terça-feira, 31 de julho de 2012

Se Não Bebe, Usa Droga!

O moleque tem 16 anos. Toca guitarra pra cacete. Ele pensa que o Nirvana foi a última coisa boa da música pop. Nem sabe que a Amy Winehouse lançou um disco foda depois que o Kurt Cobain se matou. Ele se acha a última bolacha do pacote com aquela camisa do Ramones. O moleque não gosta de beber pois sente dor de cabeça. Ele deu um tapinha num baseado uma vez, mas não sentiu nada. Odeia o cheiro do cigarro. Nem quer sonhar com outras drogas. A namorada dele, não. Essa adora uma erva. Ele é obrigado a ficar se cagando esperando por ela em frente a boca de fumo. Ela com aquela camisa do Sex Pistols. Ela nem sabe que existem os Strokes e os Monkeys. Ela pensa que o Sex é melhor do que os Beatles. Só porque eles eram punks e os Beatles não. Quando ela apresenta o moleque a sua mãe, ele se esforça para dar um boa tarde senhora. A mãe dela responde com um mugido. Ou será um rugido. Melhor. Ela faz um barulho estranho com a boca. O moleque diz a menina. A sua mãe não falou comigo direito. Ela diz. Deixa isso pra lá, ela é assim com todo mundo. Quando o casal sai. A mãe da menina diz para o pai que está com a cara enfiada no jornal. Esse aí, se não bebe, usa droga!

terça-feira, 24 de julho de 2012

Troque Seu Cachorro Por Uma Criança Pobre

Agora essa moda de cão com sapatinho no colo chegou ao subúrbio. Antes isso era coisa de “fresco”. De madame da Zona-Sul. De “bicha”. De senhoritas de Manhattan que trabalham em revista de moda. Deixa o bicho andar. O bicho sabe se virar sozinho. Se você não o tivesse “adotado”, provavelmente ele ia conseguir se virar. Diferente de uma criança. Tem gente quem ama o bicho. Mas não tem amizade com um vizinho. Não se entende com o filho. E vem dar discurso a favor do animal. E dizer que é a favor da natureza. Todo dia morre criança assassinada. Tem uma porção de criança na fila de adoção. Faz igual ao Eduardo Dusek, troque seu cachorro por uma criança pobre.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

A Marquise

A marquise fica numa esquina próxima a minha casa. Antes ali funcionava um bar onde um daqueles senhores portugueses que te olham por cima dos óculos ficava sentado o dia inteiro. Ele olhava as pessoas paradas no ponto do outro lado da rua. Esse era o seu passatempo. Analisar as pessoas. E talvez ele reparasse nas suas roupas ou para onde elas iam. E talvez ele traçasse até um perfil psicológico delas. Antes do bar fechar as portas, e esse senhor botar a viola dele no saco, os adolescentes ficavam ali parados a noite. Fumando maconha e fugindo do frio. Quem sabe até espantando alguém que quisesse se recolher da chuva. Ficavam ali e pareciam fazer questão que todo mundo visse que estavam fumando maconha. Eu passei a nutrir uma simpatia silenciosa por eles. Pois me lembram de uma adolescência longínqua. Andam dizendo que estão roubando. E se isso for verdade, daqui a pouco vão aparecer mortos. E será uma pena saber que eram apenas crianças que pularam a infância, e estavam brincando de herói. Como dizem os sociólogos em jornais de hora do almoço. Mas logo após o bar fechar e os adolescentes darem uma sumida. É impressionante, como rapidamente apareceram uns mendigos para se acolher. Como se na cidade não houvesse nenhum lugar vago. E muita gente precisasse apenas de um pedaço de concreto para se ficar embaixo.

terça-feira, 17 de julho de 2012

A Lista de Promessas Que Um Homem Faz A Si Mesmo

O menino passou todo ensino básico olhando para aquela menina. Que devia se chamar Maria Clara ou Clarice. Algum nome desses que os ricos põem em seus filhos. O menino devia se chamar Zé ou Beto, uma dessas corruptelas que os pobres ganham junto dos seus nomes. A menina era branca de feições finas e narizinho arrebitado. Mas não era metida. Ela exibia uma cabeleira vermelha encaracolada. O menino era preto da cor da borracha do meu tênis. Mas por essa época ele ainda não sabia nada sobre racismo. Então isso não era nada que impedisse uma aproximação. Ele pressentia ser diferente. Mas não pela cor. Talvez por ter ganhado uma bolsa para estudar, e a sua mãe ser uma das faxineiras da escola. Todos os dias ele voltava para casa sozinho. Enquanto a sua mãe ficava varrendo a escola, a mãe da menina ia buscá-la. Todos os dias. A menina tirava as melhores notas. O menino era um aluno medíocre. Estava sempre a espreita da menina pelos corredores. Ela sempre retribuía o olhar. Ele sentia isso como uma forma de caridade. Aquele olhar era complacente. De santa. Como quem diz. Eu sei que você olha pra mim. Em nenhum momento ela era indiferente aquele olhar, ou tentava evitá-lo. O menino passou todo o ensino básico assim. Na esperança de que um dia ela retribuísse aquele olhar com alguma palavra. Terminou a escola. Nunca mais eles se viram. Até que um dia. Num supermercado. Os dois já bem crescidinhos. Se esbarraram. A menina disse "oi" para o menino. E escandalosamente pronunciou seu nome. Foi só isso. Depois ela se afastou com o carrinho. Mas era como se tivesse selado o segredo dos dois. Ele ficou feliz. Mas também arrependido de não ter tentado nada na época. E agora prometia a si mesmo nunca mais deixar de tentar. Mas aí ele já era um homem. E essa promessa entrou na lista de promessas que um homem faz a si mesmo. E que nem sempre cumpre.

domingo, 8 de julho de 2012

Estou Fora Para Ti!

Ela atendeu ao telefone e disse: fala. Eu odeio quando ela faz isso, pois me dá a sensação de que está falando com um cachorro. Eu disse: sou eu. Ela disse: eu sei, fala! A minha mãe gritou da cozinha. Não demora no telefone que a conta vem alta! Eu tapei o bocal com vergonha. Mas ela do outro lado continuou em silêncio. Eu disse: e aí quando você volta pra casa? Ela me disse: quando acabar a feira, sabe aquele cara aquele prêmio no ano passado, aquele eu te falei, ele tava falando aqui hoje! Nossa, ele é legal, é sim, Como ele é legal! Eu queria dizer a ela que o baile acabou porque prenderam o frente. Não tive coragem. Logo veio a minha cabeça aquele escritor afetado de echarpe que ela admira. e me deu vontade de desligar. Eu disse a ela: quando... Ela me cortou: está uma barulheira danada aqui, e o Brian tá falando comigo... Ela disse: já vou, Brian! Esse deve ser um puta intelectual, pensei. Um baita intelectual. Um puto desses que usa óculos, boina, e pronuncia as palavras corretamente. Ela disse: João, eu vou ter que desligar. Eu sei que quando ela fala João, ao invés de falar “Jão”, é porque ela quer esquecer daqui. Eu também, ás vezes eu quero. Eu disse: tudo bem. A minha mãe gritou: já vai desligar, ou não? Interurbano, pô! Ela disse: eu vou estar fora para ti por enquanto. Eu pensei "eu também". Estou fora para ti!

quarta-feira, 4 de julho de 2012

O Emissário do Capeta!

Ele tem seis, ou sete anos no máximo. É de uma família da classe média. Ou média baixa. Mas os pais dele pensam que são ricos. Eles moram num condomínio metido a besta que fica próximo a um bairro realmente chique. Mas não dentro dele como eles dão a entender. O pai é não sei o quê da Petrobrás. A sua mãe é uma espécie de mulher de jogador de futebol ou dançarina de funk, que usa aquele rádio horroroso em que todo mundo no supermercado ou no salão ouve a sua conversa bocejante. Em que ela diz o quanto gastou com o quê, ou chama as outras mulheres de traveca. E o moleque é o capeta. O cão. Mete a porrada em todas as crianças do condomínio. É o dono da bola. Ele apaga a velinha dos outros quando há festa de aniversário. Um dia desses ele estava conversando com um comparsa no corredor. Um cupincha. Um parceiro. Quando uma menina com o dobro de sua idade, que pelos dias de hoje, obviamente podia ser sua mãe, passou. E o mancomunado disse a ele: que gostosa! e ele, como se fosse um homem experiente. É isso que você chama de gostosa? Talvez por isso o seu apelido seja, O Emissário do Capeta.