se sentir seguro nesse mundo com quase nada.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Sexta-Feira Felpuda!

De cima da passarela eu vi o sol no final da tarde. Ele estava deslumbrando. Lindo. As pessoas passavam por mim. O trem embaixo. O motoqueiro passou e disse: Cai fora, cara! Tá atrapalhando o trânsito. Fui embora. Não dava para ficar namorando o sol o tempo todo. Ninguém ia entender. E agora de noite vi a lua. Linda. Fez de tudo para ficar visível. Enfurnou-se entre as árvores. Cheia. Felpuda. Sexta-feira. Todo mundo vai sair. Ninguém que trabalha na cidade vai voltar para casa. Eles vão para todos os lugares. O trânsito em direção ao subúrbio vai ficar tranqüilo na Avenida Brasil. Todo mundo vai beber. Fumar. Cheirar. E serão guimbas e mais guimbas de cigarros. Pontas de baseados. Rapas de pó. Dores de cabeça. Ressaca. Camisinhas sujas. Vai ter um mundo de camisinhas sujas em motéis. Muita camisinha. Imagina uma pilha de camisinha. Ele está deitado enquanto ela toma banho. Veja a cena. Ele diz para si mesmo: sou feliz. Quando toca o despertador. Eu desço da passarela.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Tipo Sócrates

Eu tava maior babaca esse dia. Tava caminhando pela imensidão da Avenida Rio Branco. Segunda-feira de manhã. E eu cá com meus botões tive uns achados filosóficos. Tava me sentindo um puta filósofo. Inteligente pra cacete. Tipo Sócrates. Imagina a cena. Um filósofo no meio de boys e secretárias. Aí eu disse: a verdade é que ninguém trabalha para si próprio. Um trabalha para o outro. Será que alguém já teve essa sacada? E emendei com aquelas perguntas básicas. Um questionamento no mínimo adolescente. Por que somos tão “inteligentes”? Por que fazemos música? Quem criou deus? Quando me toquei que nada sei. Burro.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Cidade Das Mulheres

Eu tava chapado. Muito chapado. Caminhando pela cidade e vendo as luzes. Sempre as luzes. Indo em direção ao metrô. De repente observei que estava num mundo cercado de mulheres. Só existiam mulheres no mundo. E eu era o único homem. Assim como naquele filme do cineasta italiano Federico Fellini em que o ator Marcelo Mastroianni acorda num trem e desce numa cidade onde só existem mulheres. Tava eu ali. Mas como é mundo moderno, metrô ao invés de trem. Calculei estar sonhando. Ou sei lá o quê. Uma delas falou algo comigo. A música do Roberto Carlos em meu ouvido não me deixava ouvir. Eu ia tirar o fone. Quando pintou um guardinha no meio da minha história.  De uniforme, cassetete e tudo. Ah, não! É mole? E ele gritou: vagão feminino! Fui. 

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Teto-Preto

Naquele dia faltou água na favela. A criançada tomava banho no chuveirinho. Uma menina gritou: mãe, eu não tô aguentando esse calor... eu vou meter minha cara no balde! Eu disse a ele: qual é cara, não anda com esse violão na capa não, que os caras vão pensar que é fuzil. Ele tirou o violão da capa e falou: você é muito medroso! Nós fomos para debaixo da escada. O Neguinho tava sentado no sofá com um sorriso congelado e no olhar serenidade como se aquele fosse o lugar mais interessante do mundo. Ele alcançou a iluminação. Entrei naquela nuvem de fumaça. Dois moleques chegaram. Um preto e um branco. Tímidos. Ele disse: esse cara fez aquele som que vocês gostam... Conversamos. Ele segredou: os dois maiores 157 da favela. Quando eu vi o Neguinho começando a se encurvar até tombar do sofá. Um bêbado gritou: teto-preto! As pessoas começaram a se aproximar. E aos poucos vieram os gritos. Teto-preto! Teto-preto! Parecia gol do flamengo. Gritando e dançando, todo mundo.