sábado, 20 de outubro de 2012

Na Casa do Tim

Eu fui a casa do Tim. Ele estava sentado num sofá assistindo televisão. Gordo igual um buda. Uma profusão de crianças correndo para todo lado. Sobrinhos, vizinhos, netos, talvez. O Tim me disse: sem cerimônia, Magrão. O Tim me chamava de Magrão. Ele empurrou o gato que estava ao seu lado. O bichano saiu num pinote em disparada para fora da casa. Eu havia imaginado outro cenário. Pensei que nós íamos para um estúdio cheio de instrumentos pendurados. Não havia privacidade. A tevê no último volume. Ele gritava com as crianças. A menina correu pra rua! Veio uma mulher da cozinha que parecia ser sua irmã. Ela perguntou: vamos comer rabada, Tião? Ele disse: vamos, o Magrão quer provar da tua rabada! E depois disse a ela: esse aqui é um cantor amigo meu, cuidado que cantor é tudo calhorda! Ela deu um risinho e voltou para a cozinha. O Tim em casa era um patriarca. Ele pegou uma lata e começou a enrolar um baseado. E me disse: se quiser mete a mão que do meu você não fuma. Eu fui cheio de esperança de falar sobre música ou quem sabe fazer alguma. Era uma terça feira. E fomos levar uma porção de crianças na escola. E depois fomos ao supermercado. Na volta ele tirou a camisa. Nunca pensei em ver aquela famosa pança preta. Aos poucos comecei a relaxar e a aproveitar o momento, e esqueci o negócio da música. Ele contava histórias engraçadas sobre os músicos. Era um comediante nato que dava a entonação certa imitando as pessoas. Depois que fomos buscar as crianças, o Tim me levou a um ponto de ônibus, e nós nos despedimos. Logo após fiquei sabendo que ele havia morrido. E me veio a mente aquela tarde tão agradável. 

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

O Artista

Antigamente no subúrbio, quando a criança aprontava alguma peraltice, a mãe dizia: para de fazer arte menino! A criança era tida como arteira. Os malandros chamavam seus chegados de artista. Mas nem todo mundo que faz arte é artista. Nem todo mundo que trabalha com arte é artista. O ator Marlon Brando dizia não ter amor a arte, e que se o pagassem para ficar sem fazer nada, ele ficaria sem fazer nada. Billie Holiday ao ser indagada se sabia cantar, respondeu: e quem não sabe? Tem gente com livro editado, filme pronto, peça ensaiada, quadros expostos, que não é artista. Eu assisti a uma aula em que um professor de filosofia disse que um diploma não faz de ninguém um filósofo. Como Chico Science dizia, computadores fazem arte, e artistas fazem dinheiro. Hoje em dia com a facilidade tecnológica, existe uma enxurrada de gente fazendo arte. Mas são raros os verdadeiros artistas. Conheci pouquíssimos com aquele brilho no olhar. Embora esta frase seja um clichê, não deixa de ser verdadeira. O verdadeiro artista não se preocupa com nada. A única certeza que tem, é a de se dedicar e aperfeiçoar o seu ofício. Pois não tem tempo a perder. Igual aqueles filósofos antigos que não se casavam para não suprimir o tempo dedicado a  filosofia. O escritor Charles Bukowski dizia não ter tempo nem para cortar as unhas. O verdadeiro artista pensa como artista, e se movimenta como artista. É como se o mundo fosse a sua tábua de criação. Como Henry Miller dizia: eu leio o mundo. Fama, dinheiro, e reconhecimento, podem fazer parte da vida mundana de um artista. Ou ser até uma necessidade para que continue propagando a sua arte. Mas não são preponderantes no resultado final de sua obra, que tem um valor abstrato para si mesmo, muito maior que esse temporal.

"A arte pertence ao inconsciente! O Artista deve expressar a si mesmo! Expressar a si mesmo diretamente! Não seu gosto, sua educação, inteligência, conhecimento ou habilidade". Schoenberg.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

2003 Foi Um Ano Ruim

Eu tava magro. Nunca tive tão magro em minha vida. Todo mundo me perguntava se eu tava doente. O meu cabelo não parava de crescer, e eu não sentia nenhuma vontade de cortar. Eu vivia com o meu pai. Ele saia de manhã para trabalhar. Deixava alguns trocados para o pão em cima da mesa. Voltava à noite. Ele me dava boa noite e ia dormir. Eu olhava para as paredes descascadas do quarto, e pensava no que fazer. O que eu ia inventar agora. Todo mundo some quando se começa a envelhecer por baixo. Depois os putos reaparecem para relembrar a velha amizade. Seres humanos. Ninguém tocava a campainha. Ninguém me telefonava. Eu ia a biblioteca pública do bairro, mas já havia lido quase todo o seu pequenino acervo. Um urubu sobrevoava a casa. Eu queria me matar mais não tinha forças pra isso. Então me sentava em bancos de madeira, até a minha bunda criar calos, esperando ouvir alguma coisa que me tirasse daquela procrastinação. Nada. Final de semana eu arrumava uma nota de cinco, e me juntava com algum tipo derrotado. A gente ia ao supermercado, escolhia o vinho mais barato, e virava uma garrafa quente do gargalo. Alguma coisa me dizia que eu tinha que continuar. Viver é tão absurdo, mas ao mesmo tempo tão maravilhoso. Não me pergunte por que. Nessa época eu tive uma ideia de algo novo que podia fazer. Consegui me reinventar. Descobri que não existe luta, e que é preciso ter paciência.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Para Aonde Foram Os Crackudos?

Para aonde foram os crackudos. Hoje eu fui a Biblioteca Parque Manguinhos, e não vi nenhum deles por lá. As ruas estavam limpíssimas. E os traficantes, será que mudaram de ramo. Como uma população inteira evapora. Não que eu me preocupe com isso, pois como qualquer cidadão mediano, eu não me preocupo com ninguém. Mas queria saber. Só por curiosidade. Será que eles ascenderam, como dizem que aconteceu com algumas civilizações antigas. De repente eu estava lá, entre o Jacaré e o Manguinhos. Duas favelas pacificadas. Vi a polícia montada, como na época do Bota Abaixo. Vi o frisson das crianças querendo aparecer na televisão. Tia, vocês vão filmar aqui. As velhinhas felizes da vida. De repente percebi que estava sendo contagiado por aquele clima de Copa do Mundo, de Réveillon, e de Natal, em que mesmo os ateus comemoram. Percebi que era hora de voltar para casa. Pois quando a conta chega, sempre bate o arrependimento. Normalmente ela vem acompanhada da ressaca. E a ressaca moral é a pior delas. Quando você percebe que bebeu demais. E que a festa nem foi tão legal assim.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

MPB FM vs. Rádio Roquette Pinto

A JB FM era a rádio número um com selo de “bom gosto”, junto da Antena 1 Fm. Mas a JB se propôs a dividir o bolo com a música brasileira e saiu na frente. Aí alguém da MPB FM sacou que se só tocasse música brasileira alcançaria um público sedento. E hoje ela ocupa o lugar que era da JB. É a mais tocada nos consultórios psiquiátricos. Mas tenho sentido a força da Roquette Pinto. Talvez pelo fato de ser uma empresa pública, ela possa apostar num tempo diferente, com espaço para intervenções de seus apresentadores, que em alguns programas lançam comentários críticos e históricos sobre o que tocam. Além disso a Roquette aposta no lado B da MPB, e no que existe de mais sofisticado na música universal. No momento em que escrevo estas palavras estou ouvindo Andrea Doria da Legião, que é uma música quase lado B. Já a MPB tem optado, com raras exceções, por uma programação mais lado A. E mesmo em alguns programas como o Pop Rock Brasil, eles metem algumas músicas saturadas, quando podiam se aprofundar mais um pouco na década de oitenta, que acredito eu, ouvinte assíduo do programa, seja a vontade da maior parte. Existe uma introdução disso, mas quando o ouvinte se empolga, eles recuam. Embora a rádio tenha um papel importante para os artistas da MPB, ela podia ousar mais. Inclusive com artistas verdadeiramente independentes. Não tenho esperança de ver uma música minha em nenhuma das duas rádios. Não existe uma ouvidoria. E acho que diferente do que as rádios dão a entender, as coisas não são tão fáceis para quem grava seu próprio material, e não tem o respaldo de um produtor ou uma gravadora, mesmo que independentes. Mas hoje talvez o ouvinte da MPB seja um potencial ouvinte da Roquete Pinto, que tem afinados muitos ouvidos, inclusive os meus.

P.s: não estou me justificando, mas não me apeguei a pesquisas, e sim a minha percepção de um público ligado a música popular brasileira. Numa análise mais completa, eu não poderia deixar de citar as formidáveis Rádio MEC FM e a SulAmérica Paradiso.

domingo, 14 de outubro de 2012

Eu Enfiei a Cabeça Dele na Lata de Lixo!

Todo dia eu venho a esse supermercado e ele fica me olhando. Eu estou a essa hora de chinelo e de bermuda com esse cabelo. No mínimo não estou pegando no pesado. E na visão dele o trabalho enobrece o homem. Ele não sabe que neste momento, só de olhar para ele e pensar sobre, eu estou trabalhando como escritor. Ele não sabe que eu sou escritor. Ele deve pensar que eu sou sustentado por minha esposa. Mal sabe ele que nesse quarteirão e no outro, e talvez até nesse bairro inteiro, eu seja um dos caras mais felizes. Por causa da minha liberdade, e de viver do jeito que sempre sonhei. Ele me olha e talvez não vá com a minha cara porque eu tenho cara de maconheiro. Isso justifica alguma coisa em sua cabeça. Ele me encara de cara feia, porque sente inveja da minha liberdade. Eu saio de fininho para não arrumar confusão. Mas em pensamento, eu enfiei a cabeça dele na lata de lixo!

sábado, 13 de outubro de 2012

Chico Buarque de Holanda

A minha vó me perguntou uma vez o que eu queria ser. Eu disse a ela que eu queria cantar samba e tocar violão igual aos pretos do morro. Agora eu estou aqui no meio dos pretos do morro. Intimidado com a viola no saco. E tenho a sensação de que estou clareando a noite. Os meus olhos claros que na beira de praia fazem tanto sucesso, aqui só fazem chamar ainda mais atenção para a minha pessoa exótica. Todo crioulo que me cumprimenta diz: e aí surfista? E talvez surfista seja uma forma de não me chamar de playboy. Ela requebra. Ela me olha. Eu dou um sorriso tímido com o canto da boca. O trafica encosta em mim e me diz: a tua papinha não é surfista? Eu digo: não, nada a ver, aí! Ele diz: qual é surfista, vai querer enganar nós? Eu calo. Ele me deu a melhor erva do morro. E disse: essa é só pra morador! Agora vem o homem gordo diretor da escola. Ele beija a mão da preta. Ela olha para a mesa como que para ter a minha aprovação. Eu sou um estorvo. Acendo um cigarro e encho o meu copo. O traficante gostou de Quem Te Viu Quem Te Vê, e disse: maior realidade aí... E depois ele contou uma história imensa sobre um caso dele com uma passista. Ele se identificou com a música, agora nós temos algo em comum. E toda vez que eu venho à quadra ele quer conversar. Ela está rebolando e olha direto na minha direção. Não consegue mais disfarçar, e eu estou com medo que eles fiquem chateados. Agora aquele crioulo mais velho cismou com ela. Ele parece querer que ela sambe com ele. Mas ela balança a cabeça e me olha novamente. Eu não posso me meter. Quem sou eu? Magro e desarmado. O trafica se levanta e caminha para o centro da quadra. Ele segura o coroa e daqui posso ler seu lábio. A mina tá com o cara! E me aponta. Ela vem. Depois o trafica. Ele diz: aí surfista, tá em casa aqui, você pode ficar tranquilo. Eu só consigo dizer: valeu... Ela me puxa e a gente vai sair. Ela não fala com ninguém. Eu penso. Sou eu, só quem sabe dela sou eu! Isso dá música.