sexta-feira, 6 de abril de 2012

Ronald McDonald e a Carne de Cordeiro

Ronald Mcdonald deu uma golada no uísque. E disse: vamo. Pra aturar essas crianças só assim! E andando torto ele desceu a escada. Igual ao Paul McCartney naquele clipe dos Beatles. A criançada logo começou a gritar. Ele ignorou a todas elas. O diretor veio mostrar a folha com a frase. E disse: você só tem que dizer isso. Ronald leu e respondeu: carne de cordeiro, não! O diretor perguntou: você tá louco?! Ele repetiu: carne de cordeiro, não! Isso eu não faço. Coloca outro bicho. Se fosse vaca, boi, qualquer coisa. Mas cordeiro não, pera lá! E tem a lã e aquela coisa toda. O diretor ficou possesso. Os óculos caíram pelo nariz, e o homem gritou: tirem esse maluco daqui! Ronald me chamou: vamo. E nós saímos pela calçada. Ainda olhei pra ele na esperança que a gente fosse voltar. Aquele sonho que eu tinha de conhecer os Estados Unidos se esvaiu por causa de um capricho dele. Um molecote de óculos, de mãos dadas com a mãe, novinha, bonitinha, sorriu para o palhaço. Ronald pegou o seu nariz e enfiou no do menino que ficou feliz. E em contrapartida tomou a Coca-Cola das mãos do miúdo que nem ligou. Ele me deu uma golada. E foi o melhor gole que eu dei na minha vida. Estava um sol bonito, e nós descemos aquela rua do Leblon que te dá uma sensação de que você não está no Brasil. E que pode ser em qualquer lugar do mundo. Inclusive na França. Que eu não conheço, mas que tenho vontade de conhecer.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Quem Comeu a Velha?

Quem comeu a velha? Essa foi à pergunta que o meu tio PM fez na sala. Todo mundo gelou. Era óbvio que ninguém sabia. Ele estava com a pistola na mão. E queria saber quem manteve relações sexuais com a minha avó de oitenta e tantos anos que estava grávida. O meu primo gordinho disse com a voz trêmula: não sei... E me deu uma vontade de rir insuportável. Eu tive que respirar, e olhar para o chão. Mas a risada começava a surgir no estômago. Ele virou para a própria mãe: quem foi mamãe? Fala! E ela: não vou falar, já disse que não falo, eu gosto dele! E o tio: seus filhos da puta, incompetentes! Vocês deixam a avó de vocês, sozinha! Bando de vagabundos maconheiros! A vontade de rir estava aumentando. E eu ficava imaginando se quando a minha vó teve o primeiro filho na primeira metade do século passado, também havia tido esse drama. Quem comeu a velha? Todo mundo tremendo cada vez mais. O tio com a pistola em punho disse indignado: quem é que vai cuidar dessa criança, meu deus! Nessa hora mais risos foram abafados. E eu me lembrei de que quando a minha irmã adolescente ficou grávida, a pergunta foi à mesma. Mas pedi: posso ir fazer xixi? E o riso de todo mundo ameaçou sair. Quando o meu primo gordinho disse: ela ainda pode abortar... Houve um catatau de risos. E foi então que o tio PM se revoltou: eu sou contra o aborto! E começou a disparar para o alto. Não sei como todo mundo conseguiu passar junto por aquela porta tão estreita.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Quando Mataram o Meu Irmão Mais Velho

Eu tava no banheiro mijando. Não aguentava mais esperar na sala. Quando começou a gritaria. Foi insuportável. A mulher gritou muito. Eu ouvi os estalidos secos. E fiquei paralisado lá dentro. Desesperado. De repente ouvi a porta bater, e os passos apressados na escada. Quando consegui sair, o AP tava todo arreganhado. Ela me olhava sentada no assoalho, com um choro agudo, e quase inaudível. Pelo rastro de sangue no quarto em direção à janela, eu já sabia o que havia acontecido. Desci as escadas, e vi o corpo sem vida, com as pessoas olhando em volta. Fui saindo de fininho me arrastando até o ponto de ônibus. E rezando pra ninguém me chamar. E o meu corpo ficou tão pesado, que ainda hoje tenho a impressão que continuo naquele lugar.

terça-feira, 20 de março de 2012

A Invenção de Santos Dumont

Ele tinha uma porção de aviões. Era obcecado por aeronaves. Juninho tinha uma coleção inteira. A mãe dizia: Juninho é louco por aeroplanos... Esse menino vai ser piloto! E todo mundo só dava a invenção de Santos Dumont para o moleque. No aniversário, dia das crianças e natal. Juninho ainda ia fazer cinco anos, e mal sabia falar. Mas era capaz de soletrar o nome de todo modelo que via no céu. Um dia antes de dormir ele perguntou a mãe: cadê a vovó e o vovô?A mãe disse: o avião levou os dois pra casa deles. No dia seguinte, quando Juninho acordou, a primeira coisa que ele fez foi deitar abaixo a estante com a coleção de aviõezinhos. A mãe perguntou: porque você fez isso, meu filho? E ele disse: porque o avião leva embora todo mundo que eu gosto!

terça-feira, 13 de março de 2012

O Escritor

Ele não bebia e não fumava. E nem sabia o que era droga. E também era de um ceticismo fervoroso. Não acreditava em deuses ou demônios. Nem de onde nós viemos ou para onde nós vamos. Nada. Extraterrestre. Sorte. Azar. Destino. Nada. Morreu, acabou. Ele dizia. Um dia contestado, e os sonhos? O quê você acha dos sonhos? Coisas da nossa cabeça. Coincidências. Outro dia ele estava saindo de uma livraria, quando se deparou com dois de seus personagens. Eles eram tão de carne e osso que um deles disse: obrigado por tudo! Ele gelou. E depois se perguntou: porra, será que eu to perturbado? Enquanto se afastava os dois permaneciam lá parados. Ele continuou sem acreditar em deus. Mas passou a acreditar em tudo. E todo mundo deixou de acreditar nele.

sábado, 3 de março de 2012

Pirataria é Crime!

Eu tava ali naquele bar com o cotovelo no balcão. Esperando alguém enquanto a cerveja esquentava. A minha vida é esperar. Quando chegou esse moleque. São os últimos, ele disse. Com todo o respeito, amigo, só pra fechar o dia do vendedor... Ele não deve ter dezoito anos. E eu penso que se tivesse essa lábia era prefeito dessa cidade. Dá pra se ver que é um fodido, mas que “vai se dar bem na vida!”, como dizem. Independente do que isso signifique. Ele mostra uma coleção de filmes que me provocam tédio. Mas alguns DVDs de música interessantes. Quando o dono do bar que limpa o balcão diz: pirataria é crime! E eu fico a me perguntar, embora particularmente não tenha nada contra álcool e a nicotina, porque o dono do bar se sente menos prejudicial que o pirata? E quando um CD do Michel Teló vem parar numa das minhas mãos, ouço o moleque dizer: Pirataria é o crime perfeito!

sábado, 25 de fevereiro de 2012

É um Mentiroso!

Não lembro exatamente quando ele começou mentir. Mas me lembro de ouvir alguém dizer: ta mentindo. No começo pensei que ele tivesse apenas contando uma vantagenzinha. Normal. Então de repente aquilo se tornou uma obsessão. E nessa altura do campeonato as pessoas se perguntavam: porque mente, tanto?! Os amigos ricos e imaginários se multiplicaram em suas estórias. E as beldades também. E se você dizia ter ido a algum lugar. Ele também tinha ido lá. Se você dizia ter feito algo. Ele também havia feito. E alguns diziam: é esquizofrênico! Mas o pai bufava: se fosse maluco não me pedia dinheiro! Até que veio o dia fatal. Ele tava falando com alguém muito importante no celular. Como sempre tava falando com alguém muito importante no celular. Eis que de repente o telefone toca. Toca em seu ouvido. E toda a plateia fica sem graça, por ele. E eu tive a certeza: é um mentiroso!