quarta-feira, 12 de outubro de 2011
O Meu Blog É Um Deserto
O meu blog é um deserto. Túmulo desértico. Triste como a caatinga.
O sertão. O árido e o semiárido. O meu blog é uma solidão. Lotado de textos que
ninguém lê. Ou quase, ninguém. Alguns entram aqui por acaso, procurando alguma
coisa no Google. E ainda saem irritados, pois a palavra chave é a mesma; mas o
assunto, não. Milhares de textos dentro do computador. No armário. Quem sabe
obras póstumas pelas mãos de algum parente atencioso. A internet é um universo.
E dentro desse universo tem um lugar que é o meu blog. Terra improdutiva. Elefante
branco. Numa solidão só. Igual milhões de outros blogs. Sem consolo.
quinta-feira, 6 de outubro de 2011
No Meio do Dilúvio
Ela diz algo para todo mundo na fila. Ninguém dá a mínima para o
quê diz. Todo mundo só está preocupado com a própria vida. Tudo é mais
importante. O time. A festinha de aniversário do filho. A ração do cachorro.
Todo mundo tem com quê se preocupar. De repente dá um trovão e desce uma
pancada de chuva do céu. Eu também saio
correndo para me abrigar embaixo da marquise. E no meio do dilúvio, a velhinha
maltrapilha diz: eu avisei que o meu pai ia pegar vocês...
segunda-feira, 3 de outubro de 2011
Boca-Podre
Ele é barbudo. E treme. Treme sempre que bebe, ou antes, de beber.
Mas treme. Os meninos gritam para ele: Boca-Podre! Ele tem os dentes
estragados. É magro. E a mãe de olhos fundos, todo o dia faz um tour pelos
bares atrás dele. Mas nem sempre foi assim. Dizem que era engenheiro e coisa e
tal. Uma tia minha diz: ih, ele era bonito! E o meu tio: a noiva do Boca era um
pitéu... Então ele foi derrotado ou desistiu de lutar? Não sei. A história que
contam é que ficou assim por causa dessa menina. Uma ingrata que o abandonou na
porta da igreja. Assim mesmo. Igual em novela. E o Boca-Podre não soube
administrar o vexame perante a comunidade. Mas quando eu o vejo, tento
visualizar a cena do Boca chegando do trabalho, e passando na casa da
namoradinha para dar um beijo. Mas confesso que é difícil imaginar isso. Muito
difícil.
quinta-feira, 29 de setembro de 2011
Coisa de Momento
Eu sou soropositivo há vinte e cinco anos. Hoje em dia dá para se
viver com AIDS. O governo sabe disso. Mas eles não vão dizer isso na televisão,
porque se não vai ter uma porção de maluco que não vai mais usar camisinha. Ele
disse. E eu perguntei: Você se arrepende de não
ter usado camisinha? E ele: não, cara. O sexo é um momento. É coisa de momento.
Naquele momento ali, eu fiz isso.
segunda-feira, 26 de setembro de 2011
Homem-Maduro
Ela ficou impressionada com o homem maduro que conheceu na
internet. E disse as amigas: é... gente, eu prefiro homens maduros. E não me
engano! Até a voz dele no telefone era uma voz madura. Ela cresceu ouvindo
dizer que as meninas evoluem mais rápido que os meninos. E se lembra do
primeiro namoradinho. Quando disse a ele: para de correr para lá e para cá e se
suar. Sem graça, ele parou. E agora foi aquele cara. Mais de trinta anos e
morava com a mãe e só andava de bermuda e de calça larga, como se fosse um
adolescente. E ainda disse a ela: homem pra vocês é aquele com barriga de chopp
no sofá, e três filhos correndo pela casa. Ela ia pensando quando chegou à
entrada do shopping. Mas não ficou nada feliz ao ver um menino de dezesseis anos de
bochechas rosadas e sorridente, vestindo as roupas do seu homem maduro.
quinta-feira, 22 de setembro de 2011
A Minha Mãe É Babá, Mas Não Pode Ficar Comigo
Samuel espera que a sua mãe venha. Mas ela não vem. Ninguém vem à escola buscar Samuel. Ele fica grudado na grade. A cara de quem olha triste para fora. Quando chega uma prima. E essa prima gordinha tem quase a idade de Samuel. A menina se aproxima da mulher que fica no portão da escola. Hoje a mãe de Samuel não vai poder vir. A mulher responde entediada. Tá. Tudo bem. Samuel olha triste para a prima. Eles vão para a rua e Samuel pensa. A minha mãe é babá, mas não pode ficar comigo. Mas depois que a prima o convida para colar a bunda no papelão e descer no barranco, Samuel admite gostar de quando a mãe não vem.
segunda-feira, 19 de setembro de 2011
Uma Perna Branca Ou Um Minuto Na Igreja
Ele colocou a mão em sua perna. Ela disse: que merda é essa! Tá maluco? Pirou?! E ele escorregou a garra para fora daquela brancura. Seu irmão olhava a cena com nojo. Como se dissesse: você é podre! Enquanto ele pensava que talvez aquela porta fosse uma saída de emergência. Ela disse a ele: você ainda é uma criança. Uma criancinha. Não vem que não tem! Ele abaixou a cabeça e ligou o rádio da cozinha. Pôs uma música. Ela disse: tira essa música que esse cantor é um drogado. E você não tem idade para ouvir isso. Ele encostou-se à outra parede. O irmão pensava por que a sua mãe o
obrigava a conviver com aquele idiota. Incapaz na escola. Porque tinha que respeitar as mesmas regras de alguém que não conseguia ficar quieto um minuto na igreja. E não fazia nada além de balançar as pernas. Ele disse a ela: eu te amo. Estou apaixonado. Ela disse: ah, é mesmo? Então aproveita para comprar um quilo de batatas pra mim. Pega esse dinheiro que tá em cima da mesa, e traz o troco de volta! Ela continuou na pia descascando a cenoura. O irmão ficou parado próximo a porta sem dizer nada. E ele saiu pensando que estava um dia lindo, e que ia ser um saco ir para a escola outra vez.
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