sábado, 29 de agosto de 2015

Sherazade...

a senhora diz detrás do balcão. vai começar a minha novela, a Sherazade! para de ficar para lá e para cá com esse controle! o velho com o controle na mão diz a Dilma. você foi trabalhar de bicicleta, Dilma? um cliente está encostado num balcão com uma cerveja esquentando a sua frente. num daqueles botecos debaixo do viaduto. o velho continua, ela engarrafou tudo. ela foi de bicicleta. mas levou carros com ela. e ainda atraiu a atenção dos curiosos. o cliente sorri. o velho continua. não vai de Bike, Dilma! não tem ciclovia! alguns presidentes vão trabalhar de metrô porque em seus respectivos países dá pra fazer isso. coitada da Dilma que tem que pedalar num canteiro. cuidado Dilma, para que não apareça o filho do Eike Batista derrapando, e te jogando longe! ou o filho do Pitanguy subindo na calçada de repente numa numa rua tranquila. ou o filho de alguém que nunca vai ser preso porque tem dinheiro. e cuidado para que os ladrões de bicicleta não roubem a sua bike. cuidado com as facadas por todo o país. seja por nosso machismo. ou por nossa agressividade. que não é associada a imagem melíflua que o nosso turismo sexual criou. quem não vai sorrir com uma gorjeta em dólar, ou em euro, Dilma? mesmo depois de ter devorado uma de nossas criancinhas. ou uma de nossas lindas "meninas", e nossos lindos "meninos". o cliente diz para descontrair. mas esse Pitanguy é velho! acho que ele vai substituir o Niemeyer! a mulher diz. a Dilma emagreceu. ah, ele emagreceu sim... emagreceu, e muito! agora se foi por stresse. ou para se manter a forma... é o preço do poder! começa a Sherazade. e todos olham vidrados para a tevê.

Prometeu Acorrentado...

O menino dorme sozinho num dos quartos do segundo andar da casa grande, e branca. dorme é uma forma de dizer. pois aquela noite será tão longa quanto as outras. O menino teme o mico que se encontra preso a árvore. ele ouve o guinchar ensurdecedor do mico durante o dia. o medo agora é a enorme aranha na parede. ou melhor, a sombra enorme da aranha. de manhã, com a chegada da luz do dia. o medo se desvanece.

sábado, 22 de agosto de 2015

A Fita Do Noel...

o maluco do trabalho que havia me emprestado a fita do Cartola, também me emprestou uma fita do Noel. eu pus os pés no ônibus. paguei a passagem. dei boa noite ao cobrador. fiquei no último assento alto. na janela. o maluco que era para me cobrir havia faltado. então tive de ficar até tarde no trabalho. sem ganhar hora extra. puxei o walkman. dei o play. não acreditava que estava ouvindo aquelas raridades na voz do próprio. não havia internet aquela época. subiram dois malucos pela frente. com isopor. como se fossem vender alguma coisa. o quê estava com o isopor puxou um trinta e oito enferrujado lá de dentro. eu ia tirando sorrateiramente a fita. quando ele disse, passa essa porra pra cá! eu ia dizer, amigo... ele fez a aquela cara de filme americano. e disse. eu estouro seus miolos! joguei a fita dentro do isopor. o walkman era emprestado. também.

A Fita do Cartola...

um maluco do trabalho havia me emprestado a fita do Cartola. um maluco que tocava bandolim. branco, e de óculos. infelizmente não lembro o nome dele. alvoraçado eu abri a porta. joguei a mochila no sofá. a minha mãe estava na cozinha. dei um beijo em seu rosto. ela perguntou, vai onde? terraço! subi às pressas a escadinha de ferro em forma de caracol. tateei o interruptor no escuro. na luz, achei a tomada. abri o compartimento da toca fitas. joguei a fita. e quando explodiu a introdução da primeira música, O Mundo É Um Moinho. as lágrimas escorreram com a mesma velocidade com que cheguei. chorei copiosamente. não chorava por nenhum motivo especial. não era por causa da humanidade, que se mantinha firme em seu propósito lento, e gradual de autodestruição. não chorava por nenhum motivo em particular. e sim, porque havia músicas como aquela... ou a dança dos pássaros no céu. de manhã. olhando a janela. durante o primeiro café. sempre conto a mesma história. pois mesmo em silêncio... aquela introdução me vem à cabeça.

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Crack!

eu fiquei extremamente sem graça quando ele falou comigo. pois lembrou do meu nome. ele chamou meu nome. levantou o polegar e sorriu. ele estava sujo, e maltrapilho. carregando coisas. dava pra ver que estava no crack. eu não conseguia lembrar quem era de jeito nenhum. até hoje não sei quem falou comigo aquele dia. sei apenas que nós fomos muito íntimos, pois aquela voz me era familiar. ele parecia ter lembrado de bons momentos quando falou comigo. eu sabia que ele estava destruído pelo crack. eu o vi perto da passarela. o outro ia a minha casa. morava na mesma rua. falou comigo. eu estava do outro lado da avenida. os ônibus passavam. ele pôs as mãos no peito demonstrando o quanto gostava de mim. eu imitei o seu gesto. e olhei pra ele como quem diz, que independente daquela merda toda. eu continuava gostando dele. os meus olhos encheram de água. ali eu me emocionei, e perdi toda a sisudez de machão suburbano. presenciei a expressão de um amigo meu, numa cena parecida, e ela parecia de horror. ainda bem que pude ficar feliz perante um amigo que havia ido parar na rua por causa da bebida, e que agora estava todo arrumado, como antigamente. como quando nós éramos moleques. quando nos conhecemos. mas nunca vi ninguém liberto do crack. sempre vejo aquele moleque correndo, para lá. e para cá. e sempre me lembro dele, que está abandonado ali. tendo alucinações. sendo vítima de rituais. de espíritos malignos, segundo alguns. esquizofrênicos, segundo outros. para todo lado que olho vejo mendigo. gente morando na rua. falando sozinha. deitada na calçada. carregando trapo. esmolando. fazendo suas necessidades a luz do dia. morando no meio do lixo. andando nos trilhos.caminhando nas vias expressas. eu vi aquele moleque branco e o pessoal da favela segurando ele que estava tendo uma overdose. não sei se ele sobreviveu. mas apenas ouvi as pessoas gritando, Playboy! Playboy! Volta, Playboy!

terça-feira, 11 de agosto de 2015

O Repórter...

o repórter se indigna com a menina loura que matou os pais. enquanto isso, Romário se equilibra num vagão da SuperVia, ele pergunta, mas o seu nome é Brad Piti por causa do ator? O outro diz. sim. a minha mãe gosta muito dele. o amigo com nome de jogador de futebol sorri. a repórter pega carona de bicicleta. Brad Piti pensa que ela age igual político em campanha. ela diz as pessoas, nós temos de ter força de vontade. Brad Piti não consegue entender. ele pensa, porque eles têm que ter força de vontade, se os políticos são empregados? não entendo! Obviamente que o repórter está indignado porque os pais mataram os filhos. ele não entende como eles são capazes de fazer isso tendo a vida que tem. Romário em sua depressão chega a chorar na do repórter. não existe nada mais triste do quo pais matando filhos. Romário sabe que no canal ao lado, durante a semana é uma carnificina só. jorra sangue. crianças são esquartejadas. bebês são mortos. baleados. pessoas são enterradas vivas. Crianças abusadas. Um horror. mas ninguém está nem aí! diz o cara com o nome em homenagem ao jogador de futebol. vovós são mortas a machadadas nas periferias. a violência brasileira é feia, e triste. e se aquele repórter tivesse lido O Casamento de Nelson Rodrigues, ele saberia que os doentes estão em todas as classes. se é que ele não sabe disso. pensa Romário. a repórter fica feliz com a presença do secretário de obras, que deu o ar da graça depois de tanto tempo. ele apareceu para asfaltar ruas que nunca foram asfaltadas na história. mas que serão asfaltadas agora quando a humanidade começa a pensar em povoar Marte. ele põe a culpa disso nos governos anteriores, asfalta uma rua. e cai fora. as pessoas que moram na rua ficam agradecidas. E ficam pensando em como ele é generoso em ceder parte do tempo para conversar com eles, que vibram quando o secretário diz que vai fazer alguma coisa. Brad Pit diz a Romário. eu estava naquele vagão da SuperVia que passou por cima daquele rapaz. o repórter só falta chorar. ele está indignado com a mulher que matou o marido para ficar com o amante. ele não consegue acreditar que ela possa ter feito isso tendo a vida de rica que tinha. ele só falta dizer a ela que se ao menos ela fosse uma miserável. Brad Pit chora copiosamente. junto ao repórter que chora na tela da televisão. e repete aquela frase clichê. o mundo está perdido.

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Sophie Miller...

Sophie Miller é o tipo de menina que tem dois olhinhos pequeninos e brilhantes no fundo dos óculos. Ela ficou com este ar de inteligente depois que começou a usar óculos. Mas antes disso Sophie Miller já dizia, acho tão bonito quem usa óculos... Sophie Miller ficou com cara de boazinha mesmo contra a sua vontade. A sua voz é igual à voz dessa mulher que nos diz quando devemos acrescentar um novo número ao telefone discado. Sophie Miller parece uma apresentadora de telejornal que eu admiro... Se reparar nas olheiras de Sophie Miller, você irá pensar que ela é algum tipo que não dorme de madrugada. Outro dia perguntei a ela, Sophie, a que horas você dorme, normalmente? Depois das duas... Porquê? Eu disse Nada, não é por nada, não... É só por curiosidade, mesmo... Sophie Miller assiste a um daqueles programas que passam tarde da noite, e que sempre tem um cara metido a inteligente como entrevistador, e outro cara metido a inteligente sendo entrevistado. Sophie Miller é o tipo de menina que lê o livro da moda em pé no metrô. E que ouve músicas com fones de ouvido enormes. Ela conhece as dez mais tocadas da temporada. E música de um ano atrás, Sophie Miller considera velha. Sophie Miller masca chicletes. Fuma cigarros de sabor. Fala do seu cantor preferido com a desenvoltura de um crítico musical. E conhece de cor todas as suas letras. Sophie Miller é o tipo de menina que senta no chão do aeroporto. E que tem fotos das férias espalhadas por tudo quanto é canto da casa. Ela faz pose numa porção de cartões postais pelo mundo, e em fotos com as amigas dentro do banheiro da escola. Sophie faz uma pose de perfil expondo o lado direito do rosto, e dispara a foto com a mão direita estendida, e inclinada para baixo. No espelho vemos o reflexo de Sophie, e os de suas amigas. Sophie Miller usa aquele tênis que tem uma estrela, e que todos os seus amigos usam. Igual aquele casaco que tem o nome formado por três letras. Acho que eles combinam para não repetir as cores... Cada um tem a sua máquina para que se comuniquem em rede. Eles têm perfis em redes sociais, e os polegares tortos. A maioria dos meninos é viciada em jogos, futebol e pornografia. No almoço todos bebem esse líquido escuro que vicia, e comem hambúrguer naquele restaurante onde a foto do funcionário do mês, com o uniforme que incluí o boné, fica pendurada na parede. Mas um dia, quem sabe, Sophie Miller poderá fazer regimes estranhos na busca pelo corpo ideal. Talvez deixe de comer carne vermelha para só comer vegetais. E quem sabe ela passe a defender os animais. Ou as pessoas que moram nas ruas. Você pode ver Sophie Miller próxima a uma rua de shopping chique de qualquer lugar do planeta. Seja no hemisfério norte, ou no hemisfério sul. Usando um traje básico, de short, blusa branca, sandálias, óculos escuros, e chapéu contra o sol que ela segura para que não voe. Sophie viaja uma ou duas vezes por ano. Você pode até pensar em Sophie como uma menina comum, mas quando a gente era criança, perguntei a Kevin Thompson se ele sabia que um de nossos amigos se dizia apaixonado por Sophie, ele disse: Jacob Smith, não seja idiota! Quem não é apaixonado por Sophie Miller? Sophie e Kevin formam aquele tipo de casal que você não consegue imaginar separado, e não os imaginava junto.

Roberto Carlos na Vitrola...

a mãe de Samuel dizia a ele, Samuel, se o seu pai não voltar pra casa eu me mato! eu taco fogo na casa com você dentro! você vai ver, Samuel! você vai ver! eu mato a gente, Samuel... nós dois! Samuel era muito novinho. era criança, ainda. ele estava no início do antigo primário. Samuel olhava para a mãe, e imaginava a casa pegando fogo, crepitando, com eles dentro. Samuel se lembrava daquele filme em que a mãe do psicopata suava. Samuel não conseguia se lembrar se o psicopata morria queimado no final, ou se a sua mãe morria queimada, ou se a casa do psicopata terminava em chamas, pegando fogo. a mãe de Samuel em nada se parecia com a mãe do psicopata. em alguns momentos ela nem parecia irritada. acabava colocando Roberto Carlos na vitrola, e passando a cera vermelha no chão. a cera era de uma vermelhidão, tremenda. ela passava a cera no chão, como se isso fosse a coisa mais importante do mundo. enquanto Samuel jogava bola sozinho no quintal. ou com o primo que era mais ou menos da mesma idade que ele. quando a mãe de Samuel estava de bom humor, ela não falava nem da morte, e nem da piranha que o pai de Samuel havia arrumado. e aquelas manhãs de sábado de sol eram tranquilas. com Samuel jogando bola no quintal.

domingo, 2 de agosto de 2015

Sangue Bom!

tava jogando a pelada de segunda meia noite na praça. quando ainda tinha algum fôlego para correr. enquanto eu passava eles gritavam, tá na capa! físico de jogador de dominó! tá malhando? pele e osso. aí eu me lembrava daquela música em que o Cartola diz, e quando eu passo, a gurizada pasma, horrorizada, como quem vê um fantasma! e o esqueleto humano, assim vai, cambaleando, quase cai, não cai. eu falei pro moleque no meio da pelada. passa a bola, sangue bom! ele explodiu, caraca! sangue bom! da antiga aí, valeu! ele ficou deliciado em ouvir aquela gíria. talvez ela o remetesse a algum pai, ou a algum tio com quem tenha convivido quando era criança. ou trouxesse a ele lembranças da rua.

Bater Ponto...

todo dia naquele horário nós estávamos sentados naquele portão. então ele passava por nós, e dizia. eu vou bater o ponto. e se encaminhava até o orelhão da esquina. um dia eu disse, nossa, que legal... cool. você bate o ponto por telefone! o pai dele me olhou como se eu estivesse viajando. eu havia achado o máximo uma pessoa trabalhar em casa, e bater o ponto pelo orelhão. era algo que me remetia a grandes empresas de tecnologia. achei aquilo super evoluído. e moderníssimo para a visão mundo cão, que parte de nós brasileiros temos do trabalho. quando cheguei a casa comentei o acontecido com a minha esposa. e fiquei decepcionado ao descobrir que o rapaz não se referia ao trabalho. e sim, ao ato de telefonar para a mesma pessoa todos os dias, ritualisticamente, no mesmo horário. fiquei triste ao vê-lo dia seguinte de manhã cedo de uniforme do trabalho no ponto do ônibus.

sábado, 1 de agosto de 2015

A Crise!

ele não sabe responder ao filho porque existem tantas placas de aluga-se, e vendem-se penduradas por todo o bairro. já que quando eles foram procurar casa para alugar, a mãe havia dito que não havia casas para alugar naquele lugar. agora as placas se multiplicavam uma por cima das outras. então ele diz ao filho, é a crise. o filho pergunta, o quê é a crise, pai? ele corta. quando as coisas estão ruins. e o filho insiste, as coisas estão ruim pai. ele diz, sim, meu filho. as coisas estão ruins. mas elas irão melhorar. então o pai se afasta dizendo. vamos embora, meu filho, e o menino o segue... este outro homem estava assustado. não sabia o quê fazer. ele não era alguém que a cerveja conseguisse ludibriar. depois que passava a ressaca. ele sempre se lembrava dos filhos adolescentes. sendo educados ao léu. e ele estagnado naquele emprego. ele sabia que homens que tiveram tudo na vida acabavam espremidos em quartinhos. os seus medos eram muitos. quando olhava para a filha, ele temia que um dia aparecesse com outra criança nos braços. ele se preocupava ao ver que os seus seios começavam a brotar. e pensava. ou eu tenho dinheiro para dar de comer aos meus filhos. ou eu tenho tempo para educar meus filhos. era assim que ele pensava. imaginava quando o filho fumaria o primeiro baseado. e temia que experimentasse  a cocaína. e  crack que era o maior sofrimento que ele presenciava em sua vida. ou que assim como ele, que não admitia ser alcoólatra, o filho bebesse todos os dias. meninas também não estavam livres de nada. ele vivia num lugar onde era perigoso andar nas ruas. na escola em que seus filhos estudavam havia de tudo. agora havia de tudo em todo lugar. às vezes ele sonhava que seus filhos batessem com suas cabeças, e se convertessem a alguma religião. ou quem sabe se apaixonassem por alguma coisa que fosse além da violência, e da pornografia, assim como ele era viciado nessas coisas. ele estava espremido na cama igual a um feto. era apenas uma criança assustada, que se pudesse gritaria. mãe!