quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Três Minutos Naquela Rua...

esse preto que tá em pé tá com uma touca bordada. verde, amarela e vermelha. ele deve ter uns cinquenta anos ou mais. tá grisalho, mas parece o rosto de um menino no corpo de um homem. ele diz pro outro. mosquito maldito! o governo esconde os números... olha quantas mulheres grávidas... o outro sentado no meio fio pergunta... será que vamos ser dizimados? os outros não respondem. ignoram o seu comentário. passa uma menina branca magrinha de cabelo pintado de azul com uma camisa do Ramones. do outro lado da rua tem um bar, e dentro do bar três malucos. eles dançam ouvindo Vida Loka Parte Dois na máquina de música. eles dançam, e fazem cara feia olhando em direção ao outro lado da rua onde estão os outros três malucos. eles dançam como se tivessem fazendo uma apresentação para eles... Mas os malucos parecem impassíveis. eles estão com os olhos vermelhos de tanto pegar sol. sobe uma fumaça da churrasqueira. eles ficam encobertos pela fumaça que sobe da churrasqueira. esse cara mais velho tá com os dois dedos frente à boca. como se segurasse uma caneta. mas, não há nada ali... ele só está prendendo o ar. com as mãos. passam duas meninas conversando. uma delas pergunta: você já foi assaltada? ela vai dizer que não. acho que por causa da minha cor... o outro pergunta. vocês vieram de trem? Infelizmente... ele responde. viemos esmagados num vagão da SuperVia. porque não vieram de ônibus? você só tem essas duas opções? ele responde com outra pergunta. passa um moleque olhando para o chão. o cara que tá sentado no meio-fio pergunta. hei, moleque! tá procurando o quê? o moleque não responde. o outro diz. ele deve ter perdido alguma coisa. passa um cara correndo. o cara que está no meio fio grita. se eu pudesse gritar eu gritava. mamães: não deixem seus filhos na rua! o mais velho diz. qual é maluco tá ficando doido! quando explodem as sirenes... de bombeiro. e todo mundo que está na rua corre. para ver o quê é.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

A Rua...

De dentro do boteco vem o som da maquininha
Sentado no caixote, esperando uma quentinha
Um de cadeira de roda, outro de muleta.
Sentado no alambrado ou encostado na mureta
Mosquito no nariz derramado de plantão
Tem quem passe a vida toda procurando algo no chão
Mal tempo, clima tenso, rotina, levanta a blusa!
Tem velho, tem menina, porque todo mundo usa!
Ficha na maquininha, pilha no radinho.
Faz fila, abre a visão, não atrapalha o caminho.
Vagando ou andando sob o efeito zumbi
Deita-se não descansa quando cai é pra dormir
Sente o aroma da de galo vem guiado pelo cheiro
Mete a boca no gargalo desce o ralo do banheiro
Correndo e se debatendo com um tica nervoso
Tremendo se mordendo tipo um cão raivoso
Onde se vê mendigo ou cachorro faminto
Não há dama de honra cavalheiro distinto
O quê você vê na tevê ou então na internet
É o quê ali se vê e nunca se esquece
Faz rolo barganha, ganha qualquer dinheiro.
Na barraquinha tem bala, copinho d´água e isqueiro.
Na rua da vala, da linha ou do valão.
Na rua do campinho, da escadinha, ou do lixão.
Alguns são mortos e outros vivem encarcerados
Existem os que desistem e os que vivem mutilados
Seus complexos, neuroses, suas depressões.
Sujeito a divagações que apavoram os corações
Esperando o fim da guerra, dentro do mundo moderno.
Nesse cantinho da Terra, Rio de Janeiro, um inferno!
Naquela rua têm uns tipo psicótico
Naquela rua tem uns tipo neurótico (paranoico)
Naquela rua tem uns tipo eufórico
É lógico! É lógico!
De onde você é? Quem é você? Onde você mora?
O quê faz aqui? Passeando a essa hora?
Não vem mandado, ninguém passa batido.
Pra chegar ao farmacêutico tem que ter olho clínico
De dia o tempo fecha a noite brilha feito sol
Medida de segurança, por favor, pisca o farol.
Onde não tem ONG, nem igreja, nem estado.
Onde a vala é negra e os impostos são cobrados
Onde não tem padre, pai de santo, ou pastor.
Ansiolítico vicia na neblina do vapor
O círculo vicioso se ainda está vivo
Se dirige a farmácia toma um antidepressivo
Tem tido ansiedade sudorese uma dose
Joga na celulose não morrer de overdose
Na hora do recreio no intervalo da escola
Em busca de uma dola dentro daquela sacola
Na hora do almoço com uniforme do trabalho
Maltrapilho, esmolando, parecendo um espantalho
Na rua do sofrimento, ou na rua da amargura.
Dá soco, leva chute, toma tiro, leva dura.
Referendo, votação, maioridade penal.
Injeção letal, para a pena capital.
Sem a instituição da reabilitação
Masmorra, calabouço, cadeia ou prisão.
O quê não há em casa procura em outro lugar
Um beco sem saída para se chamar de lar
Cuide de você mesmo, não conte com o governo.
Se for bala perdida vai ter flor no teu enterro
A previsão é de mal tempo e de muito sofrimento
A esperança floresce, mas carece de exemplo.
Naquela rua têm uns tipo psicótico
Naquela rua tem uns tipo neurótico (paranoico)
Naquela rua tem uns tipo eufórico
É lógico! É lógico!

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Eu, Christiane F, e David Bowie...

tudo começou com Christiane. pois havia em sua casa dois álbuns do Bowie. o mesmo álbum. que nós ficamos ouvindo a tarde inteira enquanto elas se arrumavam. antes de irmos a Sound. isso foi antes de Christiane conhecer Detlef. eu deixava o disco rolar. e sempre que a agulha chegava ao final do disco. eu me encaminhava até o aparelho. pegava a agulha. e a levava ao início do disco. eu não queria que aquele disco parasse. Babsi veio até a porta e me mostrou a blusa, ela perguntou, gostou? balancei a cabeça dizendo que sim. ela disse na direção do quarto. Christiane, acho que ele gostou mais do Bowie! Christiane, gritou de volta. num te disse que todo mundo gosta, Babsi! eu disse a Babsi. igual dizem os críticos de jornal. ele possui uma sonoridade própria. ela entortou a boca como as mulheres fazem quando nós fazemos um comentário irrelevante. e voltou para o quarto. continuei sacudindo o pé esquerdo. em cima do joelho direito. nós fumamos um. e ficamos chapados ouvindo música. eu pensava naquele cara viciado em heroína que havia vendido sua coleção do Bowie. e sentia pena dele não poder mais ouvir o David Bowie.

domingo, 10 de janeiro de 2016

Quentin Tarantino – Os Oito Odiados...

Tarantino fala do bandido. da violência humana. ele é a voz do assassino. a voz da sociedade que se auto destrói. a sua violência não é a mesma violência chorosa dos filmes que vemos todos os dias. é a violência real dos assassinos e psicopatas que abatem seres humanos, como quando esmagamos formigas entre o farelo, e o papel de pão. é Lógico que Tarantino tem filmes como Bastardos Inglórios, e Tempo de Violência, que as pessoas vão querer assistir em todo novo filme seu. por exemplo, eu vou sempre querer assistir aquelas caretas do Brad Pitt de Bastardos Inglórios, e aquele nazista com a sua tortura psicológica. sempre vou querer ouvir os diálogos de Samuel L. Jackson com John Travolta, de Tempo de Violência. mas aí, é que está, Tarantino de Os Oito Odiados é o Tarantino da palavra. o Tarantino do ambiente claustrofóbico.  inóspito. com toda a tradicional violência que perde o sentido. Tarantino nos mostra isto, que a violência sequenciada, acaba não parecendo tão chocante, quanto parecia, assim como nas tardes televisivas brasileiras, como alguns seres humanos querem nos fazer supor. neste filme está todo o ufanismo americano. o ódio racial. o personagem de Samuel L. Jackson dá voz ao outro lado. a articulação das palavras na boca dos atores é clara, e objetiva, não sei se por causa da época, ou da região em que a historia se passa, ou se é um dos focos da direção.... mas você fica ali sentado. aquele tempo todo sem piscar. e quando acaba você pensa é o Tarantino de sempre.  os conflitos políticos estão no filme. a guerra civil americana. a discussão sobre as leis que no filme nos mostram quanto o óbvio pode ser absurdo. eu tenho um pedaço de papel no qual diz que posso te enforcar, eu digo algo para que você pegue aquela arma, e tente me matar, aí então eu te mato em legítima defesa. o bom é que Quentin Tarantino, assim como os grandes escritores, e outros grandes cineastas, ele criou o seu universo, e mesmo que explore outros universos, a sua marca estará sempre com ele, sem perder aquilo que lhe é mais característico. como o Quentin Tarantino de Os Oito Odiados confirma.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Júpiter Maçã...

a gente falava de um desses festivais brasileiros de rock que são conhecidos no mundo todo. eu disse, fecha com o Júpiter Maçã! ele disse. Júpiter Maçã morreu. eu fiquei sabendo cinco dias depois. Júpiter teve uma morte bufona. bateu com a cabeça no banheiro. Júpiter Maçã não morreu aos 27. e sim aos quarenta e sete do segundo tempo. não quis abrir mão da atitude rock. fiel a ela até o último momento. a última entrevista que assisti do Júpiter. ele tirou um sarro com a entrevistadora que não conhecia seu trabalho. disse a ela, se referindo, a um de seus discos. esse disco que é um clássico! Júpiter já um clássico. não adianta nada guitarra em museu. o quê fica são as músicas. Júpiter soava original. fazia o quê gostava. sua sonoridade é própria. suas influências muitas vezes são claras. como na clássica marchinha que é um pastiche do Caetano que reverenciou um de seus discos Plastic Soda. assim como Sean Lennon. por falar nisso Júpiter Maçã era um beatlemaníaco. eu acho Modern Kid. um dos melhores clipes brasileiros. não só por sua interpretação, também. pra onde Júpiter Maçã foi? a resposta é óbvia. ele abandonou essa caretice toda... e foi pra um lugar do caralho!

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Fatmagul...

bem que a mãe do Mustafá disse que ele estava diferente. que a sua voz havia mudado, que a sua postura havia mudado. ainda mais depois que Mustafá pôs aquele lenço de playboy no pescoço. a mãe do Mustafá perguntou a ele: que roupas são essas, filho? ele disse: eu comprei. são roupas de luxo! para trabalhar com eles eu preciso estar bem arrumado! o Mustafá fala como aquele garoto que aparece com dinheiro em casa, e não sabe explicar a procedência. eu me lembro do seu pai dizendo a ele, que se ele ficasse com Fatmagul, depois que ela havia "dormido com outro homem". as aspas são minhas. será que ele iria aguentar? em suas cabeças Fatmagul era culpada. Fatmagul era sempre culpada. Mustafá deve sentir saudades da época em que Fatmagul era culpada. pois agora que a batata quente caiu em suas mãos, agora que ele tem certeza de que foram eles que acabaram com a sua vida, e não ela. ele terá de enfrentá-los. mais gente sabe da sua desgraça. é mais gente para dar satisfação. e para provar o quanto ele é homem. Mustafá gostou de dirigir aquele carro. ele gostou de ir à porta daqueles restaurantes. mas ele também quer entrar. ele quer brincar também. saber como é lá dentro. como outros ganham ar condicionado na cara e sobremesa. enquanto outros comem marmita no sol. a vida era tão mais simples na cidadezinha do interior. quando a gente não sabia que existia isso tudo. naquele que Mustafá foi ao quarto do Edogan... ele experimentou os óculos. o relógio. Edogan deve ter a mesma idade que Mustafá. Mustafá pensa, eu posso... tudo acaba justificando seus atos. ele ficou com o carro porque era seu por direito. enquanto os que foram mais prejudicados com tudo. empurram um carro velho. eles haviam destruído seu mundinho cor de rosa. eles acabaram com a Fatmagul que ele conhecia. eles fizeram pior, eles a jogaram nos braços de outro. ela não é mais a mesma. Mustafá também não é mais o mesmo. ele descobriu que tudo aquilo que ele sonhava conquistar, com muito trabalho, e esforço, não era nada para aquilo que outros possuíam apenas por ter herdado. simplesmente. outros que não eram dignos em sua cabeça. destruíram sua vida. feriram a sua honra acima de tudo. ele não tem mais nada a perder. Mustafá que antes se envergonhava do que fizeram a Fatmagul... agora se delicia na cama ao lado da Asu, uma linda garota de programa. que se apaixonou por sua robustez, e inocência, com a qual Mustafá chegou a cidade grande. vindo se vingar daquele de quem foi tirado a sua princesinha inocente, casta e pura. Asu ensinou a Mustafá as delícias da cama. de uma forma tão rápida e veloz, e tão independente, que era como se ele não imaginasse. não soubesse que aquelas facilidades da vida em Istambul não existiam. quando ele sempre estivera preocupado com o quê o povo de sua cidade iria pensar. Fatmagul está com outro. casada com outro. não é assim que eles fazem. compram as pessoas. ela não vai mais fazer programa. não fala mais em programa! ele dá um chilique. Mustafá está parecendo um gigolô.

domingo, 25 de outubro de 2015

Depressão...

eu tenho depressão desde criança. só que eu não sabia disso. por isso que algumas reações minhas, sobre alguns acontecimentos, eram descabidas. decidi frequentar aquelas reuniões de doze passos. li algo aqui, outro ali, foi abrindo a minha mente. fui a um primeiro psiquiatra incentivado por minha esposa. ele me mandou tomar remédio. há anos já estava convencido de que tinha depressão. e mesmo assim relutava em tomar remédio. por puro preconceito. o segundo psiquiatra me disse para que tomasse remédio. aí eu confiei nele, aceitei. e a minha vida passou a ter alguma esperança. mas ainda tenho crises de depressão. passei a fazer terapia. as pessoas não tomam remédio. nós brasileiros somos preconceituosos. e não temos educação. nem cultura. eu mesmo sou um exemplar de machão suburbano latino americano de escola pública. e como eu vou chegar na roda dos malucos, e dizer que tomo remédio? e que tenho depressão, que é doença de fresco, doença de rico? depois eu pensei que fosse frescura minha. um charme de artista. mas não. os números da organização mundial de saúde são alarmantes. ninguém sabe porquê. nem os médicos. ninguém sabe nada. eu desconfio que nosso modelo de sociedade seja um clima bastante propicio para deixar o sujeito pinel. com todo ódio ciúme inveja. mas aí na terapia eu contei a psicóloga sobre acontecimentos da minha vida. da minha vida em comunidade. da minha vida em família. coisas que na minha concepção pareciam acontecimentos normais da vida de uma criança. mas que na verdade, provocavam bem mais sofrimento do que aparentavam. eu fui um moleque normal. assumindo até uma atitude de liderança  em alguns momentos, em atividades na rua e na escola. mas tinha depressão. que na minha cabeça era doença de fraco. deveria tomar remédio. não que eu tenha vergonha de ser fraco. ou medroso. que na verdade eu sou. pois sei da fragilidade humana. pior do que ser fraco, é os outros ficarem sabendo que você é fraco. descobri em minha pesquisa, que nas civilizações mais evoluídas, os médicos são obrigados a receitar o remédio para quem tem depressão. aqui depressão ainda é coisa de maluco. não é. quem dera que fosse! o maluco não sabe que está maluco. você sabe porque está sofrendo. ou melhor, nem sempre... mas tem consciência de que está sofrendo. se é que o maluco está sofrendo. depois que você volta de uma crise de depressão fica de ressaca. envergonhado. com remorso, do que disse na hora do nervoso. da crise de choro. no Brasil normalmente depressão é curada com sexo, crack, pó, maconha, cerveja, internet, televisão, churrasco, aplicativos, violência, açúcar, sal, velocidade, dinheiro, popularidade... e muitos remédios tomados a torto e a direito. mas a depressão está bombando no mundo todo. e a conclusão de uma depressão desviada, para um outro local, um vício por exemplo. creio eu, que não sou especialista de nada. que seja triste! que seja um fiasco... depressão têm motivos. acontecimentos. ou não. cada um reage de uma forma. e só quem tem depressão. sabe o que quem tem depressão sente. é igual ser preto e pobre no Brasil. não adianta explicar que você não vai entender. você vê tudo cinza. você que foi criado para ser o macho. o provedor. o protetor. se vê chorando igual uma criança em frente a sua esposa. impotente. pois a depressão é incapacitante. aquela à qual teoricamente nessa sociedade machista você deveria proteger. você se sente o elo fraco da corrente. a minha depressão é pública. mas poucas pessoas com quem eu comentei algo, disseram alguma coisa de volta. o número de pessoas que sabe, é maior do que o número que finge que não sabe. em sua maioria me disseram para que não tomasse remédio. e me sugeriram que haviam feito um feitiço pra mim. o que não foram poucas vezes. e já sugeriram que eu estivesse impotente sexualmente. algumas vezes me desencorajaram da terapia. depressão carrega o estigma da doença mental. e além do mais ninguém quer ouvir choro. ainda mais de quem está aparentemente saudável. você se sente um cafajeste, num mundo com tanta criancinha sendo triturada. esse cara que está na rua. e quê você vê na cachaça. no crack. talvez tenha começado com uma depressão. depressão não tem cura. mas tem tratamento. manutenção para que não piore. esse maluco que mora na calçada da sua rua. que fala sozinho. todo sujo. cabelo grande. tudo bem que você chega no posto de saúde. e fica junto dos malucos, não existe uma triagem, muito doido! não que eu não seja maluco, ou que tenha algum problema com isso, e do qual a sociedade quer empurrar para debaixo do tapete. vamos nos livrar da vergonha dos malucos e dos suicidas que temos na nossa grande família complicada. só que aí vamos ter de nos livrar de muito mais gente do que a gente imagina. não é Simão Bacamarte? ninguém quer carregar o estigma de ser anormal. ainda mais na sociedade do rebanho. porque o número de gente que tem depressão, e não sabe não está no gibi! eu falo sobre depressão, porque é importante falar. pois se consegue apoio. porque eu sou artista também, e muitos, mas muitos artistas que eu gosto, morreram ou se mataram por causa da depressão. Não vai acontecer comigo. Melhorei, e continuo o tratamento.