domingo, 10 de janeiro de 2021

Caindo é que se aprende!

O menino caiu da bicicleta

O avô tomou a bicicleta dele, 

E disse

Você vai se machucar! 

O menino respondeu

Caindo é que se aprende! 

sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

O Gato


Todo dia o mesmo gato,

no mesmo local de sempre,

no caminho de terra que leva ao centro.

Em meio...

Há natureza!

Na paz.

Na tranquilidade.

Deve ser um refúgio,

A sua área!

O seu lugar de meditação.

Quando em casa fica aborrecido, 

busca abrigo.

Nada de concreto além dos elementos naturais.

e, o...

Gato.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Depois o Brega Sou Eu!

Quando vi uma matéria sobre as festas de fim de ano no Brasil da pandemia, imediatamente lembrei da música de Genival Lacerda: "A gente é sem vergonha… a gente é que não presta! É mundo pegando fogo… E nós aqui na festa!" Ironia trágica do destino o cantor morreu de Covid. Quando vejo esse país bolsonarista e cafona negar a vida, eu lembro de certa vez, quando num aeroporto uma equipe de televisão ao acompanhar tal apresentadora, após ela ter fretado um avião para levar os seus amigos à comemoração do seu aniversário na Disney, coincidentemente esbarrou com o Falcão, outro ícone brega. Ao ser respondido sobre o motivo de estarem ali, Falcão cunhou: “Depois o brega sou eu!”

domingo, 3 de janeiro de 2021

Um Filme Sobre Música



This is London Calling

 

O som das vozes de crianças e adultos conversando descontraidamente durante os créditos nos dão a sensação de que estamos num domingo. Um sopro convida à guerra como o toque de uma alvorada, pois é hora de levantar-se para lutar. Um violino surge na tela e retornam os sons idílicos. Não é um filme sobre guerra; veja bem, é um filme sobre música. No decorrer dos seus dezenove minutos veremos que todo ele se compõe de três elementos: prazer, trabalho, e a natureza como respiro.

Leonard Brockington ocupa o primeiro plano com o poema Listening to Britain. Ele declama a obra onde diz ser canadense e ouvir os sons da Grã-Bretanha noite e dia, além de lembrar um respeitado americano que comentou sobre o poder desse povo. São estrangeiros; portanto, mais confiáveis, pois falar das próprias qualidades não soa bem. Nos tempos idos focados aqui, um estimado senhor funcionário público de meia idade, como Brockington, exalava mais credibilidade.

O distinto cavalheiro canta as referências musicais de Listening to Britain olhando para a câmera. “Você irá ouvir os compassos de todos juntos numa grande sinfonia e o hino matinal e os brados dos caças Spitifires.” Esqueça a propaganda nazista da alemã Leni Riefenstahl em Triumph of the Will, a sua idolatria não será vista. Muito menos o discurso virulento do americano Frank Capra em Why We Fight, outro propagandístico. Os propósitos dos realizadores Humphrey Jennings e Stewart McAllister de Listening to Britain em nada se comparam aos referidos acima. Preste atenção, este é um filme sobre música.

“As pessoas irão dançar no Great Ballroom em Blackpool, assim como o espectador há de ouvir o tilintar das máquinas e dos trens. A BBC irá levar a verdade ao mundo…” é como se ele dissesse que a rede é detentora da veracidade e que o certo estará conosco. “Os trompetes chamam para a guerra… é o canto de uma grande nação e das primeiras notas da marcha da vitória. Eu e você vamos ouvir a Grã-Bretanha…” no fundo parece dizer: “Não se esqueça, este é um filme sobre música.”

Surgem os campos que apaziguam os ânimos. Duas mulheres trabalham com um homem numa plantação. Pode ser que tenham ocupado o lugar de homens que seguiram para o combate. Em cena observam aviões cruzarem os ares sobre suas cabeças, assim como alguns soldados também o fazem. Ao contrário das mulheres ornamentais dos nazistas, em Listen to Britain as mulheres desenvolverão papeis fundamentais.

Uma mulher põe um candeeiro numa janela e a BBC entra no ar com o primeiro raio da manhã. Vemos ondas tranquilas ao soar de um acorde da orquestra. Dois soldados à meia luz contemplam o horizonte bucólico. Outro soldado veste um paletó. Na porta de entrada do baile no Great Ballroom está um cartaz onde se lê um aviso que soldados uniformizados têm direito à meia entrada, ou seja, quem luta ainda ganha privilégios. Novamente… a música.

Mareada uma multidão de casais ondeia por um salão enorme. A câmera fixa enquanto se movem. O recado implícito: “Nos apoie… Aqui nós dançamos e quem sabe você consiga uma nova paixão!” Vemos uma menina sorrir ao se recusar mostrar uma foto sua a um soldado e a outras duas jovens. Outro soldado sorri para outra garota. A banda ataca um tema sobre barris de chope. “Em nossa guerra, você irá dançar, namorar, e ainda beber uns copos…” lemos nas entrelinhas da imagética. “Traga um barril de chope, triste nós não vivemos, não…” diz a canção. Ah… sempre a música.

Acabou a festa. Os soldados põem os seus capacetes e mergulhamos com eles na escuridão em frente às águas. O breu é o leitmotiv do trabalho. Surgem homens carregando candeeiros. Poderia nos informar o locutor da BBC: “Nós sabemos a hora de voltar ao batente!” O dia recomeça. Um homem na semipenumbra espreita a chegada do trem. Soldados acompanhados por uma guitarra e um acordeão entoam a cançoneta tradicional onde se fala em ser feliz num lar doce lar. Um deles com o seu enorme cigarro nos lábios conta sobre o flerte de um amigo com uma garota. Estamos longe da caretice e disciplina nazista. Ali você vai beber, fumar, cantar, dançar, namorar, e ser feliz.

O homem deixado na semiescuridão retorna e o trem parte para o negror da madrugada. Agora estamos num local onde homens trabalham na montagem de um Spitifire – um orgulho nacional. Um dos aviões ao ganhar os céus some no escuro. Somos levados para a estação das ambulâncias; uma senhora fardada com voz soprano canta ao piano, as suas amigas de labuta acompanham compenetradas a sua performance. Duas delas fazem crochê na primeira fila, seus capacetes estão pendurados, o que é um indício de pausa no trabalho. Os olhares absortos não contemplam tiranos como o Hitler do filme de Leni Riefenstahl, e sim artistas cheios de lirismo.

Escuridão e sinos de uma capela ao amanhecer. O locutor Joseph Mcleod anuncia: “This is London Calling…” Mar e nuvens se misturam com indústrias e navios. O chamamento em vários idiomas. Os candeeiros reaparecem. Sinos ressoam junto do bom dia aos soldados. Caí o pano. Amanhece numa paragem do interior. Ouve-se o cantar de pássaros e insetos quando surge a carroça em frente às chaminés da indústria. Vemos homens e mulheres chegando ao trabalho no início do dia. Uma música fala sobre pressionar enquanto um orgulhoso homem ereto cruza a esquina em direção ao emprego. A sua postura nos diz: “Trabalhamos felizes!”

Ranger de máquinas, imagens de folhas, e música; “não é só pegar no pesado.” Corta para uma senhora numa casa estilo suburbana que põe a mesa do café com um sorriso no rosto. Ela olha pela janela e vê um grupo de crianças formadas em pares que dançam e brincam ao bater das teclas do piano que martela a melodia pueril. Olha para um retrato sorridente, nele está um jovem uniformizado, ela transparece orgulho em seu olhar como quem diz: “Lute por nós.” No pátio os infantes continuam a coreografia. “Na Grã-Bretanha você dança, canta, toca…”

Carros com soldados e suas armas e tanques cruzam a rua para nos lembrar que estamos em guerra, mesmo que o sorriso infantil da menina com os dentes expostos nos fale sobre alegria. Imagens do alto. A rádio está no ar e agora chama os operários. Inserções da cidade culminam embaixo de um viaduto. Um interior fabril está repleto de mulheres. “Música para trabalhar!” o locutor informa. As operárias cantam ao limparem as peças e sorriem timidamente quem sabe por causa da presença da câmera, mas mostram satisfação.

É hora do almoço. Soldados comem em pé. Mulheres pegam os seus pratos. A famosa dupla de vaudeville Flanagan e Allen canta no Music Hall. O cardápio exposto na tela; batatas, pudim de limão, salsichas etc. Outra música que fala sobre felicidade e um lugar onde ninguém é triste e para onde todos querem ir. O auditório está cheio de homens e mulheres da classe trabalhadora. Estes artistas populares alcançam um genuíno momento de comunhão entre as pessoas. Todos cantam ou assobiam felizes.

Já no National Gallery o clima é solene, com o público sentado e bem comportado atencioso à música da orquestra. “Temos músicas para todos os gostos e classes!” Surgem os violinistas e os sopros. Um cartaz avisa estarmos perante a orquestra da força aérea. O público é outro. Mulheres fardadas, descontraídas e independentes almoçam nas escadas. Soldados contemplam quadros. “Temos cultura, somos sensíveis.” Eles são diferentes dos nazistas que odeiam os judeus por estarem ligados ao pensamento e a individualidade. Representam o espírito da Grã-Bretanha. A famosa intérprete Myra Hess está sentada ao piano.

O foco em materiais de trabalho em outras salas; pás, sacos de areia para barricadas, e baldes para incêndio nos lembram: “Estamos alertas!” No concerto senhoras bem vestidas em meio a homens fardados. O soldado em frente ao quadro, e a moça com olhar lânguido contemplam a música, ela encostada a uma pintura. Na plateia está sentado um soldado de cabeça enfaixada, talvez ferido em combate. “O que nos importa é a música!” os seus olhos dizem. A embevecida rainha sorri com o seu colar de pérolas no pescoço enquanto acompanha à impecável apresentação.

Estamos de novo na rua. Árvores e o zepelim em seu voo ao fundo. Pessoas caminham num dia ensolarado. Vemos a arte das esculturas e da arquitetura espalhadas pela cidade. A estátua de um antigo herói com a sua espada, e em seguida na passagem para o futuro, um marinheiro de costas. Novamente o zepelim, mas desta vez acima da fumaça derivada do trabalho. O fumo serve de orgulho, pois é o resultado do esforço individual e coletivo, apesar das abstrações. A música clássica continua com os seus violinos e nos conduz para dentro de uma fábrica onde se constroem tanques de guerra. Ali as mulheres trabalham tão duro quanto os homens.

A marcha invade a tela. Não como a sua contraparte do filme nazi, mas sim com sua cadência mais leve, sem a chatice da sisuda disciplina de Hitler e companhia. A banda marcial cede espaço aos homens que trabalham na fundição. Voltamos para o vapor que sobe para o ar. Temos o retorno da natureza e as chaminés das fábricas enquanto a música finalística e apoteótica cantada em coro a plenos pulmões fala que a Grã-Bretanha é forte e que o seu povo nunca será escravo e irá reinar. “A nossa guerra é justa e ao nosso lado você vai beber, fumar, cantar, tocar, dançar, se apaixonar, e viver num lugar onde todos são felizes.” Diferente de Triumph of the Will que começa no céu, Listen to Britain termina no céu. Mais tarde a guerra seria vencida pelos aliados.

A música venceu.

 

 Listen to Britain

 

Se Triumph of the Will de Leni Riefenstahl coopta o público através da adoração a um homem, Listen to Britain ressalta a liberdade singular. A empreitada é distinta à de Frank Capra que também empunhou suas lentes contra o nazismo; e se este sensibiliza através da força no melhor estilo jornalístico americano, e Riefenstahl no viés da pregação ideológica do partido nazista, Humphrey Jennings e Stewart MacAllister capturam os sentidos dos britânicos.

Não é uma ode ao lugar de fala; de pertencimento, ou a uma causa como hoje em dia se encontra em voga no âmbito do discurso social, mas sim de quem é a pessoa dentro do grupo. As idiossincrasias e interesses de cada membro são postos em destaque. Entenda-se por isso, os seus maiores prazeres, e não apenas os relacionados a servir à sociedade ou à comunidade em que se está inserido. É uma negociação com os indivíduos, mesmo quando isto soa como propaganda enganosa, como costumamos dizer atualmente. Listen to Britain não apela ao rumo de um país, e sim de uma vida.

Ninguém vai se anular ou renunciar as suas vontades egoicas. Com tal construção a clientela é manipulada sensorialmente. Não é preciso se erigir como um falo e renegar aos seus desejos para ser parte do todo como sugere Triumph of the Will. É possível perder tempo no ócio da contemplação. Em Listen to Britain não existem apenas deveres, mas também direitos. Não é uma declaração de guerra, ou uma campanha de ódio, na verdade é um apelo sedutor aos olhos, corações e mentes. Listen to Britain seduz através do estilo de vida reverenciado.

Difícil acreditar que os britânicos fossem tão felizes em tempos de guerra, embora esta ideia seja veiculada. O filme imbuí no espectador a vontade de viver sua quimera. Listen to Britain está mais ligado à propaganda que viria a se desenvolver tempos depois. É a mesma que hoje vemos na venda de um carro ou de um xampu.

Listen to Britain vende um estilo de vida. Uma panaceia possível apenas no escapismo de uma sala de cinema ou nas páginas de um romance. É como um videoclipe de música pop que exalta um viver que nem mesmo as suas estrelas possuem. O seu poder de persuasão salta aos olhos, e faz com que muitos admiradores da imagem se sintam enaltecidos com a sua construção harmônica, parafraseando o próprio filme.

 

Bibliografia:

 

Listen to Britain, 1942 Direção: Humphrey Jennings e Stewart McAllister – Tempo de duração: 20 minutos. IMAGE ENTERTAINMENT, 2002

Bill Nichols/Introdução ao Documentário; tradução Mônica Saddy Martins. – Campinas, SP: Papirus, 2005. – (Coleção Campo Imagético)

Fernando Mascarello (org.) /História do cinema mundial/Fernando Mascarello – Campinas, SP: Papirus, 2006. – (Coleção Campo Imagético)

Saunders, Tom, “Filming the Nazi Flag: Leni Riefenstahl and the Cinema of National Arousal”, Quartely-Review of Film and Video, Vol.33, Nº 1, pp. 23-45

Susan Sontag/Sob o Signo de Saturno – Tradução de Ana Maria Coppovilla e Albino Poli Jr. L&PM Editores – Brasil 1986, pp. 59-103

Wagner Pinheiro Pereira, O Império das Imagens de Hitler – Universidade de São Paulo – 2008

https://www.academia.edu/44829030/UM_FILME_SOBRE_M%C3%9ASICA

sábado, 26 de dezembro de 2020

Eu Vi o Paul McCartney no Metrô...



Ninguém deu bola. Estava ali sentado lendo, e se espremeu como todo mundo na hora da saída. Deve estar curtindo um pouco a vida depois daquela loucura de beatlemania. Voltou a ter um cotidiano normal. É uma pessoa comum, agora. Mas será mesmo? Ou ele ainda é o Paul McCartney que faz parte da história da música mundial? Na saída da estação o vi se afastar tranquilo com a sua bolsa a tiracolo e o seu jornal. Coincidência ou não, “Drive My Car” tocava num desses carros pretos enormes, ocupando espaço, fazendo barulho, e poluindo a cidade.

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Mais um Dia de Verão...


A brisa que passa, na beira da praia, no rastro da onda do mar

Deixando um lastro, de luz solar

É um atropelo, do que está para chegar

O destempero, que vem acomodar

Dentro do quarto, no escuro da tela, eu quem te vejo dormir

A visão mais bela, daqui da janela, é sempre você a sorrir

Futuro sem trela, numa esparrela

Todo o prazer vem daqui

Vamos mergulhar na escuridão do mar

Fazer amor até o dia raiar

Em teu calor e sem saber nadar

Chegar tão fundo até o sol brilhar

A vida que resta, a tarde da sesta, é mais um dia de verão

A sua mão destra, a rede na aresta, o rés desnível do chão

Biquíni aperta, eu quem não presta

Você chamando a atenção

Todas as férias, com alguma féria, então será sempre assim

Na casa fresca, de segunda a sexta, dentro do meu pixaim

Com ânimo dobre, você quem resolve

Por mim nunca mais vai ter fim

Vamos mergulhar na escuridão do mar

Fazer amor até o dia raiar

Em teu calor e sem saber nadar

Chegar tão fundo até o sol brilhar

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Nelson e Otto...

             Esses dois sujeitos mal-ajambrados caminhavam numa rua do centro baforando os seus mata-ratos importados do Paraguai, quando uma viatura apinhada de policias com braços e armas de fora se aproximou. Uma voz gritou: “Polícia!” Nelson comentou entredentes para Otto: “Como se a gente não soubesse.” O policial ao sair do carro disse para os dois – Documentos! - Nelson se preparava para pegar a carteira no bolso detrás da calça, quando ouviu a pilhéria do amigo – Só temos instrumentos… – o policial se virou para os dois irritados.

 – O que foi que disse cidadão? – Eu disse que está aqui. Otto respondeu enquanto o amigo suava frio. O homem perguntou: “Vindo de onde indo para onde?”, “Atrasados para uma entrevista de emprego, doutor.”, “Tem certeza de que estão procurando trabalho?” o policial franzia o cenho enquanto conferia os documentos. De repente os outros policiais acenaram para que o colega se fosse. Devia ter surgido alguma ocorrência. O soldado devolveu os documentos e disse: “Se adiantem cidadãos!”

Os dois chegaram ao rabo da fila que dava volta no quarteirão. Homens e mulheres com expressões cansadas e olhares sonolentos. Nelson disse para o amigo: “Mas Otto, como aquele policial pôde me chamar de cidadão se o meu auxílio é tão pouco?”, “É mesmo, como é que pode?” o amigo respondeu enquanto mais gente parava atrás deles. O senhor que vendia cafezinho cochilava com a TV ligada. Uma mulher próxima abria a boca num bocejo.

Na televisão um político dava entrevista num desses jornais que pegam o trabalhador ao sair da cama. Ele dizia: “O homem da rua sabe do que eu estou falando!” Nelson tentava acender a guimba quando disse – Otto, será que quando fala sobre o “homem da rua” ele está se referindo à gente? - “Creio que sim, Nelson. Creio que sim.”, “Otto, o que você prefere, ser um homem da rua, ou um cidadão?” Otto como um personagem de novela coçou o queixo antes de responder: “Nelson, com sinceridade. Eu acho que prefiro ser chamado de cidadão. É mais moderno!”

As vagas oferecidas não passavam de setenta, mas havia um mar de pessoas encostado naquelas paredes. Foi quando apareceu um morador de rua. Ele carregava sua sacola nas costas, e era uma espécie de “homem do saco” com o qual as mãos atemorizavam as crianças antigamente. Usava barbas longas e estava todo sujo. Parou à frente da fila na altura em que os dois amigos estavam e disse – Vocês só querem trabalhar com a caneta… Na pedreira tem vaga! - parte dos desempregados desabou numa gargalhada contagiante. Nelson comentou com o amigo – Otto, olha como é o humor do povo brasileiro! Mesmo na desgraça ele faz piada! Olha a veia cômica do brasileiro!”, Otto perguntou: “Mas então Nelson, o que você prefere: homem da rua? Homem do povo? Ou Cidadão?” Nelson pensou um pouco e respondeu - Eu fico com homem do povo. Sei lá, soa mais original!

Um helicóptero de noticiário da manhã sobrevoava o lugar onde estavam como que para fazer alguma matéria. Desceu de um carro o homem de óculos; celular numa das mãos, e uma revista Piauí na outra. Ele se dirigiu a eles - Os senhores podem me informar que fila é esta aqui? - Nelson mais escrachado respondeu: “Só se o senhor emprestar a revista para passar o tempo!” O homem entregou a publicação mensal sem pestanejar. “É uma fila de emprego para faxineiros de uma cadeia de lojas.” O sujeito falou no aparelho espreitando a aeronave: “É uma fila de emprego.” Eles ouviram a voz do outro lado – Os populares disseram isso? - Sim! ele respondeu e partiu.

Agora Nelson e Otto estavam vidrados na revista. “Então Otto, nós somos cidadãos, homens da rua, homens do povo, ou populares?”, Otto respondeu: “Eu acho que nós somos isso tudo, Nelson!” O amigo disse: “É por isso que te admiro, Otto! Você representa a inteligência brasileira!”, “É, mas agora para que ela seja mantida necessito de um café.” Nelson contou as moedas e viu que a quantia estava certa para a passagem da volta. Então leu uma frase na revista, se virou para Otto e disse: “Imagine-se num barco num rio com árvores de tangerina e céu de goiabada!” Otto lendo a revista respondeu por sobre os seus ombros: “E bebendo tubaína!”. Nelson ao perceber que o amigo descobrira o plágio disse: “Otto, ainda serei um frasista como você!”. Nesse momento um funcionário da empresa apareceu - “Vamos organizar a fila!”, “Amém!”, disse uma voz sufocada por uma máscara.