amigos leitores... o meu livro “Wert!” está em promoção na loja da Amazon.com. Wert! é um livro que me trouxe certa paz. Dentro do que é possível para um escritor se dar por satisfeito. aqui estou eu tentando racionalizar o que é abstrato. Wert! é um livro curto. quase um suspense. preferiria classificá-lo como trailer psicológico. é um livro de coisas não ditas. de gestos e palavras que se perdem no ar. é um livro de impressões. onde em cada frase eu buscava não deixar uma gordurinha. também é um livro inspirado por literatura “noir”. a história se passa dentro de um apartamento. o personagem principal está narrando tudo em “tempo real”. Wert! é um dos meus pastiches de literatura americana. a vizinhança é pobre, suja, violenta, cheia de neuróticos de guerra e viciados. o apartamento funciona como um ponto de encontro de tudo que é tipo de maluco. existem mil movimentos que insinuam que ali funciona um “inferninho”, ou uma “boca”, ou quem sabe um local que abriga bandidos que tramam algumas ações. John o narrador fica o tempo todo fazendo roleta russa com um revólver enquanto tenta escrever um texto que o seu chefe que é apenas uma voz ao telefone pediu. talvez o chefe tenha pedido um balanço. ou um controle de todo o movimento. isso se torna impossível. John está ansioso com a “pedra” que carrega no bolso. ele quer se livrar da “pedra” mas não consegue e ao mesmo tempo não faz uso dela. essa é uma das dúvidas que irão pairar durante a todo o trajeto. os outros personagens aparecem e somem. você só pode julgá-los por suas expressões. pois eles não dizem tudo. John insinua um interesse por Joan. que não sabemos se é platônico ou se é algo que já chegou a se consumar de fato. Não sabemos o quê é realidade, o quê é alucinação o quê está no futuro ou no passado. é lógico que eu não leio os meus livros. uma que eu não quero me influenciar. outra que se eu fizer isso vou mexer em tudo. se eu entrasse numa biblioteca provavelmente traria Wert comigo. agradar a si mesmo é sempre mais difícil. um texto por menor que seja é um acúmulo de toda a vida. um dos motivos pelos quais escrevi esse livro foi que havia assistido na televisão um documentário sobre um pintor americano chamado Edward Hopper. nunca fui atrás de ver seus quadros pessoalmente ou pesquisar mais sobre sua vida. não precisa. a impressão de que os seus quadros me causaram é que falavam sobre o vácuo. sobre o tedio. sobre o vazio existencial. neles havia um movimento. mesmo que os personagens estivessem parados e estáticos dentro de um quarto. era o mesmo tedio que eu observava nos personagens faladores de outro americano, Salinger. Wert! foi a minha tentativa de escrever sobre frases e ações, que não se concluem...
quarta-feira, 17 de agosto de 2016
O Desenrolo!
Waldo está naquela rua dos fundos da favela. Impera um silêncio inimaginável para um domingo de manhã numa comunidade. A favela está deserta. Waldo fuma um cigarro desbragadamente encostado em seu carro sedã. Waguinho cruza o beco gingando. Waldo dá um pequeno sorriso quando o vê. Mas não se mexe. Waldo percebe que a expressão do outro é odienta. Waldo joga o cigarro no chão e o esmaga com o pé como fazem os atores de filmes americanos. Quando Waguinho se aproxima...
Waldo fala feito um egum mastigando as palavras e soltando perdigotos – você matou o moleque!
Waldo balança o dedo insistente na frente do outro.
Waldo - Foi você que matou o moleque! Foi você..
(É uma briga de galo. Waguinho enfia o nariz dentro do nariz de Waldo. Um pode sentir a respiração do outro).
Waguinho - Qualquer um que atravessar seu cuzão... nós “vai” largar o aço! Se tiver fardado... Se for “alemão”, nós “vai” largar o aço! (Waguinho agora é quem ganha à expressão de egum) não adianta “vim” com choradeira de que é pai de família não... vai levar bola!
Eles se encaram durante um tempo. Quando Waldo deixa o silêncio. E balançando a cabeça diz em tom ameno - medo?
Waguinho – não vivo no chiqueiro pra confiar em porco... Se você tentar alguma covardia comigo, Waldo, eu vou te rasgar de ponta a ponta... Cadê a porra do moleque, Waldo?
Silêncio.
Wagunho - A porra daquele PM lá falou pra mina que o moleque tá morto! O quê vocês fizeram com a porra do moleque, Waldo? A família tá me cobrando, eles querem enterrar o moleque pelo menos...
Waldo – que morto, é o caralho! É só pagar...
Waguinho – porra Waldo, eu não tenho esse dinheiro... Nós temos que dar dinheiro pra aquele “verme”, com essa porra de “invasão”, que viciado sobe aqui... favela pequena!
Waldo olha para Waguinho.
Waldo tira as duas pistolas da cintura. E coloca sobre o carro. Waguinho faz o mesmo com o fuzil.
Silêncio.
Waguinho acende um imenso baseado e sopra a fumaça na direção do valão.
Waldo puxa uma cápsula do bolso. E novamente como os personagens de filmes americanos bate o pó nas costas da mão e dá “um teco”.
Waldo – Maconha é droga de porco!
Waguinho – vamos negociar Waldo? Porra libera o moleque aí, caralho! Deixa o moleque curtir o dia dos pais em casa. os moleques não vão fechar comigo nessa parada, não... eles disseram que não vai ter porra de jogo nenhum se o moleque não passar o dia dos pais em casa. e que se o moleque tiver morrido, que não vai ter jogo... Waldo sou eu que mando nessa porra, eu tô sendo cobrado no meu “fundamento”, tá geral contra mim, porra! tá todo mundo esperando...
Waldo – Eu vou liberar esse lixo. (ele balança o dedo indicador como se fosse uma mania). eu vou liberar esse “viado” por causa da porra desse jogo! Mas vocês vão pagar essa porra em parcelas! Nem que demore dez anos... Vocês vão pagar essa porra!
Waguinho fica em silêncio.
O toque do telefone de Waldo é um pagode. Ele atende o homem em viva voz.
Homem – Waldo! Nós precisamos de uma posição, já acabou? tá um clima tenso aqui... viatura e o caralho! começou a porrada... Vai ser foda segurar esse povo!
Waldo – tá, tá, tá! Libera esse “viado”, e começa essa merda... Eles vão pagar!
Desliga.
Waldo – Primeira parcela amanhã.
Waguinho – A mina vai levar...
Waguinho pega o fuzil e dá as costas para Waldo. Logo se escuta a gritaria. Waldo entra no carro. Som de fogos vindo do campo. E de todo lugar. aos poucos o som da favela volta ao normal. Já se ouve gritos de crianças e aparelhos de som.
sexta-feira, 5 de agosto de 2016
O Samba é Meu Dom de Wilson das Neves...
Velha Guarda do Império Serrano. eu estava trabalhando num teatro do centro da cidade. eles participariam de um show do Arlindo Cruz. acho que era isso. ou eu sonhei. eu estava naquela parte de cima do teatro. de repente eles se posicionaram e começaram a cantar essa música. na época eu ainda não havia escutado essa música. é do Wilson das Neves. de repente essa música mexeu comigo. “aquilo é verdadeiro, rapaz!” “Isso é poesia pura!” “coisa fina”. e o mais chato de tudo é que é de gente que toca muito, e vive o quê canta. de repente as lágrimas rolaram. graças a Deus poder jorrar essa felicidade por aí. toda vez. O Samba é Meu Dom... ele repete, ele sabe da sua responsabilidade, das nossas raízes. ele sabe que teve sorte. que estava no lugar certo na hora certa. como ele empunha a bandeira do samba. “aprendi cantar samba com quem dele fez profissão!” aqueles nomes que fazem parte dos pilares do samba. da espinha dorsal do samba. meu Deus: “quem é do samba meu nome não esquece mais não” “é no samba que eu quero morrer de baquetas na mão”. um dia desses eu vi o Wilson das Neves no aeroporto. ele estava de chapéu. não tive coragem de falar com ele, é claro. mas com certeza estava indo tocar samba...
quarta-feira, 3 de agosto de 2016
Amsterdã Blues - Arnon Grunberg.
eu gosto de um livro chamado Amsterdã Blues. eu esbarrei com ele a primeira vez numa bienal. mas não pude levá-lo. pois já havia estourado o dinheiro com biografias dos Beatles. é um livro de um holandês de cabelos desgrenhados na capa. dos livros “recentes” é um livro que eu gostaria de ter escrito, como dizem. era óbvio que eu fosse gostar desse livro. então quando esbarrei com ele a segunda vez em uma biblioteca eu o levei comigo. é um livro sobre o tédio. os grandes escritores tiram historias de qualquer coisa. e esse escritor tirou uma historia do tédio. não me lembro de detalhes do livro. mas como diz Leonardo da Vinci, todo nosso conhecimento vem do que sentimos. e eu sempre me lembro desse livro. eu me lembro que o personagem ficava num bar, e que ele empurrava a cadeira de rodas do pai doente. eu me lembro que os diálogos do pai dele com os outros personagens no bar eram incríveis. o personagem principal frequentava prostitutas diariamente. E com elas ele mantinha uma relação blasé. que é a mesma relação que o personagem mantém com todo o mundo. a prosa desse escritor é uma prosa de mestre, e falar aqui sobre o miolo da historia, isso que chamam de roteiro, para os grandes escritores é apenas um detalhe. então não se iluda com a aparência da sinopse. o livro é grandioso e de uma profundidade abissal. e o autor tem o controle da pena. eu não me lembro se é o seu livro de estreia. a tradução às vezes pode acabar com um livro. o livro não é econômico, ele não tem uma edição seca daquelas em que nenhuma palavra parece sobrar na frase. mas, apesar de suntuoso, ele não é pomposo. Leia tranquilamente.
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