segunda-feira, 12 de setembro de 2011
Eu Só Não Quero Voltar Pra Rua
Ele é um homem alto e forte. Com olhos fundos e feições índigenas
do Norte do Brasil. A pele tem a cor do cobre. Seria facilmente confundido com
um garimpeiro de Serra Pelada. Ele diz: eu só não quero voltar pra a rua. Eu já
morei na rua. Tudo bem. Não tinha inimigos. Quando eu acordava escondia o meu
cobertor em cima da árvore. Tomava café no posto. Mas sei lá. Não quero morar
na rua de novo. E se acabarem com aquele restaurante de um real vão me quebrar.
Vai ser mais gasto com supermercado. Aquela comida é feita por nutricionistas.
Eu tenho uma vida boa, rapaz! (aqui ele fica exaltado). Tenho uma qualidade de
vida excelente. Tem gente que tem dinheiro, mas não tem qualidade de vida. É o
que eu converso com a minha assistente social. Todo dia eu malho. A minha
glicose está equilibrada. Eu sempre pago o meu quartinho adiantado. Só que se
cortarem o meu benefício vou ter que morar na rua de novo. E eu não quero
voltar pra rua.
quinta-feira, 8 de setembro de 2011
Cenouras Hipócritas Ou Brasileiro Insensível
Vi aquela moeda de um real em cima da mesa. Ela estava solta e
separada das outras. Fiquei com pena dela. A gente nunca sabe quando vai precisar
de um real. Passa pra cá. Ela deu um pinote pro bolso. Era hora de passear e
ela se acomodou ali embaixo da carteira. Na rua da feira um cara me parou: tem
um real pra pinga? Gostei da atitude do bruto e arremessei a maliciosa para o
ar. Ela girou. Ele estava com a mão aberta. A bicha caiu na palma da mão dele.
Parei para comprar legume. Pensava na vida enquanto olhava aquelas cenouras
hipócritas. Uma menina parou do meu lado. Tio compra bananada. Balancei a
cabeça dizendo que não. Ela insistiu na esperança de me deixar sem graça. Tio
compra bananada. Automático disse: não, obrigado. Eu já havia dado a minha
reserva para outro tomar cachaça. Ela era uma criança fofinha. Daqui a pouco
aparecia alguém disposto a ajudar. O cara da barraca me olhou de cara feia. E
disse a ela: toma um real pra ajudar. Eu sou um brasileiro insensível.
segunda-feira, 5 de setembro de 2011
Rebuçado
Ele diz: eu fumo para aliviar
a minha dor. Eu sinto muito dor. Eu já o ouço dizer isso muito antes dessa moda
de fins medicinais, marcha e essa coisa toda. Contemplando o cais fedorento da
favela ele diz: eu fiz tanta merda. Roubei. Trafiquei. E não aconteceu nada.
Mas fiquei desse jeito de bobeira. Eu tava no ônibus vindo do baile, e veio
essa bala de fora. Até hoje não sei quem atirou ou por que. Ele sempre conta
essa história entre uma baforada e outra.
sexta-feira, 2 de setembro de 2011
O Livro
Eu comprei o livro. O meu irmão mais novo quis ler. E disse a namorada:
leia também. A mãe da menina leu o livro nas tardes em que não tinha o quê
fazer. Embora fosse um livro adolescente. A menina que agora era ex-namorada do
meu irmão, quando se mudou teve que doar os livros para a biblioteca pública
por falta de espaço em casa. Um menino que fazia o trabalho de escola tirou o
livro da estante. Gostou da capa e do resumo, e fez uma ficha na biblioteca
para pegar o livro emprestado. A irmã dele começou a ler o livro. Eu comprei o
livro novamente num sebo do centro da cidade.
segunda-feira, 29 de agosto de 2011
Tendenciosa
Ela subiu me
olhando. Não pude acreditar. Roleta e trocador. Fiquei sem graça. Tentei
disfarçar. Uma senhora com setenta anos ou mais. Ela pagou a passagem e eu
pensei. É óbvio demais que pare aqui na minha frente. Não teria coragem. Ela
irá sentir-se envergonhada. Mas eu tava enganado. No momento em que acabei de
tirar a biografia de um dos escritores que mais gosto da mochila, ela encostou.
OK. Levantei e dei o lugar. Ela: obrigado. E se ofereceu para segurar a minha
bolsa. Grato. Sei que se estivesse em pé, provavelmente ninguém iria segurar
nada. Na minha cidade é assim. Mas se ela andasse mais um pouco teria outra
pessoa. Qualquer um com menos de sessenta anos daria lugar a ela. Achei a escolha...
Tendenciosa.
quinta-feira, 25 de agosto de 2011
Favela Ocupada
Favela ocupada. Ele tava parado em frente a sua casa. Acabou de fumar. Veio um soldado e disse: pô aí tu num tem um baseado desse pra me arrumar, não? Ele gelou. Mas falou: tenho. Entrou em casa rapidamente. O soldado esperando. Ele suava com medo de que fosse uma armação. Mas se fosse não teria jeito mesmo. Era melhor arriscar. Entrou em casa e pegou um baseado. Deu para o soldado que falou: com todo respeito, sem querer abusar, não tem uma seda aí não, irmão? Tenho. Ele entrou em casa de novo. Saiu com a seda. Deu para o soldado. O soldado falou: valeu... E saiu andando. Ele respirou. Alívio.
segunda-feira, 22 de agosto de 2011
O Apontador Que Caiu No Chão
Eu tenho uma vida desgraçada. Simplesmente não gosto de estudar. E
por isso a tia da escola me odeia. O meu pai deu o fora com outra mulher e a
minha mãe ameaça tacar fogo na casa. Com meus irmãos e comigo dentro. A mãe de
um amiguinho paga a minha caixa escolar e me sinto humilhado por isso e pelas
roupas dadas. Odeio essa bolsa de couro velha que não combina com um menino que
devia ter uma mochila. Não sei se odeio andar maltrapilho. Acho que não. Odeio
mais ser achincalhado. Virar chacota por esse motivo. Não tenho videogame.
Lá em casa nós vendemos garrafas para comer ovo. Estou enjoado de ovo. E de angu também. Naquele quintal só se come
angu. Às vezes eu penso. Será que eu vou ser um adulto amargurado? Não. Acho que não. Pois quando eu voei para pegar o apontador que caiu no chão e devolvi
a menina, eu me senti o menino mais feliz do mundo. E ainda escrevi um conto
curto sobre isso.
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