quinta-feira, 29 de setembro de 2011
Coisa de Momento
Eu sou soropositivo há vinte e cinco anos. Hoje em dia dá para se
viver com AIDS. O governo sabe disso. Mas eles não vão dizer isso na televisão,
porque se não vai ter uma porção de maluco que não vai mais usar camisinha. Ele
disse. E eu perguntei: Você se arrepende de não
ter usado camisinha? E ele: não, cara. O sexo é um momento. É coisa de momento.
Naquele momento ali, eu fiz isso.
segunda-feira, 26 de setembro de 2011
Homem-Maduro
Ela ficou impressionada com o homem maduro que conheceu na
internet. E disse as amigas: é... gente, eu prefiro homens maduros. E não me
engano! Até a voz dele no telefone era uma voz madura. Ela cresceu ouvindo
dizer que as meninas evoluem mais rápido que os meninos. E se lembra do
primeiro namoradinho. Quando disse a ele: para de correr para lá e para cá e se
suar. Sem graça, ele parou. E agora foi aquele cara. Mais de trinta anos e
morava com a mãe e só andava de bermuda e de calça larga, como se fosse um
adolescente. E ainda disse a ela: homem pra vocês é aquele com barriga de chopp
no sofá, e três filhos correndo pela casa. Ela ia pensando quando chegou à
entrada do shopping. Mas não ficou nada feliz ao ver um menino de dezesseis anos de
bochechas rosadas e sorridente, vestindo as roupas do seu homem maduro.
quinta-feira, 22 de setembro de 2011
A Minha Mãe É Babá, Mas Não Pode Ficar Comigo
Samuel espera que a sua mãe venha. Mas ela não vem. Ninguém vem à escola buscar Samuel. Ele fica grudado na grade. A cara de quem olha triste para fora. Quando chega uma prima. E essa prima gordinha tem quase a idade de Samuel. A menina se aproxima da mulher que fica no portão da escola. Hoje a mãe de Samuel não vai poder vir. A mulher responde entediada. Tá. Tudo bem. Samuel olha triste para a prima. Eles vão para a rua e Samuel pensa. A minha mãe é babá, mas não pode ficar comigo. Mas depois que a prima o convida para colar a bunda no papelão e descer no barranco, Samuel admite gostar de quando a mãe não vem.
segunda-feira, 19 de setembro de 2011
Uma Perna Branca Ou Um Minuto Na Igreja
Ele colocou a mão em sua perna. Ela disse: que merda é essa! Tá maluco? Pirou?! E ele escorregou a garra para fora daquela brancura. Seu irmão olhava a cena com nojo. Como se dissesse: você é podre! Enquanto ele pensava que talvez aquela porta fosse uma saída de emergência. Ela disse a ele: você ainda é uma criança. Uma criancinha. Não vem que não tem! Ele abaixou a cabeça e ligou o rádio da cozinha. Pôs uma música. Ela disse: tira essa música que esse cantor é um drogado. E você não tem idade para ouvir isso. Ele encostou-se à outra parede. O irmão pensava por que a sua mãe o
obrigava a conviver com aquele idiota. Incapaz na escola. Porque tinha que respeitar as mesmas regras de alguém que não conseguia ficar quieto um minuto na igreja. E não fazia nada além de balançar as pernas. Ele disse a ela: eu te amo. Estou apaixonado. Ela disse: ah, é mesmo? Então aproveita para comprar um quilo de batatas pra mim. Pega esse dinheiro que tá em cima da mesa, e traz o troco de volta! Ela continuou na pia descascando a cenoura. O irmão ficou parado próximo a porta sem dizer nada. E ele saiu pensando que estava um dia lindo, e que ia ser um saco ir para a escola outra vez.
quinta-feira, 15 de setembro de 2011
Pac-Man
Ele me segurou pela camisa e disse: as pessoas odeiam os seus trabalhos! Disse isso com os olhos em chamas. Ele tava bêbado. Bebe e assiste aos jogos do Flamengo nos bares. Ele me disse: você faz o que quer! Ele é professor de geografia, mas trabalha com informática. Pois dá mais segurança do que dar aula em escola pública para meia dúzia de delinquentes. E ele continuou: eu odeio o meu trabalho. E fico rezando para o tempo passar. Ele conserta computador na casa de velhos militares. Eles dizem: a ditadura era boa. Ele diz: não. Opa. peraí! Começa um discurso e eles se impressionam com a sua elucubração. Ele diz: eu te invejo. Você é forte. Eu digo: também não é assim. Pago o meu preço. Ele me diz: não tem espaço pra gente como você na escola. A sociedade não sabe lidar com gente como você. Ele continua: cara, quando toca o telefone no meu trabalho, eu já fico preocupado. Eu só não quero que interrompam o meu Pac-Man. Só isso que eu não quero. Que interrompam o meu Pac-Man!
segunda-feira, 12 de setembro de 2011
Eu Só Não Quero Voltar Pra Rua
Ele é um homem alto e forte. Com olhos fundos e feições índigenas
do Norte do Brasil. A pele tem a cor do cobre. Seria facilmente confundido com
um garimpeiro de Serra Pelada. Ele diz: eu só não quero voltar pra a rua. Eu já
morei na rua. Tudo bem. Não tinha inimigos. Quando eu acordava escondia o meu
cobertor em cima da árvore. Tomava café no posto. Mas sei lá. Não quero morar
na rua de novo. E se acabarem com aquele restaurante de um real vão me quebrar.
Vai ser mais gasto com supermercado. Aquela comida é feita por nutricionistas.
Eu tenho uma vida boa, rapaz! (aqui ele fica exaltado). Tenho uma qualidade de
vida excelente. Tem gente que tem dinheiro, mas não tem qualidade de vida. É o
que eu converso com a minha assistente social. Todo dia eu malho. A minha
glicose está equilibrada. Eu sempre pago o meu quartinho adiantado. Só que se
cortarem o meu benefício vou ter que morar na rua de novo. E eu não quero
voltar pra rua.
quinta-feira, 8 de setembro de 2011
Cenouras Hipócritas Ou Brasileiro Insensível
Vi aquela moeda de um real em cima da mesa. Ela estava solta e
separada das outras. Fiquei com pena dela. A gente nunca sabe quando vai precisar
de um real. Passa pra cá. Ela deu um pinote pro bolso. Era hora de passear e
ela se acomodou ali embaixo da carteira. Na rua da feira um cara me parou: tem
um real pra pinga? Gostei da atitude do bruto e arremessei a maliciosa para o
ar. Ela girou. Ele estava com a mão aberta. A bicha caiu na palma da mão dele.
Parei para comprar legume. Pensava na vida enquanto olhava aquelas cenouras
hipócritas. Uma menina parou do meu lado. Tio compra bananada. Balancei a
cabeça dizendo que não. Ela insistiu na esperança de me deixar sem graça. Tio
compra bananada. Automático disse: não, obrigado. Eu já havia dado a minha
reserva para outro tomar cachaça. Ela era uma criança fofinha. Daqui a pouco
aparecia alguém disposto a ajudar. O cara da barraca me olhou de cara feia. E
disse a ela: toma um real pra ajudar. Eu sou um brasileiro insensível.
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