sábado, 18 de junho de 2011
Cosmética Classe A
Ele tava dançando. Chapado.
Saidinho. Afro. Óculos escuros. Dread. Desencanado. Puxa-ferro. Hip-hop. ONG.
Revista Raça. Modelo negro. Marcha da maconha. Jay-z no Rock in Rio. Samba de
raiz. Comunidade. Não favela. Off-Lázaro Ramos. Cidade de Deus. Periferia.
Literatura da periferia. Ponto de cultura. Viaduto de Madureira. Ensino médio
completo. Ela adorou aquilo. Amiga. Sorridente. Branquinha. Zona-sul carioca.
Maconha e doce. Bossa nova. Naipe de novela do Manoel Carlos. Olhos azuis.
Coldplay no Rock in Rio. Samba de raiz. Universidade pública. Antropologia.
Morou na Grécia. Garota de Ipanema online. Barzinho em Botafogo. Cosmética
classe A. Ele segura o braço da menina. Ela estremece e lembra que adora ir ao
subúrbio. Ele sonha acordar em frente à praia e ter água do mar batendo perto
da janela. Quando diz: já vai sair? Ela responde: nós vamos ao show no Circo.
Circo Voador na Lapa Rio de Janeiro. Show de reggae. Banda Jamaicana das
antigas. Rastas igual a ele. Ele pensa que não vai dar. Nem que tivesse carteirinha
de estudante. Ele diz: daqui a pouco eu vou... Ela diz: tudo bem. Ele acena. Lá
nos falamos. E ela: O.K. Ele mexe na carteira e tira o dinheiro do
ônibus. Dá para beber mais uma cerveja. Mas não vai poder demorar muito, pois
amanhã tem que acordar cedo.
segunda-feira, 13 de junho de 2011
O Homem Cordial
Eu vi quando o cara da moto rapou no retrovisor. Ele disse: foi
mal. O policial mandou: foi mal é o caralho! Vocês tão sempre querendo se
adiantar! Eu dei um pinote pra dentro do ônibus. O motorista me perguntou: o
quê aconteceu ali? Eu respondi: o maluco da moto esbarrou no retrovisor, aí já
viu né? Ele disse: esses motoqueiros pensam que são os donos da rua... Rapaz;
ainda jogo um pro alto! Neguinho pensa que eu tô brincado, Vai mesmo! Sem muita
convicção, eu disse: eles sobem na calçada e tudo, maior vacilação aí! É mesmo,
ele concordou. Aproveitado a intimidade perguntei: pô piloto, com todo
respeito, tem como quebrar essa? Eu tô na correria, a merreca acabou. Ele olhou
para o envelope na minha mão e falou: sobe lá por trás. Quando desci o ônibus
acelerou. Eu sabia que aquele negócio de câmera não ia dar certo. Lamentava
enquanto assistia o carro se afastar.
sexta-feira, 10 de junho de 2011
O Menino Do Fundo Da Sala
O menino senta no fundo da sala. Ele sempre olha
para fora e pensa na vida desperdiçada com matemáticas e mapas de lugares que não
conhece. O menino adora os livros, e põe um deles por cima do caderno para
fugir daquela escola. Mas ele continua lá. Mesmo quando o sol é bom. Mesmo quando
faz o melhor sol que ele já viu. A professora um dia briga com um, e no outro
dia briga com outro, mas ele continua lá. Ele não quer ter a vida que
professora diz que é boa. Ele não quer ter a vida do seu pai. Ele não quer ter
a vida que dizem que vai ter se não estudar. Ele ainda não sabe qual é a sua
vida. Mas ele continua lá.
terça-feira, 7 de junho de 2011
Mais Um Advogado Merda No Mercado!
Aí ele chegou com a cerveja. A gente embaixo da marquise. Tava um
frio do cacete. Um frio que congela a armação dos óculos. Abriu a boca sai
fumaça. O brilho dos faróis, dos olhos e da iluminação pública. Ele me disse:
cara... Eu terminei a faculdade. Eu disse: Show! Ele tremeu e falou: num sei
não. Eu devolvi a pelota. E agora? E ele: mais um advogado merda no mercado!
Depois do silêncio voltamos a sentir aquele frio constrangedor.
sábado, 4 de junho de 2011
Ela Não Quer Mais Casar!
Ele me telefonou: já alugou o terno? Sim, então vem correndo pra
cá! No caminho eu ia pensando o quanto era bacana que caras legais se dessem
bem. O cara buscava a noiva todos os dias na faculdade. Ele saía de onde
estivesse para fazer isso. Chapou com ela desde a época da escola. Ficou
ligando de tempos em tempos: ainda tá namorando? Sim, então depois te ligo. Até
que um dia ela disse “não”. Eles começaram a namorar e agora iam se casar. Eu
ia ser o padrinho do casamento e provavelmente do futuro filho deles. Quando
cheguei, ele me perguntou: seu terno é legal? Sim, meu terno é legal. E ele:
que pena... Pois não vai ter casamento. Ela não quer mais casar! Ele estava
tranqüilo. Sem essa de carpideira. Amor é coisa de viado. Homem trepa. Mas eu
fiquei com uma vontade imensa de chorar. E só pensava que nunca ia ser padrinho
de ninguém. Aquela porção de gente. Aquele dinheiro todo. Sei lá.
quinta-feira, 2 de junho de 2011
A Crase
Levei meu texto para esse escritor ler. Afundei naquele sofá que
me deu uma sensação de desequilíbrio. Escritor novo é foda. Ainda mais com
essas novas tecnologias. País que ninguém lê. Pirataria. Filmes 3d. Ele me
olhou como se eu fosse um passa fome. Não que eu não seja, mas jogar assim na
cara é foda, né? Depois mudou a posição das pernas, tirou os óculos e disse:
você só fala do teu bairro. E eu: é... Eu só falo do meu bairro. E pensei que
nunca viajei de avião e queria viajar de avião. E que não conheço ricos
depressivos ou policiais em crise. Ele me disse: gostei do teu livro, você
escreve bem. “Eu escrevo bem”, pensei. Mas tem que melhorar o português, o
texto está cheio de erros, sobretudo a crase, falou num muxoxo. Ele estava
preocupado com a crase.
sábado, 28 de maio de 2011
Canastra
Repartição pública. A loura chega. Cabelos curtos. Tatuagem nas
costas. Cara de mulher fatal. Gostosinha. Ela dá um beijo no rosto daquele
preto, magro e boa pinta com cara de falador. Eu penso. Canastra. Todo mundo
percebe que a loura ignora os outros colegas de trabalho. Ponto. Outro dia. O
preto grita meu nome. Eu levanto o dedo. Ele diz: chega mais! Eu sento em
frente a ele que me diz: vocês adoram dar trabalho pra gente! Quando ele diz
“vocês”, se refere a esse bando que sonha com o café que está na mesa da
atendente. Entra uma menina em cena. Bonitinha. Nada demais. Cara de igreja. Se
casar vai trepar uma vez por semana depois da novela. Estagiária. Ele diz: é
ruim ficar em pé, né? E ela: é, é ruim. Na seqüência ele pergunta: o quê você
vai aprontar fim de semana? Ela diz: nada, eu não tenho dinheiro, chego
cansada... E ele diz: eu também não tenho dinheiro, não... Eu penso. Canastra.
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