quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Jorge Selarón

Selarón, eu estava ouvindo sobre a sua morte aqui no meu radinho de pilha. e me lembrei de tantas noites que fui me sentar em sua escadaria. e com a fumaça adocicada nos pulmões a olhar a lua e respirar aquele cheiro de noite gostoso que só essa cidade parece ter. a sua escadaria, a da Penha, e o falecido Escadinha são os degraus mais famosos do Rio. Na sua escadaria cosmopolita, troquei ideias com gente de vários países. de australianos a peruanos. um amigo dia desses, lá mesmo na Lapa, relembrando um fato dos anos noventa, me disse: no tempo em que Lapa era Lapa! eu me lembro daquela Lapa em que o pessoal do hip-hop se sentava ali em frente aos arcos. eu frequentava o Circo Voador sujo. e era ótimo ver todo mundo lá em cima pendurado. e ter a sensação de que no meio do centro da cidade se estava dentro da Sociedade Alternativa. eu peguei aquela Lapa sitiada por travecos, punks cachaceiros, e moleques de rua que em sua maioria ainda cheirava cola. não que todos tenham sumido. mas engraçado que não acho que a Lapa verdadeira fosse essa. uma vez num terreiro de macumba o Seu Zé Pelintra me disse que a Lapa não era mais a Lapa fazia tempo. eu concordei com ele, que é uma sumidade no assunto. tem uma música que o Moreira da Silva diz que ele sonha com essa Lapa. cada um tem a Lapa que merece. e talvez os ingleses agora tenha a deles. eu tive a minha que nem foi tão boa assim. pois sou da geração rabo de foguete. a geração traumatizada pela internet. e pra quem chamava a geração de oitenta de geração perdida não sabia as proporções que a falta de criatividade iria tomar. mesmo daqueles que se dizem de vanguarda. e há de convir comigo que a gente era feliz e não sabia. da mesma maneira que se reclamava dos funkeiros dos anos noventa e, hoje se pede que eles voltem. embora acredite que o artista também veja o que todo mundo vê, e não só, o que é conveniente. mas o melhor lugar do mundo é aqui e agora, como diria Gilberto Gil. e como Woody Allen deixo claro no Meia Noite em Paris. mas a minha capital cultural do Rio continua sendo Madureira, não sei ainda por quanto tempo. a capital da música negra e do meu subúrbio. eu me lembro muito bem que foi uma novela que popularizou a Lapa. junto de interesses legítimos, financeiros, olímpicos e carnavalescos. mas seria tão bom se os lugares crescessem e as festas como o carnaval, mudando, evoluindo mas sem perder a essência. igual a preservação de alguns prédios antigos europeus como não acontece aqui no Rio. Selarón, não cheguei a trocar ideias com você. mas te ouvi falar e te conhecia de vista. e soube que você não tinha filhos. será que era na linha do, os meus filhos são os meus filmes. eu optei por não ter filhos. talvez para um artista, por causa de sua obra, seja mais fácil não ter esse pensamento preconceituoso de que, eu tenho que deixar a minha semente no mundo. até porque tanto a arte quanto a filosofia demandam um tempo imenso. e as duas parecem caminhar de mão dadas. provavelmente por isso muitos filósofos não foram casados. o escritor Bukowiski dizia não ter tempo nem para cortar as unhas. e será que era isso que você pensava. ainda não se sabe se foi suicídio. mas se foi, será que existiu algum simbolismo nesse ato de morrer queimado, em plena na obra em que parecia ser sua vida pelos depoimentos, e pela qual você mesmo zelava. pois você vivia, trabalhava, e porque não, amava a ela, e nela. o suicídio é uma bobagem. uma vingança contra quem se ama. e uma bandeira branca estendida ao inimigo. não aquele inimigo das igrejas. e o assassinato não depende de nós. as vezes, é até uma fatalidade. estar no lugar errado, na hora errada, em frente ao psicopata errado. dizem que o fogo é purificador. e se isso é verdade, você não morreu crucificado, como um assassino possa pensar. como seria a intenção do assassino. e se foi suicídio, eu entendo. você se purificou para poder ascender. vai na paz, amigo artista.

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