Não tenho dinheiro. O meu trabalho é uma droga. Ninguém vai com a minha cara. O mundo é uma merda. Eu pensava todas essas coisas. Depressão. Não conseguia me concentrar na formiga subindo a parede. Dor no estômago. É a ansiedade quando sufoca. Então disse a mina: tô ansioso. E ela: vamos ao médico, essa merda mata! Entrei. Clínico geral. Branco. Cabelos grisalhos. Sessentão. Ele me pergunta: senhor, qual é a tua doença? E eu: ansiedade. Ele me olha irritado. Depois diz: tem que ir num psicólogo! Então respirou e refez a pergunta: senhor, o quê está sentindo? Ansiedade. E ele: tira a camisa e deita ali naquela cama. Eu deitei. O homem de branco colocou uns fios em mim. Ele olha um aparelho e conclui: tudo bem. Eu levantei. Ele anotou umas coisas e disse: faz esses exames aqui. Apertou a minha mão, e bom dia. Eu fiquei com cara de ponto de interrogação, esperando que o médico se desculpasse, ou que me pedisse para voltar. A minha ansiedade aumentou. A minha autoestima diminuiu. E acho que na volta para casa me senti pior.
sábado, 26 de novembro de 2011
terça-feira, 22 de novembro de 2011
Milícia (Mal de Freixo)
Eu perguntei a ele: o quê você acha do prefeito defender a milícia? O cara falou
que elas resolveram o problema da violência em locais em que o governo não
chegava. Ele disse: não sei. Acho, eles sinistros. Ele mora num local onde tem
milícia. Olha a espuma no copo e acende outro cigarro. Eu pergunto: sinistros, como
assim? E ele: teve um dia desses que um moleque de dezesseis anos foi roubar em
outro lugar. Quando ele voltou não sei como, mas eles descobriram. Pegaram esse
moleque e a namorada de catorze. Espancaram até a morte. Não deram um tiro. Só
se ouvia os gritos. Num sei se isso é certo ou não. Os olhos dele brilham. Eu
digo: talvez, não.
sábado, 19 de novembro de 2011
Dia 20 de Novembro
Naquela família todo mundo
é preto. Eles estão na sala. Uns a favor. Outros contra. Onze pessoas. A tevê ligada
na teledramaturgia. O rastafári fala: cara, não há um viado preto com quem se
possa conversar nessa merda de país. Só um. Eles não entendem o que eu digo! A prima
do meio: mas os negros também não se dão o respeito... Já viu como esses putos entram
no ônibus? O tio mais velho: e os índios, cara?! O rastafári explode: eles que
se fodam! Eles que cuidem do seu próprio rabo. Todos têm que se defender cara. Os
índios, os viados, todo mundo. A prima diz: chamar de viado é preconceito! Ele balança
a cabeça como se não entendesse. A tia doutora numa timidez forçada diz: sou
contra cotas. Eu estudei em escola pública. O Rasta continua: já falei que não sou
contra cota pra pobre. Faça isso e os pretos serão incluídos. Depois que ele
diz isso de maneira incisiva, parece que chegam a uma trégua. E por alguns
segundos se instala o silêncio. Quando o primo gordinho faz um olhar de riso e interrompe:
aí primo, na novela quase não tem preto. O Rasta responde: é, mas tem uma
porção deles assistindo! A discussão recomeça. Com a mesma gritaria.
domingo, 13 de novembro de 2011
Bob Marley Desconhecido
Nós
andamos uma hora de ônibus. Trinta minutos a pé. Um tempinho para beber água e
ir ao banheiro. Ou seja, duas horas. Tudo para ver aquele que para a gente é um
herói, e pro mundo um completo desconhecido. Imagina um fã de reggae
conhecer alguém a altura de Bob Marley? era mais ou menos isso. Ele nos recebeu
na varanda. Parecia ansioso. Não conseguia se concentrar. O olhar sempre
perdido entre a tevê e o que estava dizendo. Num momento lá se levantou
para pegar o isqueiro, e seu amigo disse: ele não tá legal. Briga de família, coisa
de dinheiro... troço chato! Não parecia em nada com aquele cara que nós vimos pulando no palco. Era como se a porra de um gênio, tivesse preocupações
cotidianas demais. Infelizmente, verdade. Ele havia brigado com os irmãos. Um
treco desses. E isso me deixou deprimido. Aquele cara tinha que ficar sentado fazendo música, e não se preocupando com picuinhas.
Isso é para gente que não sabe a direção de sua vida. Quando nos levantamos, ele
disse: gostei de vocês. Por favor. Voltem novamente. É muito bom
conhecer alguém que gosta do que a gente faz. Quando pisamos a calçada, ela
me disse: tomara que ele fique bem. E eu completei: tomara. E ela: se
pudesse eu pagava esse cara pra ele só fazer música!
sexta-feira, 11 de novembro de 2011
Mas Continuo Doido...
Ele vende carro pra caramba.
Tem maior lábia. Não terminou o ginásio, mas lê o jornal O Globo para conversar
com os clientes. Já roubou som de carro, fumou e cheirou. Hoje fuma tabaco, toma
uma antes do almoço e outra depois do expediente. Batuca Jorge Aragão no
volante enquanto fala comigo. Ele se veste bem e comenta do perfume: conhece
esse? Antigamente saía fantasiado no Cacique de Ramos. Cumprimenta todo mundo
na rua. Toca pandeiro, e joga aquela pelada quinta à noite. Domingo vai com a "preta" e o filho na casa da cunhada, que faz o feijão do jeito que ele gosta.
Joga na maquininha, no bicho, tem sorte em tudo, até nas cartas. Além de ser
perito na sinuca. De maneira que já vi a rapaziada do morro abandonar a mesa
para não jogar com ele; que entre um pagode e outro, diz: larguei a vida doida,
mas continuo doido.
sábado, 5 de novembro de 2011
A Invasão
Ninguém morreu na porra daquela invasão, não morreu um moleque lá da área... Um
moleque da favela! Nenhum deles. Quando começou o tiroteio todo mundo foi pra
casa. Da entoca entra no beco e dá um assobio. Alguém abre a porta. Nós conhece a favela, né? Quem morreu era de fora. Os moleques de outras favelas, que
não conheciam o morro, e que ficaram perdidos. Eu vi dois deles... De moto... Os olhos
arregalados... Esses eu ajudei a fugir. Mas a maioria morreu. E
foi diferente dos números da televisão, é claro. Lá em cima do morro tava
cheiro de carniça. De tanta gente morta. Os porcos comeram tudo. Mas tiveram
uns que fugiram. Ele solta a fumaça e continua: eu saí tranqüilo. Não olhei nem
pra trás. Fui embora.
quarta-feira, 2 de novembro de 2011
Poodles
A menina mergulha na lata de lixo. O moleque espera.
Deve ter alguma coisa que preste ali. Tudo é lixo naquele lugar. Um cenário de
guerra, com homens mutilados e cadeiras de rodas. Ele assiste a cena de dentro
do ônibus. Tem uniforme, crachá, carteira assinada, e um tasco de um baseado
dentro do bolso. Não dá nem pra dar onda, ele pensa. Blitz. Um policial sobe no
lotação. Quando vê o cachimbinho de crack, sujo e enferrujado do moleque, ele diz
ao policial: aquele menor tem um cachimbo. O policial responde: não te
perguntei nada! Ele se cala. Depois diz: o Brasil não vai melhorar, eu tenho
certeza que o Brasil não vai melhorar... Quem disser isso tá mentindo. O Brasil
vai explodir e nós vamos morrer aqui dentro. Ele diz isso olhando para os
outros passageiros que se assustam. O policial ignora dessa vez. Depois ele se
lembra do poodle e fala: eu queria ser uma porcaria de um poodle. Alguém já viu
como essas madames cuidam deles? Eles têm até sapatinhos para não pisar no
chão. Eu queria ser a droga de um poodle daqueles. O policial diz: você quer
calar a porra dessa boca?! Um dos policiais revista a mochila de um homem que
subiu naquele ponto, e que vai perder 50 reais daqui a pouco. A menina saiu do
lixo e disse para o menino: nada! O motorista dá a partida. E ele diz
baixinho... Um poodle... A droga de um poodle!
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