quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Faroeste Caboclo

Naqueles dias Douglas andava feliz pelo conjunto. E todo mundo olhava para ele com uma admiração invejosa. Inclusive os moleques que deram uma trégua nas desavenças. Nem ser o perna de pau da pelada podia embaçar a sua imagem. E quando se via o moleque em pé na esquina ou e em qualquer calçada estufando o peito, ninguém pensava que ele fosse metido. Apenas que estava gozando os louros da fama. Talvez algum desavisado da rua pudesse perguntar: porque que o Douglas tá tão metido? E nós tivemos que engolir aquela marra dele durante séculos. Mas até hoje quando fica bêbado ele começa com a mesma ladainha: hei, lembra de quando eu decorei a letra de Faroeste Caboclo? Hein, lembra? Ele foi o primeiro maluco a decorar aqueles nove minutos de versos. É como se ele fosse um dos autores da letra. E ele fala do Renato Russo com uma intimidade que parece um parente próximo. E no dia da morte do saudoso poeta, ele chorou um Rio Amazonas inteiro.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Dostoiévski Vs. Sidney Sheldon

Eu não tinha dinheiro para comprar livros. Nem passagem de ida e volta para ir a uma biblioteca melhor. Então querendo ou não, aquele era o acervo que eu tinha disponível. Ainda não tava metido a besta, e não conhecia nenhum pseudo-intelectual para me dizer quais autores deveriam ser lidos. Então eu podia ler Dostoiévski num dia e no outro Sidney Sheldon. E na minha cabeça tudo era literatura e tudo era bom. Livro era livro. Hoje eu talvez não leia o Sheldon pensando que ele é limitado. E não alimente uma nostalgia obsessiva em relação a Dostoiévski, por exemplo. Mas tanto o Sheldon quanto o Dostoiévski cumpriram o seu propósito. E tenho certeza, de que o que me fez aceitar a simplicidade e a subjetividade, deve ter sido começar a ler com o coração tão limpinho. Sem preconceitos.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Homem Na Estrada

Brou tava com o irmão numa estrada de Brasília quando ouviu pela primeira vez aquela música dos Racionais Mc`s, Homem Na Estrada. Ele perguntou ao irmão que dirigia: De quem é essa música? E depois disso o irmão deu uma fita cassete dos Racionais para o Brou que a levou pro Rio. Uma fita dessas que esses otários de hoje em dia não sabem usar. A história é narrada por um preso da época da chacina. Quando Brou chegou a Penha, escreveu toda a letra da música com a ajuda do toca fitas. Ele levara quase dois dias para escrever aquele número enorme de frases. Um amigo mais chegado pediu a letra: qual é Brou, me empresta aí pra eu copiar? Brou emprestou e ele guardou no bolso. Quando Brou foi cobrar a letra, o amigo chamou à mãe a janela e perguntou a ele olhando para a senhora: Brou, aquilo não é uma letra de uma música? E Brou respondeu: sim, por quê? E a mãe logo o cortou dizendo: vocês combinaram isso! Só depois com a família reunida que a sobrinha cantou a música para a tia. Um homem na estrada recomeça a sua vida... Mas aí era tarde. A mãe já havia chorado pensando que o filho era bandido, e que recebia cartas da cadeia. Pois ela havia encontrado uma delas quando foi lavar sua roupa.

domingo, 11 de dezembro de 2011

O Dia Em Que Samuel Nasceu

Samuel nasceu num sábado. E fazia um solzinho desses que teima aparecer. Ele pensa que sábado é melhor que domingo. Pois no domingo a gente só pensa em acordar cedo na segunda-feira. E teve bandinha de música e tudo. Um tio policial militar trouxe a bandinha. Embora Samuel tenha medo de polícia, atualmente. Ele nasceu naquele hospital que fica numa ladeira próxima a sua casa. Samuel não se lembra da enfermeira. Nem do médico ou de como eles eram. E olha que o seu nome é uma homenagem ao médico que o puxou cá pra fora. Mas sempre que sente cheiro de éter e ele vê paredes brancas se lembra do hospital. E diz isso a mãe que responde dizendo: é mesmo... você se lembra do dia em que nasceu? Nossa que menino inteligente!

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Deus Tem Uma Conta No Bradesco

Eu tô travado ali. Olhando a tevê. Não tenho tevê a cabo. E nem tenho gato. Então fico ali. Mas na verdade é só na hora em que eu tô comendo. Porque não consigo assistir televisão. Ela me faz mal. Ainda mais naquela hora em que você acorda com a cabeça fresquinha, e eles começam a informar quem morreu. Televisão de manhã faz mal. Você tem um sono tranqüilo e acorda com toda a desgraça do mundo caindo na tua cabeça. Não dá pra começar o dia assim. E se continuo assistindo, daqui a pouco tô com medo de sair na rua. É uma péssima oração para se começar o dia. Eles não dizem que alguém nasceu feliz da vida. Ou que acontecem coisas legais também. E a exceção para eles é sempre a regra. Mas bater na televisão é bater em cachorro morto. Eu não acho que seja o meio, e sim o que fizeram dele. Igual qualquer coisa na vida. Não tenho nada contra a televisão. Apenas prefiro outras coisas. Se tiver algo que me agrade eu assisto. Igual agora que não consigo me desvencilhar daquele cara. É um pastor. Já tentei assistir outra coisa. Eu pulo os jornais. Num canal tá uma atriz falando de sua vida, e num outro um cantor sertanejo falando de sua vida. E a vida deles é muita chata. Agora o pastor me pede para depositar o dízimo, e mais dez por cento da oferta. Então calculo esse valor de acordo com o salário mínimo, e chego à conclusão de que é muito. Assim como é muito para um livro, um show, ou uma peça de teatro. Aí ele começa a dizer que essa conta é de Deus. Para a obra dele. E eu não consigo parar de rir pensando que Deus tem uma conta no Bradesco.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Músicos e bebida: Mistura Explosiva!

O meu avô era um músico-bêbado. Eu sou um artista-vagabundo. Mas fui intitulado assim contra a minha vontade. Não consegui ser um bêbado. Mas quem sabe algum dia seja promovido. O meu avô era analfabeto. Eu sou semi-analfabeto. O meu avô nunca foi à escola. Eu fui expulso de lá. Ele saia para comprar pão e voltava três dias depois com uma rosa na boca. E a minha avó dizia: eu vou te fazer engolir essa rosa! Eu não tenho coragem de desafiar minha mulher desse jeito. Medo. O meu avô era autodidata. Eu sou também. Sem a mesma eficiência, é claro. Ele ensinava todos os instrumentos para todo mundo. Aquele ouvido do bruto era perfeito. Existe uma lenda de que ele lia partitura, e outra de que era amigo de Mário Reis e Francisco Alves. Não tenho como provar nada disso. Pois a fonte é um filho mais velho e fã. Quando assisti o caminhar mareado de Jack Sparrow, lembrei-me dele. No dia em que meu avô deu uma banana pra gente, eu me sentei com a minha prima gorducha no meio-fio. E a melhor lembrança era aquela em que nos levava para andar por aí. Ele tirava o chapéu para cumprimentar todo mundo. E eu dizia: quando crescer, eu quero ser igual a esse velho! Que ironia, não?