quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Crack!

eu fiquei extremamente sem graça quando ele falou comigo. pois lembrou do meu nome. ele chamou meu nome. levantou o polegar e sorriu. ele estava sujo, e maltrapilho. carregando coisas. dava pra ver que estava no crack. eu não conseguia lembrar quem era de jeito nenhum. até hoje não sei quem falou comigo aquele dia. sei apenas que nós fomos muito íntimos, pois aquela voz me era familiar. ele parecia ter lembrado de bons momentos quando falou comigo. eu sabia que ele estava destruído pelo crack. eu o vi perto da passarela. o outro ia a minha casa. morava na mesma rua. falou comigo. eu estava do outro lado da avenida. os ônibus passavam. ele pôs as mãos no peito demonstrando o quanto gostava de mim. eu imitei o seu gesto. e olhei pra ele como quem diz, que independente daquela merda toda. eu continuava gostando dele. os meus olhos encheram de água. ali eu me emocionei, e perdi toda a sisudez de machão suburbano. presenciei a expressão de um amigo meu, numa cena parecida, e ela parecia de horror. ainda bem que pude ficar feliz perante um amigo que havia ido parar na rua por causa da bebida, e que agora estava todo arrumado, como antigamente. como quando nós éramos moleques. quando nos conhecemos. mas nunca vi ninguém liberto do crack. sempre vejo aquele moleque correndo, para lá. e para cá. e sempre me lembro dele, que está abandonado ali. tendo alucinações. sendo vítima de rituais. de espíritos malignos, segundo alguns. esquizofrênicos, segundo outros. para todo lado que olho vejo mendigo. gente morando na rua. falando sozinha. deitada na calçada. carregando trapo. esmolando. fazendo suas necessidades a luz do dia. morando no meio do lixo. andando nos trilhos.caminhando nas vias expressas. eu vi aquele moleque branco e o pessoal da favela segurando ele que estava tendo uma overdose. não sei se ele sobreviveu. mas apenas ouvi as pessoas gritando, Playboy! Playboy! Volta, Playboy!