segunda-feira, 30 de abril de 2012

Autor de Periferia é o Cacete!

A gente foi naquela bagaça de debate. E enquanto o apresentador falava ele ficou resmungando ao meu lado. Autor de periferia é o cacete! Autor é autor. Ninguém diz que um autor que nasceu em área nobre é autor de área nobre. Essa porra parece um prêmio de consolação do tipo: ah, que bonitinho! os pretinhos pobres sabem escrever... Eles falam sobre a realidade deles. É só sobre isso que eles sabem escrever. Eu posso escrever sobre a vida de um Extraterrestre se eu quiser. E não é porque a gente é envolvido com rap, que essa é a nossa literatura. O Chico Buarque é autor de MPB? E de mais a mais, o termo periferia no caso do Rio não é adequado, pois a periferia é longe do centro. Ele continuou com aqueles comentários ácidos. E a gente mora no subúrbio, que eles nem sabem definir direito. Uma favela na zona sul do Rio é periferia cara pálida? Toma cuidado com essas definições preconceituosas. O apresentador pigarreou. Ele se calou. E eu fiquei pensando no que ele disse.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

A Cura da Depressão

Eu tenho uma depressão terrível. Mas que já foi pior numa época em que eu dizia: vou me jogar da ponte Rio-Niterói! Ou então dormia e chorava o dia inteiro. Hoje não. Agora eu tomo um remédio chamado Paroxetina. Que é uma espécie de pílula da felicidade. E fumo uma ervinha recomendada por um médico que não quer se identificar. De vez em quando converso com deus. E minha oração sempre começa assim, se o senhor existe, e se está me ouvindo, me dá uma força aí! A depressão é a doença mais justa que existe. Assim como os suicidas têm razão, na opinião de quem vive num lugar equilibrado como esse planeta. Mas sempre que estou deprimido e ansioso, que é o meu estado normal, eu ligo o som e começo a arrumar a casa. Igual a minha falecida mãe fazia, sempre ouvindo Roberto Carlos. E aos poucos vou apaziguando. Pois viver é a coisa mais maravilhosa que existe. Não sei por qual motivo. Então a palavra que eu mais uso no meu dia a dia é: foda-se.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

A Proibição da Cerveja

Eu dei um pinote e caí sentado na Avenida Rio Branco. Quase fui pisoteado pela cavalaria do governo. Nunca vi a Rio Branco tão cheia. Florida. Nem naquela palhaçada de caras pintadas em que imberbe ainda em calças curtas servi de "massa de manobra" a interesses alheios. Mas isso é uma outra história. Eram velhos, crianças e todo tipo de gente que se possa imaginar. O centro da cidade parecia ter de volta os dias de glória da Revolta da Vacina. Os ônibus se encontravam virados. Os trens foram quebrados. Lojas saqueadas. Não restou nem a iluminação pública. Molotov. Lacrimogênio. Pedra. Ninguém entrava no buraco do metrô. E era um mundaréu de gente saindo pronto para atacar qualquer coisa que se movesse, e que direta ou indiretamente estivesse compactuando com a proibição do governo. Os bancos que não fecharam as suas portas foram apedrejados e os cacos eram recolhidos pelo asfalto. Pela primeira vez na vida senti um orgulho intenso de ser brasileiro.  Mais do que na copa do mundo. Agora tudo ia mudar. Nós íamos ter educação, cultura e saúde. Era só isso que eu queria. Nem precisava de segurança. A paz viria depois. Quando o casco da pata de um cavalo ia descer sobre o meu corpo. A minha mina me acordou. Acorda. Tá tendo algum pesadelo?

domingo, 22 de abril de 2012

Professor Idiota

Ela me disse: o meu professor me disse que eu tenho que ler um livro. Eu disse: qual? E ela: o tal Machado de Assis. E eu perguntei: que livro? E ela: O Alienista. E eu pensei no perfil dela. Quinze anos. Só escuta proibidão. Média de leitura de zero livro por ano. Vocabulário "limitado". Ou seja: o português falado pela maioria do povo brasileiro. E mal sabe ler ou escrever apesar de estar num sei em qual série do ensino fundamental. Não que ela não fosse se apaixonar por Machado de Assis. Como eu me apaixonei. Mas esse professor é um idiota ou é o quê?

sábado, 14 de abril de 2012

Guimba, Bituca, Beata e Bagana

A gente tava na Praça Camões. A minha mina sentada num banco. Um frio de cinco abaixo de zero. A gente tava mamando um garrafão de vinho barato. A única coisa que sobrou da crise em Portugal. O único remédio pra que a ossatura não congelasse. Eu assistia o cara enrolar o baseado. A policia do outro lado da rua também. Não senti saudade do Brasil. Quando o vagabundo disse: lá no Rio beata é guimba. Eu disse: é, mas beata é mais estranho que guimba. E o outro: em São Paulo beata é bituca. E continuou: guimba, bituca, beata e bagana, quatro senhoras solteironas...

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Ronald McDonald e a Carne de Cordeiro

Ronald Mcdonald deu uma golada no uísque. E disse: vamo. Pra aturar essas crianças só assim! E andando torto ele desceu a escada. Igual ao Paul McCartney naquele clipe dos Beatles. A criançada logo começou a gritar. Ele ignorou a todas elas. O diretor veio mostrar a folha com a frase. E disse: você só tem que dizer isso. Ronald leu e respondeu: carne de cordeiro, não! O diretor perguntou: você tá louco?! Ele repetiu: carne de cordeiro, não! Isso eu não faço. Coloca outro bicho. Se fosse vaca, boi, qualquer coisa. Mas cordeiro não, pera lá! E tem a lã e aquela coisa toda. O diretor ficou possesso. Os óculos caíram pelo nariz, e o homem gritou: tirem esse maluco daqui! Ronald me chamou: vamo. E nós saímos pela calçada. Ainda olhei pra ele na esperança que a gente fosse voltar. Aquele sonho que eu tinha de conhecer os Estados Unidos se esvaiu por causa de um capricho dele. Um molecote de óculos, de mãos dadas com a mãe, novinha, bonitinha, sorriu para o palhaço. Ronald pegou o seu nariz e enfiou no do menino que ficou feliz. E em contrapartida tomou a Coca-Cola das mãos do miúdo que nem ligou. Ele me deu uma golada. E foi o melhor gole que eu dei na minha vida. Estava um sol bonito, e nós descemos aquela rua do Leblon que te dá uma sensação de que você não está no Brasil. E que pode ser em qualquer lugar do mundo. Inclusive na França. Que eu não conheço, mas que tenho vontade de conhecer.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Quem Comeu a Velha?

Quem comeu a velha? Essa foi à pergunta que o meu tio PM fez na sala. Todo mundo gelou. Era óbvio que ninguém sabia. Ele estava com a pistola na mão. E queria saber quem manteve relações sexuais com a minha avó de oitenta e tantos anos que estava grávida. O meu primo gordinho disse com a voz trêmula: não sei... E me deu uma vontade de rir insuportável. Eu tive que respirar, e olhar para o chão. Mas a risada começava a surgir no estômago. Ele virou para a própria mãe: quem foi mamãe? Fala! E ela: não vou falar, já disse que não falo, eu gosto dele! E o tio: seus filhos da puta, incompetentes! Vocês deixam a avó de vocês, sozinha! Bando de vagabundos maconheiros! A vontade de rir estava aumentando. E eu ficava imaginando se quando a minha vó teve o primeiro filho na primeira metade do século passado, também havia tido esse drama. Quem comeu a velha? Todo mundo tremendo cada vez mais. O tio com a pistola em punho disse indignado: quem é que vai cuidar dessa criança, meu deus! Nessa hora mais risos foram abafados. E eu me lembrei de que quando a minha irmã adolescente ficou grávida, a pergunta foi à mesma. Mas pedi: posso ir fazer xixi? E o riso de todo mundo ameaçou sair. Quando o meu primo gordinho disse: ela ainda pode abortar... Houve um catatau de risos. E foi então que o tio PM se revoltou: eu sou contra o aborto! E começou a disparar para o alto. Não sei como todo mundo conseguiu passar junto por aquela porta tão estreita.