sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

O Veneno da Natureza...

Nem toda fruta que se come tem sabor
Nem toda flor que se cheira tem odor
Nem toda fruta que se come tem semente
Nem toda flor que se cheira a gente sente
Nem toda fruta que se come é madura
Nem toda planta que se cheira é da pura
Nem toda a planta que se planta tem raiz
E nem tudo aquilo que se fala a gente diz
Nem toda casca diz quem é o alimento
Nem toda terra que se pisa é firmamento
Nem todo alimento tá próprio pra consumo
Nem toda bosta de vaca é pra insumo
Nem todo o interior tem o ar puro
Nem todo fruto que está verde está duro
Nem todo animal está pronto pro abate
E nem toda erva que se planta é erva mate
Nem tudo na natureza é uma beleza
Eu conheço o veneno da natureza
Nem todo o solo fértil é arado
Nem todo bife do bom é bem passado
Nem toda vaca louca é para o matadouro
Nem toda serra pelada vale ouro
Nem toda terra boa é adubada
Nem toda cratera saliente é apertada
Nem todo boi que eu conheço usa chifre
E nem todo gado de esquife é bom pra bife
Nem toda praia está imprópria para banho
Nem toda erva maldita leva cânhamo
Nem todo pica pau é amarelo
Nem todo chá de boldo é chá de cogumelo
Nem toda planta que se planta é pra queimar
Nem toda natureza é pra se preservar
Nem todo animal está em extinção
E nem todo veneno é pra incineração
Nem tudo na natureza é uma beleza
Eu conheço o veneno da natureza

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

A Cidade...

A cidade segue o seu rumo secreto
Existe algo que não funciona nem por um decreto
A cidade segue o seu ritmo diurno
A cidade segue o seu ritmo noturno
Eu não sei quem acelera de verdade.
Se é ela ou se sou eu.
Tem fiança quem atropela
E morte! Quem morreu?
A cidade se une em prol da sua crença
Desmorona em sua desavença
Na cidade tem quem manda
E quem é mandado
A cidade tem vítima
Não tem culpado
A cidade tem multa
A cidade tem tarifa
A cidade tem pedágio
A cidade tem rifa
A cidade tem ladeira
Cidade é marginal
Cidade tem velocidade
Cidade tem perimetral
A cidade tem defeito
A cidade tem excesso
Na cidade há quem veja
E quem não chegue perto!

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Três Minutos Naquela Rua...

esse preto que tá em pé tá com uma touca bordada. verde, amarela e vermelha. ele deve ter uns cinquenta anos ou mais. tá grisalho, mas parece o rosto de um menino no corpo de um homem. ele diz pro outro. mosquito maldito! o governo esconde os números... olha quantas mulheres grávidas... o outro sentado no meio fio pergunta... será que vamos ser dizimados? os outros não respondem. ignoram o seu comentário. passa uma menina branca magrinha de cabelo pintado de azul com uma camisa do Ramones. do outro lado da rua tem um bar, e dentro do bar três malucos. eles dançam ouvindo Vida Loka Parte Dois na máquina de música. eles dançam, e fazem cara feia olhando em direção ao outro lado da rua onde estão os outros três malucos. eles dançam como se tivessem fazendo uma apresentação para eles... Mas os malucos parecem impassíveis. eles estão com os olhos vermelhos de tanto pegar sol. sobe uma fumaça da churrasqueira. eles ficam encobertos pela fumaça que sobe da churrasqueira. esse cara mais velho tá com os dois dedos frente à boca. como se segurasse uma caneta. mas, não há nada ali... ele só está prendendo o ar. com as mãos. passam duas meninas conversando. uma delas pergunta: você já foi assaltada? ela vai dizer que não. acho que por causa da minha cor... o outro pergunta. vocês vieram de trem? Infelizmente... ele responde. viemos esmagados num vagão da SuperVia. porque não vieram de ônibus? você só tem essas duas opções? ele responde com outra pergunta. passa um moleque olhando para o chão. o cara que tá sentado no meio-fio pergunta. hei, moleque! tá procurando o quê? o moleque não responde. o outro diz. ele deve ter perdido alguma coisa. passa um cara correndo. o cara que está no meio fio grita. se eu pudesse gritar eu gritava. mamães: não deixem seus filhos na rua! o mais velho diz. qual é maluco tá ficando doido! quando explodem as sirenes... de bombeiro. e todo mundo que está na rua corre. para ver o quê é.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

A Rua...

De dentro do boteco vem o som da maquininha
Sentado no caixote, esperando uma quentinha
Um de cadeira de roda, outro de muleta.
Sentado no alambrado ou encostado na mureta
Mosquito no nariz derramado de plantão
Tem quem passe a vida toda procurando algo no chão
Mal tempo, clima tenso, rotina, levanta a blusa!
Tem velho, tem menina, porque todo mundo usa!
Ficha na maquininha, pilha no radinho.
Faz fila, abre a visão, não atrapalha o caminho.
Vagando ou andando sob o efeito zumbi
Deita-se não descansa quando cai é pra dormir
Sente o aroma da de galo vem guiado pelo cheiro
Mete a boca no gargalo desce o ralo do banheiro
Correndo e se debatendo com um tica nervoso
Tremendo se mordendo tipo um cão raivoso
Onde se vê mendigo ou cachorro faminto
Não há dama de honra cavalheiro distinto
O quê você vê na tevê ou então na internet
É o quê ali se vê e nunca se esquece
Faz rolo barganha, ganha qualquer dinheiro.
Na barraquinha tem bala, copinho d´água e isqueiro.
Na rua da vala, da linha ou do valão.
Na rua do campinho, da escadinha, ou do lixão.
Alguns são mortos e outros vivem encarcerados
Existem os que desistem e os que vivem mutilados
Seus complexos, neuroses, suas depressões.
Sujeito a divagações que apavoram os corações
Esperando o fim da guerra, dentro do mundo moderno.
Nesse cantinho da Terra, Rio de Janeiro, um inferno!
Naquela rua têm uns tipo psicótico
Naquela rua tem uns tipo neurótico (paranoico)
Naquela rua tem uns tipo eufórico
É lógico! É lógico!
De onde você é? Quem é você? Onde você mora?
O quê faz aqui? Passeando a essa hora?
Não vem mandado, ninguém passa batido.
Pra chegar ao farmacêutico tem que ter olho clínico
De dia o tempo fecha a noite brilha feito sol
Medida de segurança, por favor, pisca o farol.
Onde não tem ONG, nem igreja, nem estado.
Onde a vala é negra e os impostos são cobrados
Onde não tem padre, pai de santo, ou pastor.
Ansiolítico vicia na neblina do vapor
O círculo vicioso se ainda está vivo
Se dirige a farmácia toma um antidepressivo
Tem tido ansiedade sudorese uma dose
Joga na celulose não morrer de overdose
Na hora do recreio no intervalo da escola
Em busca de uma dola dentro daquela sacola
Na hora do almoço com uniforme do trabalho
Maltrapilho, esmolando, parecendo um espantalho
Na rua do sofrimento, ou na rua da amargura.
Dá soco, leva chute, toma tiro, leva dura.
Referendo, votação, maioridade penal.
Injeção letal, para a pena capital.
Sem a instituição da reabilitação
Masmorra, calabouço, cadeia ou prisão.
O quê não há em casa procura em outro lugar
Um beco sem saída para se chamar de lar
Cuide de você mesmo, não conte com o governo.
Se for bala perdida vai ter flor no teu enterro
A previsão é de mal tempo e de muito sofrimento
A esperança floresce, mas carece de exemplo.
Naquela rua têm uns tipo psicótico
Naquela rua tem uns tipo neurótico (paranoico)
Naquela rua tem uns tipo eufórico
É lógico! É lógico!

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Eu, Christiane F, e David Bowie...

tudo começou com Christiane. pois havia em sua casa dois álbuns do Bowie. o mesmo álbum. que nós ficamos ouvindo a tarde inteira enquanto elas se arrumavam. antes de irmos a Sound. isso foi antes de Christiane conhecer Detlef. eu deixava o disco rolar. e sempre que a agulha chegava ao final do disco. eu me encaminhava até o aparelho. pegava a agulha. e a levava ao início do disco. eu não queria que aquele disco parasse. Babsi veio até a porta e me mostrou a blusa, ela perguntou, gostou? balancei a cabeça dizendo que sim. ela disse na direção do quarto. Christiane, acho que ele gostou mais do Bowie! Christiane, gritou de volta. num te disse que todo mundo gosta, Babsi! eu disse a Babsi. igual dizem os críticos de jornal. ele possui uma sonoridade própria. ela entortou a boca como as mulheres fazem quando nós fazemos um comentário irrelevante. e voltou para o quarto. continuei sacudindo o pé esquerdo. em cima do joelho direito. nós fumamos um. e ficamos chapados ouvindo música. eu pensava naquele cara viciado em heroína que havia vendido sua coleção do Bowie. e sentia pena dele não poder mais ouvir o David Bowie.

domingo, 10 de janeiro de 2016

Quentin Tarantino – Os Oito Odiados...

Tarantino fala do bandido. da violência humana. ele é a voz do assassino. a voz da sociedade que se auto destrói. a sua violência não é a mesma violência chorosa dos filmes que vemos todos os dias. é a violência real dos assassinos e psicopatas que abatem seres humanos, como quando esmagamos formigas entre o farelo, e o papel de pão. é Lógico que Tarantino tem filmes como Bastardos Inglórios, e Tempo de Violência, que as pessoas vão querer assistir em todo novo filme seu. por exemplo, eu vou sempre querer assistir aquelas caretas do Brad Pitt de Bastardos Inglórios, e aquele nazista com a sua tortura psicológica. sempre vou querer ouvir os diálogos de Samuel L. Jackson com John Travolta, de Tempo de Violência. mas aí, é que está, Tarantino de Os Oito Odiados é o Tarantino da palavra. o Tarantino do ambiente claustrofóbico.  inóspito. com toda a tradicional violência que perde o sentido. Tarantino nos mostra isto, que a violência sequenciada, acaba não parecendo tão chocante, quanto parecia, assim como nas tardes televisivas brasileiras, como alguns seres humanos querem nos fazer supor. neste filme está todo o ufanismo americano. o ódio racial. o personagem de Samuel L. Jackson dá voz ao outro lado. a articulação das palavras na boca dos atores é clara, e objetiva, não sei se por causa da época, ou da região em que a historia se passa, ou se é um dos focos da direção.... mas você fica ali sentado. aquele tempo todo sem piscar. e quando acaba você pensa é o Tarantino de sempre.  os conflitos políticos estão no filme. a guerra civil americana. a discussão sobre as leis que no filme nos mostram quanto o óbvio pode ser absurdo. eu tenho um pedaço de papel no qual diz que posso te enforcar, eu digo algo para que você pegue aquela arma, e tente me matar, aí então eu te mato em legítima defesa. o bom é que Quentin Tarantino, assim como os grandes escritores, e outros grandes cineastas, ele criou o seu universo, e mesmo que explore outros universos, a sua marca estará sempre com ele, sem perder aquilo que lhe é mais característico. como o Quentin Tarantino de Os Oito Odiados confirma.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Júpiter Maçã...

a gente falava de um desses festivais brasileiros de rock que são conhecidos no mundo todo. eu disse, fecha com o Júpiter Maçã! ele disse. Júpiter Maçã morreu. eu fiquei sabendo cinco dias depois. Júpiter teve uma morte bufona. bateu com a cabeça no banheiro. Júpiter Maçã não morreu aos 27. e sim aos quarenta e sete do segundo tempo. não quis abrir mão da atitude rock. fiel a ela até o último momento. a última entrevista que assisti do Júpiter. ele tirou um sarro com a entrevistadora que não conhecia seu trabalho. disse a ela, se referindo, a um de seus discos. esse disco que é um clássico! Júpiter já um clássico. não adianta nada guitarra em museu. o quê fica são as músicas. Júpiter soava original. fazia o quê gostava. sua sonoridade é própria. suas influências muitas vezes são claras. como na clássica marchinha que é um pastiche do Caetano que reverenciou um de seus discos Plastic Soda. assim como Sean Lennon. por falar nisso Júpiter Maçã era um beatlemaníaco. eu acho Modern Kid. um dos melhores clipes brasileiros. não só por sua interpretação, também. pra onde Júpiter Maçã foi? a resposta é óbvia. ele abandonou essa caretice toda... e foi pra um lugar do caralho!