sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Ascensorista De Elevador

Ele estava cansado de dizer: sobe e desce. E de subir e descer com gente que não conhecia ou não gostava naquele elevador no prédio público do centro da cidade. Então pensou que talvez apertar um botão fosse um trabalho digno que precisava ser feito. Mas depois disse a si mesmo: conversa fiada! Ninguém precisa de ninguém para apertar um maldito botão. E pensou também que aquela era uma profissão que podia ser exterminada como tantas outras. E por mais que precisasse da grana, se continuasse ali, ele estaria subjugando a sua própria inteligência. E estava cansado de ouvir sobre a rodada de domingo, o tempo, os filhos dos outros; suas esposas, doenças e faculdades.  E resolveu abandonar o posto, antes que a perua pedisse “o décimo!”. Mas ainda deu tempo de dar bom dia ao porteiro, que olhou para o seu rosto sem saber o que dizer. E saiu com as mãos nos bolsos assobiando um tema da novela das nove.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Faroeste Caboclo

Naqueles dias Douglas andava feliz pelo conjunto. E todo mundo olhava para ele com uma admiração invejosa. Inclusive os moleques que deram uma trégua nas desavenças. Nem ser o perna de pau da pelada podia embaçar a sua imagem. E quando se via o moleque em pé na esquina ou e em qualquer calçada estufando o peito, ninguém pensava que ele fosse metido. Apenas que estava gozando os louros da fama. Talvez algum desavisado da rua pudesse perguntar: porque que o Douglas tá tão metido? E nós tivemos que engolir aquela marra dele durante séculos. Mas até hoje quando fica bêbado ele começa com a mesma ladainha: hei, lembra de quando eu decorei a letra de Faroeste Caboclo? Hein, lembra? Ele foi o primeiro maluco a decorar aqueles nove minutos de versos. É como se ele fosse um dos autores da letra. E ele fala do Renato Russo com uma intimidade que parece um parente próximo. E no dia da morte do saudoso poeta, ele chorou um Rio Amazonas inteiro.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Dostoiévski Vs. Sidney Sheldon

Eu não tinha dinheiro para comprar livros. Nem passagem de ida e volta para ir a uma biblioteca melhor. Então querendo ou não, aquele era o acervo que eu tinha disponível. Ainda não tava metido a besta, e não conhecia nenhum pseudo-intelectual para me dizer quais autores deveriam ser lidos. Então eu podia ler Dostoiévski num dia e no outro Sidney Sheldon. E na minha cabeça tudo era literatura e tudo era bom. Livro era livro. Hoje eu talvez não leia o Sheldon pensando que ele é limitado. E não alimente uma nostalgia obsessiva em relação a Dostoiévski, por exemplo. Mas tanto o Sheldon quanto o Dostoiévski cumpriram o seu propósito. E tenho certeza, de que o que me fez aceitar a simplicidade e a subjetividade, deve ter sido começar a ler com o coração tão limpinho. Sem preconceitos.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Homem Na Estrada

Brou tava com o irmão numa estrada de Brasília quando ouviu pela primeira vez aquela música dos Racionais Mc`s, Homem Na Estrada. Ele perguntou ao irmão que dirigia: De quem é essa música? E depois disso o irmão deu uma fita cassete dos Racionais para o Brou que a levou pro Rio. Uma fita dessas que esses otários de hoje em dia não sabem usar. A história é narrada por um preso da época da chacina. Quando Brou chegou a Penha, escreveu toda a letra da música com a ajuda do toca fitas. Ele levara quase dois dias para escrever aquele número enorme de frases. Um amigo mais chegado pediu a letra: qual é Brou, me empresta aí pra eu copiar? Brou emprestou e ele guardou no bolso. Quando Brou foi cobrar a letra, o amigo chamou à mãe a janela e perguntou a ele olhando para a senhora: Brou, aquilo não é uma letra de uma música? E Brou respondeu: sim, por quê? E a mãe logo o cortou dizendo: vocês combinaram isso! Só depois com a família reunida que a sobrinha cantou a música para a tia. Um homem na estrada recomeça a sua vida... Mas aí era tarde. A mãe já havia chorado pensando que o filho era bandido, e que recebia cartas da cadeia. Pois ela havia encontrado uma delas quando foi lavar sua roupa.

domingo, 11 de dezembro de 2011

O Dia Em Que Samuel Nasceu

Samuel nasceu num sábado. E fazia um solzinho desses que teima aparecer. Ele pensa que sábado é melhor que domingo. Pois no domingo a gente só pensa em acordar cedo na segunda-feira. E teve bandinha de música e tudo. Um tio policial militar trouxe a bandinha. Embora Samuel tenha medo de polícia, atualmente. Ele nasceu naquele hospital que fica numa ladeira próxima a sua casa. Samuel não se lembra da enfermeira. Nem do médico ou de como eles eram. E olha que o seu nome é uma homenagem ao médico que o puxou cá pra fora. Mas sempre que sente cheiro de éter e ele vê paredes brancas se lembra do hospital. E diz isso a mãe que responde dizendo: é mesmo... você se lembra do dia em que nasceu? Nossa que menino inteligente!

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Deus Tem Uma Conta No Bradesco

Eu tô travado ali. Olhando a tevê. Não tenho tevê a cabo. E nem tenho gato. Então fico ali. Mas na verdade é só na hora em que eu tô comendo. Porque não consigo assistir televisão. Ela me faz mal. Ainda mais naquela hora em que você acorda com a cabeça fresquinha, e eles começam a informar quem morreu. Televisão de manhã faz mal. Você tem um sono tranqüilo e acorda com toda a desgraça do mundo caindo na tua cabeça. Não dá pra começar o dia assim. E se continuo assistindo, daqui a pouco tô com medo de sair na rua. É uma péssima oração para se começar o dia. Eles não dizem que alguém nasceu feliz da vida. Ou que acontecem coisas legais também. E a exceção para eles é sempre a regra. Mas bater na televisão é bater em cachorro morto. Eu não acho que seja o meio, e sim o que fizeram dele. Igual qualquer coisa na vida. Não tenho nada contra a televisão. Apenas prefiro outras coisas. Se tiver algo que me agrade eu assisto. Igual agora que não consigo me desvencilhar daquele cara. É um pastor. Já tentei assistir outra coisa. Eu pulo os jornais. Num canal tá uma atriz falando de sua vida, e num outro um cantor sertanejo falando de sua vida. E a vida deles é muita chata. Agora o pastor me pede para depositar o dízimo, e mais dez por cento da oferta. Então calculo esse valor de acordo com o salário mínimo, e chego à conclusão de que é muito. Assim como é muito para um livro, um show, ou uma peça de teatro. Aí ele começa a dizer que essa conta é de Deus. Para a obra dele. E eu não consigo parar de rir pensando que Deus tem uma conta no Bradesco.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Músicos e bebida: Mistura Explosiva!

O meu avô era um músico-bêbado. Eu sou um artista-vagabundo. Mas fui intitulado assim contra a minha vontade. Não consegui ser um bêbado. Mas quem sabe algum dia seja promovido. O meu avô era analfabeto. Eu sou semi-analfabeto. O meu avô nunca foi à escola. Eu fui expulso de lá. Ele saia para comprar pão e voltava três dias depois com uma rosa na boca. E a minha avó dizia: eu vou te fazer engolir essa rosa! Eu não tenho coragem de desafiar minha mulher desse jeito. Medo. O meu avô era autodidata. Eu sou também. Sem a mesma eficiência, é claro. Ele ensinava todos os instrumentos para todo mundo. Aquele ouvido do bruto era perfeito. Existe uma lenda de que ele lia partitura, e outra de que era amigo de Mário Reis e Francisco Alves. Não tenho como provar nada disso. Pois a fonte é um filho mais velho e fã. Quando assisti o caminhar mareado de Jack Sparrow, lembrei-me dele. No dia em que meu avô deu uma banana pra gente, eu me sentei com a minha prima gorducha no meio-fio. E a melhor lembrança era aquela em que nos levava para andar por aí. Ele tirava o chapéu para cumprimentar todo mundo. E eu dizia: quando crescer, eu quero ser igual a esse velho! Que ironia, não?